segunda-feira, setembro 29, 2003

45

Na lista dos teus fins venho no fim
de uma página nunca publicada,
e é justo que assim seja. Embora saiba
mexer palavras, e doer de frente,
e tenha esse talento conhecido
de acordar de manhã, dormir à noite,
e ser, o dia todo, como gente,
nunca curei, como previa, a lepra,
nem decifrei o delicado enigma
da letra morta que nos antecede.
Por muito te querer, talvez pudesses
dar-me um lugar qualquer mais adiante,
despir-te de pudor por um instante
e deixá-lo cobrir-me como um manto.

António Franco Alexandre, Duende
Acerca da terapia de choque

Sou fumadora. E de facto é impressionante ver os nossos maços de tabaco favoritos transformados em avisos garrafais sobre a morte que se aproxima. Sim, os maços de tabaco são objectos de design a que nos afeiçoamos. Quantos de nós, fumadores, não começaram a fumar a marca x ou y por causa das cores ou do formato do maço? Eu, por exemplo, fumo John Player Special Preto, que consiste basicamente num maço preto-preto. Foi um dos maços mais tardiamente alterados e até suspirei para que fosse esquecido por esta onda legislativa. Não foi. Está completamente diferente. Já não é o meu maço lindo, mas isso agora também já não tem importância porque estou efectivamente viciada no sabor.
Enfim, não será isso o mais importante.
Apesar de ser uma grande hipocrisia esta nova plataforma de avisos – como aceitar que o Estado diga e saiba que faz mal, mas não pode correr o risco de perder as receitas substanciais dos seus impostos? – eu até aplaudo esta iniciativa.
É contra mim, bem sei. Um pouco do prazer banal de puxar de um cigarro é perdido, mas, de facto, não deixo de fumar por causa disso. Torna-se invisível. No entanto, acho que dificilmente começaria a fumar se os meus primeiros maços comprados tivessem estas inscrições e, como tal, acredito que possa dissuadir muita gente nova que ainda não está viciada. Eu resignei-me. Sei que, mais tarde ou mais cedo, vou ter de acabar com este hábito maldito, mas esse saber não tem nada a ver com a informação passada pelos avisos.
Enfim, acho hipócrita e pouco estético, mas também acho eficaz.
O design não é assim tão importante. Ou melhor é demasiado importante para o capitalismo, por isso, no meu entender, é algo que devemos desejar deitar fora.
Apenas mais uma notinha sobre os avisos. Há a mensagem principal: FUMAR MATA. Depois há as declinações sobre o tema da morte, em que o mais terrível é sem dúvida “fumar pode provocar morte lenta e dolorosa”. A seguir à morte vem a doença, com destaque para o cancro. As coisas dividem-se quando se começa a falar da gravidez e da impotência. Mas nada é tão penoso como a constatação que se pode estar a prejudicar a vida sexual e, nisso, o pobre do homem fica bem mais em risco do que a mulher (pelo menos no que diz respeito aos avisos). É assim: “Fumar pode reduzir o fluxo do sangue e provoca impotência” e “Fumar pode prejudicar o esperma e reduz a fertilidade”.
Enfim, o contrário de eficácia está no meu aviso favorito: “O fumo contém benzeno, nitrosaminas, formaldeído e cianeto de hidrogéneo”. Haverá alguém com conhecimentos comuns de química que saiba o que isto significa? É tão assustador como a existência de bruxas. Tu percebes que deve fazer mal, mas não percebes bem porquê, embora a palavra cianeto seja reveladora.
Até breve! Apetece-me fumar.
Sentença de morte

Agora que foi assumido que o PSD e o PP se irão coligar ad eternum, que será feito do partido do esquerda moderada que Durão Barroso defendeu em início de presidência do PSD?

domingo, setembro 28, 2003

De novo na PT do Rossio...

Será chuva, será gente, chuva não é certamente, quem é que me cuspiu em cima, assim?
Amor de Outono

Por causa da Romena da PT, de quem falei há uns posts atrás, um amigo tomou-se de amores e perdeu-se. À lá livros da revista XIS, dão alvíssaras a quem lhe disser que ela é comprometida.
Terapia de choque

Esta demagógica campanha anti-tabagista irrita-me. Esquecem-se os responsáveis que os maços de tabaco também são um objecto de design?
Hoje de manhã, ao tomar o pequeno almoço, um casal na mesa ao lado saltitava de maço em maço em busca do que trouxesse um menor espaço de avisos.
Onde estamos afinal? Na América?
A lei dos Amantes (4)

Será que todos os que partem deixam sempre algo connosco? É esse o segredo da memória?
Quantas vezes te bate o azar à (ó) Porta (s) ?

Não me parece que seja só uma questão de filosofia da imagem, como afirma o Portugal dos Pequeninos. A fotografia de hoje no Público, bem como os textos, não são só um olhar dos jornalistas ou uma metade que ficou por dizer. A mensagem que fica - independentemente de poder haver uma ideia concertada de afastar o PP da coligação (abençoados sejam, os que vierem com esse fim) - é que Paulo Portas caminha, e arrasta o seu PP para uma linha cada vez mais radical na direita portuguesa que, de maneira nenhuma, irá vingar. Como o meu amigo do Portugal dos Pequeninos bem sabe, o povo é surpreendente e menos parvo do que parece.

sábado, setembro 27, 2003

Uma infeliz razão 2

Apenas para corroborar o que o Tiago disse acerca da Amina, há que dizer que, com este perdão, podemos ficar felizes por um brutal assassínio não se ter cumprido, mas não há qualquer razão para celebrar ou agradecer a um Estado que se acha na legitimidade de dizer sim ou não à vida humana. Mesmo no perdão, devemos condenar o governo nigeriano, pretensioso omnipotente daquilo que é a qualidade da vida. Esta decisão não lhes cabe a eles. Este insulto àquilo que é a dignidade humana arrepia-me e dá-me náuseas. Aqui, não se dá pós-feminismo, nem feminismo, nem nada, pois nem sequer humanidade há. Abuso, desrespeito, brutalidade, violência: todas as razões se tornam ainda mais visíveis na hora do perdão.
Perdoar com que direito?
Que Estado é este? Quem são os senhores da violência?
Apenas loucura humana, insustentável, insuportável, incompreensível. Não podemos apedrejá-la até à morte?

sexta-feira, setembro 26, 2003

O primeiro obstáculo

O Melhor Anjo chega às primeiras 100 visitas. Assim, com pouca publicidade e tudo. Obrigado por virem. Continuem a aparecer.
Uma infeliz razão

A nigeriana Amina Lawal foi, como se sabe, perdoada e não absolvida. Nove milhões nove de assinaturas impediram que fosse lapidade. Mas tudo por questões processuais.

É razão para alegria? Para festejos? Para celebrações? Não, infelizmente só um encolher de ombros é possível.

Onde ficará agora a comunidade internacional? Desistirá de lutar?
E não se pode exterminá-los?

Mais uma vez, e pelas razões erradas, a Casa da Música é notícia. É muito triste verificar que há um desinteresse efectivo em fazer do projecto uma mais valia para a cidade e para o País.

Agora é a questão de um edifício que vai tapar a vista das traseiras. Não há noção, sequer dos arquitectos desse dito edifío, do que representa a obra da Casa da Música. Não percebem eles que irão negar exactamente todas as noções de arquitectura, desde o Bruno Zevi.

Será que a Câmara Municipal, independentemente de não ter gostado do resultado das negociações ocorridas em Julho, não se apercebeu do orgulho que as mais de 7000 pessoas que visitaram o edifício e os eventos nele ocorridos sentiram?

Eu estive lá e emocionei-me com os as reacções dos portuenses que viram, na Casa da Música, um exemplo daqui que pode ser um Porto do futuro.

Uma vez mais, e sem qualquer respeito pela cultura, pelas pessoas, pelso projectos, a Câmara cruza os braços e diz que não tem 15 milhões para pagar a indeminização que os empreiteiros querem. Acredito que não tenha, mas a Casa da Música é uma questão nacional. É essa noção que falta em Lisboa, é por isso que a C.M.P. se deveria responsabilizar e não contribuir para que nada se alterasse.

Se o arquitecto do edifício planeado não precisa de lições de arquitectura, saberá que nenhum arquitecto aceitaria estragar a envolvente da Casa da Música. Que atitude guerrilheira é esta?

Sr. Presidente da Câmara, tem aqui a oportunidade para se reconciliar com a cidade, as pessoas e sobretudo a Cultura. Não a desperdice.

Estaremos atentos.

quinta-feira, setembro 25, 2003

O UMBIGO

Não andam todas as pessoas concentraditas em si?
Eis uma pergunta que me foi oferecida por uma grande amiga minha, quando as duas discutíamos como, de facto, andamos só à volta do nosso umbigo, e que agora vos ofereço também. É um sinal dos tempos, uma característica humana ou somos simplesmente nós?
Provavelmente, nenhuma dessas respostas é suficientemente completa para nos deixar satisfeitos, mas é interessante debatê-las.
O síndroma "me, me, me" é conhecido e bem divulgado por pessoas brilhantes, bonitas e até pelas mais generosas. Mas ultimamente a coisa parece superar-se. À nossa volta e dentro de nós, as pessoas não conseguem deixar de mostrar o aborrecimento que sentem umas com as outras. O que é que aconteceu?
Será que estamos a sentir o efeito “mudança do milénio”, que nos faz querer mudar tudo o que está à nossa volta, ou pelo menos a forma como vemos o mundo? Será que a malfadada crise se instalou de tal modo que até nos corrói a nível existencial? O tempo, a mudança… ficámos mais velhos, as coisas importantes, as decisões, as relações, tudo isso já aconteceu. O futuro parece que já não está todo em aberto. Estaremos nós a tentar lutar contra isso? A exigirmos de nós mesmos essa auto-análise, para que os erros se revelem acertos e as impossibilidades se tornem de novo opções? Ou pelo contrário, é tudo medo? Medo de ser adulto de uma vez, agora que as coisas começam a encaixar e até há boas hipóteses de as coisas darem certo? E se a auto-análise for apenas uma forma de fugirmos deste presente, que se assemelha tanto com o futuro um dia imaginado?
Enfim… eu própria, num momento bem triste da minha existência, disse que não queria saber de nada a não ser de mim própria, estando o meu pensamento apenas pintalgado por alguns momentos em que me dedicava aos outros. Digo que foi infeliz, porque sei que não é verdade. Tenho um coração sincero e generoso, tenho até um interesse profundo pelas pessoas de quem gosto. Mas o aborrecimento, a leve paranóia que não andam todos a girar à nossa volta (triste verdade), como talvez devesse ser a sua competência, que quem sabe até não fazem tudo por nós, esse sentimento não passa de uma patalogia social que não tem nada de centrado, pelo contrário. Assim, diria que há egoístas que são um bocadinho melhores que outros. Melhores egoístas, entenda-se, imaginando que há uma escala positiva para tudo isto.
Na série “Começar de Novo”, que a RTP2 transmitiu até ao último episódio e que agora temos oportunidade de começar tudo de novo com episódios repetidos na Sic Mulher, a personagem adolescente Grace (brilhante) dizia: “alguma vez te sentiste uma pessoa pior do que és realmente?”. E isso encerrou um pouco a questão. Primeiro, é um sentimento adolescente este de sermos algo socialmente que não somos de facto, que passa essencialmente pela afirmação exacerbada de alguma coisa que nos identifique e distinga. O problema é que, de facto, como os adolescentes, o que afirmamos tão gritantemente não tem nada a ver connosco, não nos identifica ou distingue em nada.
Aliado à afirmação adolescente, vem obviamente o sentimento de culpa, tão bem retratado nas palavras daquela personagem tão inteligente (desculpem-me, mas eu sou fã histérica da dita série). Esse sentimento de culpa só alimenta o ciclo fechado da afirmação e da frustração, aniquilando de uma vez a possibilidade de REALMENTE pensarmos em nós mesmos.
Assim, e tendo a consciência de que fugi um pouco ao assunto, diria que de facto não estamos tão centrados assim na nossa vida, na nossa existência, nas nossas emoções. Estamos apenas a lutar com o nosso ego e a perceber por que caminhos nos mete ele, sem qualquer pudor, sem qualquer sentido de orientação. Sim, estamos egocêntricos.
E o mal, claro, parece estar no tempo do mundo, demasiado atolhado de coisas, funções, ofertas, exigências e por aí fora. Não nos deixa tempo para nós, para respirarmos fundo e, aí vem a parte piegas previsível, olharmos um pouco para aquilo que somos.
Tudo isto é um trabalho. Um trabalho árduo, prioritário, que não passa pelo mundo, nem pelas pessoas no seu convívio social habitual. É um trabalho que não exige nada de nós a não ser o mais essencial: a nossa vontade.
Fechemos (ou alarguemos) o campo de interesse, não culpemos o mundo nem nos culpemos a nós. O mundo está apenas sobrelotado de coisas sem importância, assim como o nosso ser social, e há que confiar no nosso discernimento para saber avaliar essa importância. Ao mesmo tempo que percebemos que um encolher de ombros nunca é apenas isso.
Estou tão profunda, sou tão boa.
Até breve!

quarta-feira, setembro 24, 2003

Uma casa no fim do mundo

Acordei com a notícia sobre a proposta do Vaticano. No Fórum TSF todos se mostraram indignados e foi impressionante a lista imensa de padres que ligaram a oporem-se à proposta. Somente uma chefe de escuteiros do Miratejo achou bem a proposta.
Estou com o analista para as questões religiosas da TSF, este é um caminho para o conservadorismo no seu pior. Preocupa-me, no entanto, que isto seja feito numa altura em que o Papa está a definhar. Terá ele noção disto? É o mesmo Papa que se desloca aos velhos países comunistas e que fala dos jovens com paixão?

terça-feira, setembro 23, 2003

Os Eleitos – Elogios, dúvidas e acrescentos à lista dos 50 mais da cultura em Portugal publicada pelo Expresso esta semana

Os dados foram lançados e a sorte sorriu aos afortunados. No entanto, uma lista é sempre uma lista e as omissões são sempre mais que as presenças, até porque são sempre mais. Ainda que a lista seja surpreendente em vários aspectos, entre os quais:

1) escolhe e distingue Maria João Pires não só pelo seu virtuosismo, mas sobretudo por Belgais;
2) exclui as actividades desportivas enquanto manifestações culturais;
3) distingue a visibilidade da responsabilidade (ex: Teresa Salgueiro);
4) não cai no óbvio de escolhas duvidosas por simples afirmação internacional (ex- Maria de Medeiros, Joaquim de Almeida);
5) Não elege trabalhos de conjunto, sabendo separar as importâncias (ex: Maria João)

Assim, e, em primeiro lugar, como se fosse possível não acreditar que uma lista é só uma lista e por isso nada diz para além do que diz e, em segundo lugar, e mais importante, são acrescentos e não substituições o que aqui se sugere.

E porquê? Porque não se acredita que o teatro em Portugal se possa reduzir a três nomes (ainda que seja surpreendente a exclusão de um actor – o que diz muito, para quem assim o quiser ver, da responsabilidade dos actores na memória dos espectadores) e a literatura se possa reduzir aos mais vendidos; porque a cultura de Portugal não se faz, e cada vez mais, sem o contributo daqueles que nos olham e pensam e constróem, mas não são portugueses, de pátria nascida; porque a cultura não é só a execução criativa, mas também, e muito, o trabalho de definição, de planeamento, de construção de linhas ou lançamentos de nomes; porque a organização não deveria ser numérica mas alfabética; porque... porque...

Assim, estes são os meus acrescentos – também esta lista com omissões graves:

- Ana Hatherly (poeta, professora, ensaísta)
- Carlos Pinto Coelho (jornalista, criador do programa «Acontece»)
- Filipe lá Féria (encenador)
- Helder Macedo (escritor, ensaísta)
- Helena Sá e Costa (pianista, professora)
- Fernado Lanhas (pintor, arquitecto, poeta)
- João Mota (actor, encenador, director do teatro A Comuna, professor)
- Jorge Molder (fotógrafo, Director do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian)
- José Augusto França (ensaísta, professor)
- Julião Sarmento (artista plástico)
- Manuel Rosa (director da Assírio & Alvim)
- Manuel Sobrinho Simões (cientista, Director do IPATIMUP, Prémio Pessoa 2003)
- Maria Teresa Lago (astrofísica, ex-directora da Porto 2001)
- Miguel Lobo Antunes (programador cultural)
- Natércia Freire (poeta, directora da página Artes e Letras do Diário de Notícias entre 1955 e 1974)
- Paulo Branco (produtor de cinema)
- Paulo Rocha (realizador de cinema)
- Teresa Patrício Gouveia (Presidente do Conselho de Administração da Fundação de Serralves, ex-Secretária de Estado da Cultura)
- Urbano Tavares Rodrigues (escritor)
Blogo, logo existo?

Esta não é, com certeza, uma questão que não tenha já, numa ou noutra altura, surgido a quem criou um blog. A mim, confesso que esteve, entre outras, na origem deste blog, não tanto pelo lado narcisista de me mostrar ou expor as minhas posições, mas mais num certo pendor cívico, malgré toda a demagogia que nesta afirmação se possa ler.

Mas à medida que mais e mais estudos, notícias, comentários e opiniões vão permitindo identificar quem é o quê neste mundo dos blogs e a necessidade de se desenhar um perfil é mais premente, somos mais ou menos bloggers consoante o que escrevemos?

De acordo com o artigo de Pedro Fonseca, ontem no suplemento de computadores do PÚBLICO, os bloggers dividem-se em grupos (será já o início das divisões, conforme se anunciava no Santa Ignorância?), sendo estes: os inovadores (2.5%), os “early adopters” (13.5%), os “early” e os “late majority” (ambos com 34%) e os “laggards” ou “atrasados” (34%). Ora eu, e por consequência este blog, deverei estar entre os “late majority” e os “laggards”, ainda que esta última posição depressa deixe de ser a última à medida que o fenómeno se estende.

Mas vem isto a propósito, mas não só, das arrumações que ontem levei a cabo, ao deitar fora os jornais do verão, depois de devidamente seleccionadas as notícias que aguardarão o devido encaminhamento. E, assumindo que não tenho nem o tempo, nem o dinheiro, nem mesmo a capacidade de absorção dos comentadores políticos (bom, daquele que pode carregar o epíteto) ou de bloggers de primeira divisão, outros que me levaram a fazer um e demais “vizinhos”, é impressionante o que se vai deixando para trás e se gostaria de comentar. Nesta espécie de filtro, em nome dos nossos leitores – essa massa anónima e cada vez menos silenciosa (agora se quisermos abrir o nosso espaço – como quem abre uma tasca (eis a razão da descrição que dá ênfase a este blog) – para dar a nossa opinião, fazemos um blog) e da permanência dos mesmos, vai-se construindo o perfil de um blog. Deste ainda é cedo para se dizer alguma coisa.

Já no que diz respeito ao perfil de quem tem um blog, não sei se possa concordar com a descrição que o Blog de Esquerda faz. É um tanto fechada em si mesma para poder definir algo que é tão abstracto. È certo que os bloggers terão que ser pessoas de um nível cultural e social mais elevado que a maior parte do cidadão comum, não devendo isso, no entanto, ser a razão pela qual se cria um blog. Mas, tal como os jornais não estamos, creio eu, a escrever para uma comunidade fechada, e por isso mesmo, em nome dessa responsabilização das elites, não podem os bloggers demitir-se dessa função, em nome, obviamente, desse contributo para a construção de um imaginário colectivo.

Se os blogs são sobretudo espaços de opinião e não tanto de informação é porque, muito provavelmente, a falta de espaços para a opinião pública é notória. Bem como, em grande parte por questões económicas, a profusão de jornais já não é tão grande como a existente durante a ditadura. Ou mesmo, se quisermos, o país é demasiado pequeno para tantos jornais. Talvez os blogs tenham vindo suprir essa carência. Ainda que sejam sobretudo opinativos.


Não me parece, contudo, que se possa exigir uma presença maior de blogs jornalísticos. Qual será então a diferença entre um blog jornalístico e um jornal digital? É certo, no entanto, que o facto de qualquer um poder criar um blog pode apresentar algumas deficiências, no que diz respeito à articulação dos textos, construções gramaticais ou mesmo incoerências, exactamente pela liberdade que se têm ao se emitir uma opinião.

É, por isso, que me parece ser possível citar aquela velha máxima: há primeira todos caem, à segunda só cai quem quer. A ver vamos daqui a um ano (será um ano muito tempo no virtual?) quem ainda cá anda. E contra mim falo, que isto nunca se sabe que voltas dá.

Queria escrever sobre aquilo que deixei por escrever. Acabei por reflectir, a pensamento solto, sobre a revolução que o blog provocou nos meus dias. Dos que aguentaram até ao fim deste post, aguardam-se comentários.
A falta que a cultura nos faz

Li ontem, no PÚBLICO, e ainda a propósito do post abaixo sobre a situação do Teatro Nacional S. Carlos, a notícia sobre a crise instalada no Teatro La Scala, em Milão, provocada pela ruptura que o seu director-geral, Carlo Fontana, quer impor ao insistir na apresentação de óperas populares para compensar o aumento de lugares que o novo espaço de apresentação representa: mais 600 que os 2600 que tem o La Scala. Ricardo Muti, o director musical desde 1986, opôs-se a tal opção avisando que o teatro está “em risco de declínio”.

Ás acusações de que o director musical e maestro quer fazer do La Scala um teatro de elites e a ideia do director-geral de que a cultura é para todos, junta-se a comunidade política de Milão, ciente do poder político e financeiro do teatro. Se uns acham que as decisões devem caber ao maestro, outros há que suspeitam das verdadeiras razões desta questão, nomeadamente a vontade do governo de Berlusconi querer impor a substituição do director-geral. Esquerda e direita concordam, no entanto, que o futuro do Teatro La Scala é demasiado importante para se perder assim, em acusações, algumas delas muito falaciosas. E estão dispostas a intervir, se for esse o caso.

Em Portugal, não ouvi ninguém da esquerda que sabe que a cultura não é só património a referir-se à ilusão que se chama Teatro Nacional S. Carlos. Questão de somenos? E quando for a altura de pedir convites?
Loucos por amor” ou o frisson de um cabelo famoso

Confesso que a razão pela qual ainda fui ver a peça “Loucos por amor”, em cena no Centro de Artes de Lisboa, antes de ir para o Teatro Nacional (mas que sentido fará a apresentação da mesma peça em dois sítios da capital só porque é uma co-produção?) é porque, para além de achar pouco estimulante a apresentação da peça, nos mesmos propósitos em que decorreu a sua estreia em Portugal (mesma tradução, colagem demasiado evidente ao filme,...) temo que me façam perceber como é fascinante o cabelo de Catarina Furtado. Saíram mais reportagens sobre as mudanças de cor de cabelo da actriz do que sobre a peça propriamente dita, ficando sem perceber se foi o cabelo que se sujeitou ao texto ou se foi a peça um pretexto para uma mudança de cor. Não é isso o pressuposto de qualquer actor? Metamorfosear-se na personagem?
Um dia sem carros (II)

No eléctrico 12, a caminho do Castelo de S. Jorge, diz um passageiro, logo seguido por uma esbaforida senhora:
- Só é de borla porque já têm os bolsos cheios.
Momentos depois ouve-se uma voz masculina:
- Se é de borla, quero o dinheiro do passe deste mês.
Mas mesmo de borla, os miúdos da Calçada de Sto. André não deixaram de andar à pendura.

segunda-feira, setembro 22, 2003

A Lara Croft é feminista

Andam as pessoas a dizer mal da Lara Croft e como a fotografia da Angelina Jolie foi retocada no poster do filme porque os mamilos da menina estavam demasiado arrebitados, mas ninguém presta atenção ao mais importante. De facto, a Lara Croft é feminista, mais é pós-feminista!
Eu não vi o primeiro, por isso posso falar à vontade.
Pegando nos argumentos mais pertinentes que me colocaram acerca da Lara, gostaria de deixar-vos com algumas reflexões acerca do assunto.
1) É um facto que o fato de lycra, borracha, whatever, da dra.arqueóloga Croft lhe destacam as formas (tenho de reconhecer). No entanto, é também evidente que são do tipo mais adequado à façanha a que ela se está a prestar naquele momento. Ao contrário do que possam pensar, a nossa boa amiga lara não passa o filme todo com o tal fato (o que aparece no cartaz), longe disso. Aquele é um fato especial de mergulho. E, como sabem, os fatos de mergulho são sempre justos. Pois bem podem dizer que, enfim, não havia necessidade de o fazer tão brilhante, tão justinho, tão evidentemente sexy, mas é apenas um preconceito, já que todos os super-heróis homens, desde o super-homem ao próprio James Bond, usam fatos justos, lustrados e proeminentes no destaque das suas formas. Até podemos supor que qualquer homem ficará babado ao ver o filme (partindo erradamente desse preconceito de que o homem é um ser rebarbado) ao ver a angelina jolie a bater em alguém - com certeza isso foi tido em conta na venda e mesmo na produção do filme - mas a personagem nunca é apresentada como objecto sexual, a sério! Mesmo! É uma personagem sujeito. E é toda giraça e veste-se bem, mas é ela quem tem o poder.
2) nesse sentido, considero a Lara Croft uma heroína semelhante à Carrie do “Sexo e a Cidade”, só que menos humanizada e com menos inseguranças amorosas (ela mata o grande amor da vida dela, for god sake!). Tem um guarda-roupa melhor, vive numa mansão e salva a humanidade. Este também é um tipo de ícone no qual as miúdas se podem e devem rever, o que me leva ao 3).
3) É bom que surjam estes padrões referenciais novos para as miúdas, que em vez de terem de procurar reconhecimento numa bond girl, objecto de desejo, sem força e sem vontade, para um qualquer garanhão, passam a querer reconhecer-se em figuras que são alguma coisa por si, sem precisarem de um olhar exterior. Personagens que são o que são, não o que são em relação ao homem, neste caso. De facto, é estimulante ver uma personagem (mesmo sendo pouco credível) que não parece muito preocupada se é gira ou não, simplesmente é com toda a força. Pronto é óbvio que ela é gira!
Em conclusão, o filme, além de ser divertido, transmite também padrões um pouco subversivos para aquilo que é o normal num filme típico de aventura em Hollywood. E até aquele soco no tubarão tem uma explicação científica, para os que pensam que é uma grande banhada.
Fico-me. Até breve!

Um dia sem carros (I)

Saiu o pai com duas filhas. Elas iam de bicicleta, apetrechadas com capacetes, luzes, joelheiras, protecções. Ele ia a pé, a ver se nenhuma caía, pois era a primeira vez que andavam sem as rodinhas auxiliares.
Umas horas depois saíram de carro e diz uma das filhas para o pai:
- E o cinto, pai?
- Deixa, é só para irmos a casa da tua avó.

domingo, setembro 21, 2003

Pai, porque me abandonaste ?”: O Estado e os Teatros Nacionais: O S. Carlos

Recorda hoje, Augusto M. Seabra, na sua habitual crónica no PÚBLICO, que “em 1803, tinha o Real Theatro de S. Carlos aberto há apenas 10 anos mas sendo já crónicos os problemas de rentabilidade, o governo do Reino, que também já não dispensava o teatro mas não queria assumir os seus encargos, atribuiu a exploração ao empresário Lodi, concedendo-lhe em contrapartida o privilégio das casas da sorte.”
O caso que o cronista enuncia não foi uma excepção na relação do Estado com os Teatros Nacionais, e em particular com o de S. Carlos. Incapaz de se fazer valer na gestão dos teatros, o Estado, fosse ele o do governo do Reino, do golpe militar ou da ditadura nunca soube bem o que fazer com o único teatro lírico do país, ao ponto de empurrar para os empresários as responsabilidades da sua gestão, mediante acordos nada proveitosos para os arrendatários.

Chegou-se ao ponto de após o relatório de segurança efectuado na sequência do incêndio que destruíra o Teatro Novidades em 1928, o Teatro fechra para obras, abrindo somente em 1935 e sem que as companhias signatárias, na altura a de Erico Braga e depois a de Ilda Stichini pudessem alguma vez usufruir dos hipotéticos rendimentos a que tinham direito. Um conjunto de regras e cláusulas contratuais, asfixiando as companhias em obrigações muito pouco maleáveis, levaram a que interessados, como Almada Negreiros, desistissem do intento, ainda que isso acarretasse pena de prisão por incumprimento de contrato.

Não é, portanto, uma situação nova, esta da irresponsabilização do Estado face aos Teatros Nacionais que, já que tal não acontece no resto dos teatros, vivem, sobretudo de uma relação estreita e dependente da confiança e interesse dos responsáveis.

Quando no final da temporada passada, mais um vogal responsável pelo sector financeiro bateu com a porta, não faltaram as garantias de que a situação se ia alterar, em função, sobretudo, do papel que o Teatro Nacional S. Carlos representa no país e no estrangeiro. Tudo para que as críticas apontadas elucidadamente pelo demissionário pudessem ser abafadas em nome das vulgares incompatibilidades entre as administrações.

Mas esquecerem-se que demissões já eram 4, Pinamonti tornava-se, em surdina, num triturador de vogais e a temporada acabava sem que uma única solução estivesse à vista. Mas não se souberam que alterações iam acontecer, de que forma e quando. Não se soube, também, que planos tinha Paolo Pinamonti para a temporada deste ano e seguintes, já que, como se sabe, as calendarizações são feitas com anos de antecedência e não suceda o que Elisabete Matos, em emocionante mas resignada entrevista à revista Pública pressupõe: um afastamento cada vez maior do teatro lírico de Portugal.

O actual director do S. Carlos foi convidado, sob um contrato blindado e multi-milionário, para reerguer o S. Carlos à condição que lhe é devida. Duas temporadas passadas e as críticas que surgem não são nada abonatórias para a programação ou para o seu director (não se percebendo aliás como pode a mesma pessoa gerir financeiramente um teatro e demitir-se da sua função de programador competente. Não se percebe, aliás, porque razão Paolo Pinamoti insiste em trabalhar nestas condições, sujeito a um desprestígio e humilhação que o arrastará, mais cedo ou mais tarde) , os espectáculos são anunciados sem contratos firmados, as despesas de expedientes servem para pagar verbas a técnicos e artistas... em suma, o Teatro Nacional S. Carlos está refém de uma situação que, a não se alterar, vai, definitiva e irremediavelmente, afastar Portugal dos circuitos internacionais. Não basta, para justificar essa atitude, a ideia feita e batida que vivemos na periferia da Europa sem as condições de produção da vizinha Espanha. Em casos assim, ou se arrisca ou se desiste. Viver à tona de água, a boiar como um peixe inerte não resolve nada.

Desorçamentado, irreconhecível e desrespeitado, o Teatro Nacional S. Carlos arrisca-se a cumprir os mínimos, para consumo interno sem perceber – sem ver – que é lá fora que estão as soluções.

Por isso, nesta operação de cosmética que foi a conferência de imprensa, à lá cartazes propagandísticos de Santana Lopes (“Já viu que não fizemos nada, mas ainda assim você tem a ideia que trabalhámos que nem uns mouros ?”), mais uma vez se percebe que a cabeça de Salomão não foi pedida, que os responsáveis se imiscuíram de reconhecerem o seu papel em todo este processo... em nome, ou justificados por, uma crise que terá no seu fim um resultado nada benéfico para a cultura e, neste caso, para o S. Carlos em particular.

Que programação é essa que Pinamonti irá apresentar dentro de pouco mais de um mês? Feita quando, com que verbas, de que forma? Em nome de que subterfúgios vão, nessa data, escapar à pergunta: Onde está o S. Carlos?








Para um invisível presente, em jeito de pedido de aniversário

Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.

Sem Outro Intuito, Luis Miguel Nava

Argentina

1.
Ayer fue yesterday
para buenos colonos
mas por fortuna nuestro
mañana no es tomorrow

2.
Tengo un mañama que es mío
Y una mañana que es de todos
El mío acaba mañana
Pero sobrevive el otro.

Digamos, Mario Benedetti
Heróis de estimação

A propósito da nova colecção do PÚBLICO, devo confessar que nunca fui grande apreciador do Tintim. Bem sei que não cresci com ele, da mesma forma que gerações anteriores o fizeram e que por isso não posso sentir como meu algo que é o produto de uma época, com características próprias e significados múltiplos.

Mas também não cresci com os Flintstones e desses gosto. Cresci com o Mickey e não gosto dele, acho-o arrogante, convencido, esperto demais, sempre confiante, como se escondesse mais do que aquilo que sabe. Prefiro o Donald e toda a família de patos, Maga Patalógica incluída. Mas gostar da família do Donald não me faz gostar assim tanto dos sobrinhos dele que armados em bons escuteiros sempre se me afiguraram uma espécie de Deus ex-machina, ainda antes de eu saber o que isso era.
Não gosto do Tintim porque não me convence. Vive preso numa juventude algo ambígua, nesse limbo entre o pragmatismo adolescente e a sapiência dos adultos. Sempre jovem, sempre esperto, sempre belo... sempre distante. Viajante solitário por viajante solitário sempre prefiro o Petzi que era um urso que vivia num barco e que voltava a casa da mãe só para comer panquecas. Gostava tanto do urso Petzi que até tive um cão com esse nome. Mas gostava também do Sport Billy, esse sim um rapaz do seu tempo que tinha um saco donde tirava tudo, como fazem os míudos mais espertos que os outros, mas não tão chatos como o Mickey ou o Tintim.

Mas o que eu mais gostava mesmo era do Asterix. Ainda hoje gosto. No outro dia sentei-me na FNAC do Chiado a ler um livro do Asterix. Asterix nos Jogos Olímpicos. E estava indignado porque o meu herói ia usar a poção mágica para vencer os romanos e os gregos. Ia fazer batota e o Asterix não pode fazer batota. O Asterix é bom. Mas lá arranjaram um esquema, pouco honesto no entanto, mas que salva a cara de todos e faz pouco dos romanos, como se espera numa aventura do pequeno gaulês.

Se calhar gosto do Asterix e do Petzi, do Sport Billy, do Donald e dos Flintstones porque são heróis normais, que não se armam em chico-espertos como o Mickey e o Tintim, que se fingem ingénuos. Quis sempre que o Mancha Negra ganhasse, nunca percebi o que é a Minnie via no Mickey e acho que o Pateta era mal tratado. Como o meu cão se chamava Petzi nunca dei muita importância ao Pluto, até porque preferia o Tico e o Teco.

Resumindo, interessam-me mais as implicações históricas e socio-políticas das histórias do Tintim que o herói em si mesmo. Lembro-me de ter lido, algures, que ele era um tanto fascista, o que não abona nada quando já não se gosta de alguém. E depois, quem se deixa ultrapassar por um cão – bendito Ideafix que não se intromete onde não é chamado – e se faz acompanhar mais por tipos que por personagens não pode ser muito convincente. Ao menos o Obélix tem personalidade, a bruxa do Sport Billy é mesmo má, o Barney não quer substituir o Fred e o Gastão mete mesmo raiva.

Última menção para o He-Man, herói maior de toda a infância... by the power of She-Ra
Ele está no meio de nós

Uma vendedora da FNAC Chiado e uma amiga discutem que livros deverá a segunda levar:

- Eu não gosto, mas vende bem, diz a vendedora referindo-se a Isabel Allende.
- O verão já acabou e bastaram-me duas semanas de Paulo Coelho, diz a amiga.
- Duas semanas?
- Devia demorar mais?
- Não acho que consigas recuperar tão depressa. Que tal o Ulisses?
- Também levei mas não consegui ler. Esse é daqueles que fica bem ter, mas não se lêem. É preciso que seja inverno e te obrigues a ficar em casa para o leres.

- Sabes que, se calhar, nem precisas. Como descendemos todos dele é quase como se fossemos ler a história das nossas vidas.
- Um dia, um dia. Agora quero algo mais meia-estação. Esse é muito chuvoso.

A criança interna

Dizia-me uma psicóloga, em conversa, baseando-se em algumas filosofias deterministas, entre as quais a ética lockiana (de John Locke), que, por vezes, o adulto racional se vê impedido de evoluir porque a sua criança interna está emocionalmente instável. Ou seja, que não é compreendida a essência do ser humano. No início do conhecimento humano [nascimento] estão os «dados da consciência», tanto de experiência externa como interna, ou as ideias simples de sensação e de reflexão. E é a partir da combinação de tais ideias simples que se forma o conjunto aberto das ideias complexas a que todo o nosso conhecimento, actual e potencial, se reduz.(Locke)

Só que, por vezes o indivíduo é obrigado, pelas circunstâncias da vida, a saltar etapas que em nada ajudam a um desenvolvimento normal da criança interna. De acordo com a psicóloga, é preciso olharmos por essa criança interna e perceber, nos actos em adulto, que modelos foram utilizados para os justificar, verificando, assim, se estes são ou não sustentados por modelos falhados que, mais cedo ou mais tarde se irão reflectir em diversas outras relações.

Como não há futuro e o presente se improvisa, defendem as teses deterministas que é no passado que se encontrarão muitas das respostas para os estados de espírito do presente. É preciso, portanto, ter em atenção o(s) momento(s) do(s) desvio(s), não para os corrigir mas para apreender o que faltou por cumprir. Reflectir e resolver antes de evoluir. Evoluir somente após a aprendizagem. “Quem não aprender a dominar-se, não será livre nem respeitará a liberdade dos outros” (Locke)

Decidi pegar na minha criança interna e levá-la ao cinema. Comprei-lhe um pacote de pipocas, fomos ver um filme de piratas e, passado um bocado, adormeceu sossegada.
Filosofia de Ponta

A propósito do lançamento de um livro de Maria João Ceitil, “Pôr o corpo a pensar”, dizia Eduardo Prado Coelho que sim, se podiam elencar perfumes como se fosse filosofia já que aprendíamos que “pôr a ilusão a falar não é entrar no domínio da falsidade, do erro, da mentira. O afecto, o sonho, a ilusão, a magia, dizem a verdade.”
Indo mais além, e não me querendo substituir à lista que o Independente apresenta esta semana nem tão pouco copiar os excelentes “elencos” postados em Um Blog sobre Kleist, ouso perguntar, pois acredito que com as tentativas de respostas que possam surgir, a vida se nos afigurará mais simples, porque mais pensada e reflectiva. Assim:

- Porque é que insistem em sentar as pessoas todas na mesma fila quando a sala de cinema está vazia?

sexta-feira, setembro 19, 2003

Anotação encontrada numa agenda perdida de 1973

“Esta agenda é do menino chamdo ... e não mexer sem otrizasão do menino chamado o nome de cima só mexem se eu der otrização nisto porque se eu vajo algum gajo a mexer nisto eu apanho-o e leva uma estalada seija quem for e sempre nem que seja o ... nem que sejo o ... nem que seja o ... nem que seja o ... levam todas na cara se eu encontrar a que algum a mexer nesta agemda já está avizado tudo pertante já sabem levam todos uma estalada. É tudo que apanhar a frente a mexer é estaladas para todo o lado e murros para o outro pontapés para as canelas.”
Um novo texto do João, que julgava que a sua não publicação era censura, mas afinal foi só ausência de tempo. Aqui vai, portanto, em jeito de reflexão. Um dia o João publicará sozinho, fica prometido

O Sagrado e o Profano

Assistimos na nossa sociedade a um crescimento cada vez maior do profano em relação ao sagrado. Cada vez mais o sagrado existe em pequenas nuvens, num céu de profanos. Esta tendência cada vez maior de uma profanização do mundo, tem no entanto, encontrado, nos últimos tempos um regresso ao sagrado, ou se quisermos, uma revolta contra o profano. Reavivar do espiritual? Crise das grandes religiões? Ficam as perguntas.

O certo é que de algum modo assistimos no nosso tempo a uma viragem para outros modos de ver o mundo e de viver o sagrado. Neste sentido, a Maçonaria é certamente uma das maiores, e uma das mais antigas, senão a mais antiga, alavanca desse crescimento e dessa procura, não podendo ser confundida a parte com o todo, senão o que dizer dos fundamentalismos islâmicos e da religião islâmica, ou da riqueza da Igreja Católica e da miséria no mundo. Importa pois distinguir a parte do todo e pensar num significado mais profundo das coisas e do sagrado e não ficarmos pelas aparências, nem por libelos acusatórios que visam apenas denegrir a imagem de uma instituição que se rege por valores acima da esfera do humano e que acredita no homem, não como um ser perfeito, mas que procura a perfeição.

Esta crise do sagrado e do profano não será, nem deverá ser, a negação das liberdades humanas fundamentais, nem tão pouco uma volta ao passado preconceituoso, supersticioso e retrógrado, mas a busca de uma moral, que incorpore as raízes da Tradição, tornando-a compatível com a Liberdade. Neste sentido e neste momento, acredito que a Maçonaria teve e terá um papel importante, que não pode e não deve ser confundido com acusações gratuitas e sem qualquer sentido que não passam de um modo fácil e cómodo de falar sobre as coisas.

Mircea Eliade tem razão, quando afirma «uma das características do mundo moderno é o desaparecimento da iniciação», eu acrescentaria, o desaparecimento do sagrado e a confusão que reina entre instituições e os valores que estão acima dessas instituições.

João

quarta-feira, setembro 17, 2003

Processos e rituais de iniciação

Em elucidativo artigo, escrevia Eduardo Cintra Torres, na segunda feira no PÚBLICO, que os reality shows eram um ritual de iniciação para a fama ao qual se sujeitavam concorrentes, familiares e até o público (que mais tarde escolheria os que mais lhe agradam). Entretanto leio no 24 horas que os concorrentes derrotados do programa Ídolos, da SIC, vão processar o júri por se sentirem humilhados no seu direito de mostrarem o que valem. Em sua defesa, Joaquim Fidalgo, hoje no PÙBLICO, diz a esse júri que se vá meter com gente do seu tamanho. Fico a pensar, depois de, ontem à noite, uma concorrente do Big Brother assumir para o país que é virgem, mas recusar-se a contar aos residentes da casa que o é, se a exposição a que se sujeita quem quer um lugar não deverá efectivamente passar por todos os níveis, incluindo a humilhação pública? Não se conquista um "lugar ao sol" assim, com um estalar de dedos. Se recorrem a um subterfúgio - quem sabe para escamotear a falta de paciência para os demorados e imbrincados processos do conhecimento e aprendizagem ao longo da vida - não deveriam arcar com as suas consequências? Quem acredita que pode apagar o passado em frente aos televisores, se, por ter aceite a exposição, vê a sua vida toda nos jornais? A culpa, afinal, é de quem? Dos concorrentes, dos produtores dos programas, do público ávido?
O Teatro Nacional... prenúncios de um post

Hei-de voltar a este assunto, depois de leituras mais aprofundadas e apontamentos vários, mas uma questão para iniciar: abriu o Carlos Alberto no Porto, com a promessa de uma lei de autonomia para os teatros nacionais. Que se passa no Teatro Nacional D. Maria II, afinal? Até quando vai estar fechado e em nome de quê?
Teoria da conspiração

Há um peso judaico-cristão que carregamos e que nos leva a ser catastrofistas... a achar que tudo pode acontecer a qualquer altura, e sobretudo não só aos outros. É por isso que nos sobressaltamos quando lemos notícias de acidentes na estrada quando temos pessoas amigas para chegar; que nos alarmamos quando o telefone do outro lado não é atendido por quem já deveria ter vindo ao nosso encontro...
As boas notícias tardam a chegar e as más são sempre as primeiras, diz o povo (mas que povo é este que sabe tanto, afinal?) mas não consigo deixar de sentir o coração apertado de cada vez que algo assim acontece.
Quando nos espalhamos pelo país - quando deixamos nos outros marcas e os outros nos levam para fora das nossas portas - o sentimento agrava-se. Será que é fruto dos tempos ou é só uma questão absurda? Antes de tudo é preocupação sincera. Ainda que conspirativa. Mas sabe-se lá, não é? Um dia...

terça-feira, setembro 16, 2003

Em nome de um futuro (pessoal ou global???)

No que diz respeito ao evoluir da situação económica portuguesa, Durão Barroso tem uma certeza: 2010 é a meta para que Portugal possa andar de cabeça erguida, orgulhoso de si e sem nada dever à "pesada herança socialista". Ora, eu pergunto: se em vez de pedir a necessidade de ter uma nova legislatura, o Primeiro Ministro confiasse na classe política, não seria mais simpático, mais educado, mais generoso, quiçá até mais rentável, dizer apenas que traçara um plano em que acreditava e que achava ter a força suficiente para convencer o país (sobretudo a oposição) de que, independentemente dos que se seguissem estes eram os planos, os métodos, as formas de lá se chegar? Não será que soa um tanto a apego ao poder a necessidade de se pedir uma legislatura quando esta ainda vai a meio (e que meio, meu Deus...). Se seguisse as convicções do inenarrável colega de partido postado abaixo, acreditaria que todos pretendem o mesmo, e se assim é a nova maioria (sem PP, espera-se) estaria garantida. "Quero criar condições para que Portugal se levante. Posso não ser eu a consegui-lo, mas, pelo menos, saio consciente de que fiz o meu melhor", esse é que devia ser o discurso.
Mas talvez eu deva prestar mais atenção aos avisos dos meus amigos. É inútil ser um crente nas instituições e nos que as representam. Será?
Ás terças com... Santana ou palavras leva-as o vento

Após um fax tão elucidativo, ainda antes desse assunto interessar a quem quer que fosse, o edil da Câmara Municipal de Lisboa estreou-se no Jornal da Noite da Sic. Enfim... o olhar está perdido no ar, não olha em frente, nem para o interlocutor... olha para cima, testa franzida, semblante carregado... as mãos abertas sobre a mesa a marcar posições, o corpo hirto, a pose de estado, a voz cavernosa... e as citações que vão de Montesquieu à Grécia antiga... até Marx é chamado para um elogio: "tinha razão, não em muita coisa, mas tinha",diz prudentemente
1ª frase a reter: "palavras leva-as o vento, diz o povo, e o vento atiça o fogo"
Mas diz mais. Diz que quem emite opiniões tem que assumir as responsabilidades dessas opiniões (será que o mesmo se pode aplicar a compromissos e promessas?), que os governos deviam ser proibidos de legislar e obrigados a reformar; que deveriam aplicar o que os seus antecessores fizeram em lei (hummm... pergunto-me se esse é o procedimento da C.M.L., porque se for, afinal, nós é que estamos errados...).
Para a semana há mais, diz ele. Bom, a não ser que as circunstâncias mudem. E essa sempre foi a política de Santana Lopes.
Nota final: 70 contos gastos em livros para os filhos. Será que ouço por um aumento do abono familiar?
Alá é grande (mas é como Deus e está em todo o lado? Está debaixo de um camião?)

O Bloco de Esquerda, no seu jeito trauliteiro e na forma mais absurda (como se cada cartaz denunciasse uma campanha à Associação de Estudantes de uma qualquer escola secundária) espalhou, em tempos idos, nas ruas um elucidativo cartaz sobre a sua posição quanto ao envio de GNR's para o Iraque: "Nem mais um geninho para o Iraque", dizia o cartaz. Enfim... não foi por causa desta magnífica forma de dissuação que eles não foram, até para alívio do Primeiro Ministro que achava que eles iriam, só não sabia era quando. Mas foram. E pergunta o Miguel Sousa Tavares, entre as breves pausas para respirar da Manuela Moura Guedes: foram em missão patriótica ou em nome da política externa dos EUA?
Parece que se esquecem que 120 pessoas vão só de uma vez, se a bomba estiver bem posicionada. Que Alá os proteja, de facto, sobretudo se andarem todos juntos.
Portugal no caminho do bem

E pronto, o caminho do portugal no sentido do bem está encontrado. Após tão elucidativo e quase piegas artigo da Minitra de Estado e das Finanças hoje no Público, o Conselho Episcopal enunciou os 7 pecados capitais de que padece a sociedade portuguesa. A saber:

- Corrupção;
- Individualismo;
- Consumismo;
- Fuga aos impostos;
- Exclusão social;
- Isenção de responsabilidade pelo bem comum.
- Fenómenos desportivos exageradamente mediatizados.

Agora há duas formas de se entender esta lista e de viver com ela. A primeira é acreditar que não somos um clube de cristão, como bem definiu o Presidente da República na Turquia (nem nós, nem a Comunidade Europeia) e por isso esta lista é tão relevante quanto qualquer outra e como estes 7 poderiam vir outros seja por indicação do Conselho Episcopal seja por qualquer outra instituição. (Gostaria de saber quais os 7 pecados que a Associação Industrial Portuguesa denuncia, ou mesmo a Fenprof ou qualquer um de nós...); a outra forma é reparar que o mal dos portugueses assenta sobretudo no dinheiro (no excesso ou na falta fica por esclarecer) o que, vindo de quem vem, coloca uma nova questão: em que medida estão os valores que a igreja defende a serem desrespeitados pelos crentes? Será esta lista uma expiação das falhas no discurso religioso?
well being world

A vossa atenção para o fantástico anúncio/teaser que anda pelas ruas. tem uma mulher por cima de um homem a tirar-lhe as cuecas. estão deitados no chão de uma casa de banho, como parece atestar a sanita no canto da foto. é brilhante a inversão dos papéis. a publicidade volta a ser subversiva e não apenas perpetuadora dos estereótipos vigentes, como é o caso da nova campanha da Sagres, que desmoraliza qualquer homem. que homem quererá beber uma cerveja que simples e basicamente o identifica como apreciador de babes, bolas e rodas? é caso para dizer que os homens merecem melhor e a Sagres também, uma vez que é uma marca de referência em Portugal.
by the way, a campanha da mulher no topo é da renova. sim, essa mesma, a marca de papel higiénico. agora poderíamos aproveitar um dos claims da campanha da sagres e dizer em uníssono: "gostas pouco, gostas".
até breve
E Lisboa conheceu o Inferno

Bem sei que um post deste género pode indignar muita gente, mas a mim deu-me especial prazer ver os lisboetas atarantados com a nuvem de fumo do fim de semana. Foi só um cheirinho do país real que ardeu no verão enquanto estavam de férias. Na Avenida de Roma, pasme-se, as pessoas deixavam os telemóveis e falavam umas com as outras acerca do fumo. "Ai, é horrível...", "Não se pode, não se pode..." Onde andou esta gente toda em Agosto? Só agora é que se aperceberam? Descansem, as buganvílias e as heras que têm na varanda não vão arder.
Nós só queremos Portugal a arder?

Quando o Ministro do Ambiente veio afirmar que a causa de alguns incêndios estava relacionada com armas trazidas por ex-combatentes da guerra colonial, o país político estremeceu e o primeiro ministro veio pedir desculpas pela incúria do seu escolhido. Agora que se sabe que grande parte da descoordenação no incêndio na Tapada de Mafra se deve a munições da responsabilidade da Escola Prática de Infantaria espalhadas pelo terreno, que irão dizer os responsáveis?
E ainda sobre Mafra, como pode uma terra húmida, por natureza, ser vítima de um incêndio tão grande e, sobretudo, em terrenos que deviam estar protegidos? Será porque a construção de uma auto-estrada é fundamental? Agora que a Tapada de Mafra praticamente ardeu que justificação vão dar para não se construirem mais prédios e estradas nacionais naquela zona?

Amanhã as temperatras voltarão a subir e, contudo, aguarda-se pelo Livro Branco sobre os incêndios. Que nos irá dizer esse livro Branco? Que é preciso limpar as matas? Que há que controlar as queimadas? Que os bombeiros não podem estar dependentes de verbas para terem água? Que há que existir uma coordenação mais próxima do terreno? Que as populações devem ter mais medos para serem os primeiros a salvar a floresta?
Ou que deve preparar um concurso internacional para o fornecimento de um ar condicionado gigantesco para o país todo? Ou então, que dada a calamidade, o melhor é deixar arder tudo pois assim um reflorestamento nacional sai mais barato que diversos regionais?
A Europa questionada

Falta-me ainda perceber muita coisa relativamente à União Europeia e às suas vantagens, não sendo, no entanto, e como é lógico, contra a permanência de Portugal na mesma. Mas longe de me poder considerar um eurocéptico - termo demasiado reaccionário - coloco algumas questões, depois de uma leitura sobre as notícias entretanto saídas. Estas questões levam-me a querer saber mais e não são, de maneira nenhuma, uma afronta.
Não seria relevante associar-se o "não" ao Euro da Suécia (E porque haveriam os suecos votar que "sim" só por questões emocionais?) ao "sim" da Estónia à adesão?
Que Europa se apresenta nestes dois resultados? Uma de valores ou uma económica?
É possível que existam diversas forças, com diversos pesos, a lutarem por um bem comum? E se sim, porque razão a França e a Alemanha não se deverão sentir justificadas por não cumprirem um Pacto de Estabilidade se, efectivamente, são quem mais pode?

segunda-feira, setembro 15, 2003

Actualização em directo da PT

Chegou a polícia, o computador não era desligado, a louca acusava a brasileira de ser deportada, chegou o marido da brasileira, a louca queria ir ao instituto de medicina legal porque tinha as impressões digitais da grávida no braço, iria ser deportada hoje mesmo, o marido amaldiçoa-a para o resto da vida caso aconteça alguma coisa à criança por nascer, os polícias querem levar todos para a esquadra, a "vítima" diz que se fizerem isso vão ser denunciados e expulsos da polícia, uma outra senhora envolve-se na discussão, levanta-se da cadeira, protege a brasileira, é ofendida pela dita colaboradora do SEF, dá-lhe um estalo, empurra-a, empurram-se, os policias não se metem entre duas mulheres, tudo aos gritos, louca para aqui, louca para ali, tudo para a esquadra, processo... revolta... revolução
Um filme de sentidos

Há filmes que se sentem, mais do que se vêem. "La finestra di Fronte" é um deles. Um filme sobre as opções e a consequência das mesmas. "Depois de ti, o azul nunca mais foi azul e o vermelho nunca mais foi vermelho. Depois de ti o céu não foi mais céu."
Há muito tempo que não ficava sem fôlego por causa de um filme. Saí tão irritado que o espaço não era suficiente para andar. Não é um filme brilhante, é só um filme bonito. Talvez tenha a ver com as alturas em que é visto, mas há coisas que nos tocam mais que outras. "La Finestra di Fronte" é para pensar nas consequências das nossas escolhas e saber que essas nos vão marcar para sempre.
Está em exibição em Lisboa e no Porto.
Portugal no seu melhor

Regresso à loja da Portugal Telecom no Rossio para actualizar este blog e eis quando senão um tumulto surge.
Uma qualquer mulher ameaçou chamar o SEF porque uma cidadã brasileira lhe pediu para afastar um pouco a sua mala para que pudesse colocar uns pápéis. Bom, a mulher - portuguesa, no seu melhor - chamou de "cabra" para baixo à outra grávida, ligou para o SEF, disse que estavam uns ilegais a incomodá-la, que eram muitos os que tinham documentos iguais aos dela - a que a incomodava - que também se iam embora, que ninguém sabia com quem estavam a falar e sobretudo que se estava "cagando" para quem defendia a brasileira que, num pranto, e grávida, só se queria ir embora.
Lamento, de facto, que as teclas deste computador não permitam uma actualização rápida dos diálogos.
Oh, chegou a polícia. Diz a louca que uns africanos e uns braisleiros -uns individuos- a impedem de trabalhar, ela que trabalha para a justiça e não tem medo de ninguém, porque vale por um homem e por uma mulher... que trabalha para a justiça e que os vai mandar embora pois "está a ser insultada por estes estrangeiros que estão aqui que têm que ir para a terra deles. Ofensa é não identificar este estrangeiros que estão aqui ilegais".
Pois a mulher diz que está a colaborar com a justiça, que está a trabalhar para o SEF... bom, só visto. "Eu quero um inspector do SEF aqui na PT do Rossio, estão aqui uns ilegais brasileiros e estrangeiros", diz ela ao telefone.
Muito bem, a polícia obrigou-a a desligar o computador e vai levá-la para a esquadra.
É isto o que o SEF têm para mostrar?
Identidades

(um post "tótó" para um amigo a viajar)

A Mara Alexandra e a Rafaela Fabiana são duas meninas de cerca de cinco anos com quem me cruzei em dias diferentes ou no metro ou no eléctrico. Estavam acompanhadas pelas respectivas mães que não se coibiram de as chamar, seguido logo por um valente bofetão que as fez perder o sorriso e começar a chorar, por nada, como choram, quase sempre as crianças quando têm sono. A Mara Alexandra e a Rafaela Fabiana irão carregar o resto da vida o nome que os pais, num qualquer momento de felicidade, escolheram. É tão legítima a escolha como se fosse a escolha fosse Ana, Catarina, Vânia, Carla, Filipa, Paula... mas estas meninas irão encontrar, concerteza, como li noutro dia num post, o seu nome numa página de um livro e vão achar que o livro foi escrito para elas. A Mara Alexandra e a Rafaela Fabiana não vão. Será que podem mudar de nome? Será que podem processar os pais? Ou vão simplesmente escolher não ler livros?

domingo, setembro 14, 2003

Questões de domingo

Parece que é a opinião generalizada. De facto, ao fim de semana é mais difícil manter-se o blog. Ficam assim pendentes várias questões:
- o elogio (o 1º e ainda assim receoso) a Souto Moura por causa da genialidade do estádio do Braga;
- o artigo de Augusto M. Seabra sobre a Leni Riefensthal;
- o incêndio na Tapada de Mafra;
- o fascínio pela telenovela "Mulheres Apaixonadas"
- as crónicas de Ana Sá Lopes.
Vou antes ao cinema ver La Finestra di fronte. À noite, depois do supermercado tentarei nova onda de inspiração.

sábado, setembro 13, 2003

Só eu sei porque é que fico em casa

Confesso que ando aqui às voltas neste blog celestial a ver se encontro maneira de colocar a possibilidade de se comentar. Os links já cá estão e parece que funcionam... mas acho que os senhores japonesinhos que vivem dentro dos computadores estão a brincar comigo. Faltam palavras para perceber o que querem que faça para resolver estes problemas. Ando nisto há horas. Corro o risco de não justificar a página.
A lei dos amantes (3)

Ama-me quando eu menos merecer, que é quando eu mais preciso.


Algumas imagens expostas

O corpo está demasiado próximo do quotidiano, há que instaurar entre eles uma abertura, alguns centímetros de intensa liberdade.
Luis Miguel Nava, Abertura

Aproprio-me e transformo o título de uma peça de Mark Ravenhill, para falar de sensações - mais do que uma análise ou crítica – recebidas pelo espectáculo MATERIAIS DIVERSOS, apresentado por Tiago Guedes até hoje na sala estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.
O espaço está cheio de segredos que nos vão sendo desvendados no decorrer da performance, como se o coreógrafo nos ludibriasse na nossa mania de tudo sabermos, tudo conhecermos, tudo antevermos num espectáculo de dança. Os objectos – os materiais – estão lá mas não estão expostos, antes nos vão ser, primeiramente, apresentados através de códigos corporais que Tiago Guedes facilmente desmancha, não deixando ao espectador a sensação de continuidade. Só mais tarde, na 2ª parte da proposta é que vamos ver (como dizia o poeta, agora vejo/ como nunca vi e nunca verei) o que antes era enunciado. Mas nada é deslocado, despropositado, ficcionado, falso ou pretensioso. A leveza com que o intérprete nos transporta - numa abstracção assente somente no seu corpo e nos seus olhos pousados no chão - encontra no espectador a surpresa de não reconhecer em si movimentos que de tão naturais e orgânicos, não são mais que gestos coreográficos, escondidos num quotidiano pouco dado à simplicidade.
Porque é simples, tal como ingénua e pueril toda a concepção de Tiago Guedes. Ao jogar sozinho um jogo de mímica, obriga o espectador a encontrar referentes e a confrontar-se com o desconhecido e, por isso desconfortável, mundo da ilusão. Só quando as coisas começam a tomar forma é que o corpo do espectador relaxa e se permite sorrir. Mas aí o bailarino volta a trocar as voltas ao desatento espectador e inscreve na parede o seu nome. Identifica-se, como se dissesse que esteve sempre a falar dele e não de todos. Uma assinatura da criança que levou o adulto ao seu mundo e o deixou à porta porque afinal ele cresceu e se esqueceu de continuar a brincar.
Duas partes, os mesmos gestos, significados diferentes. Quando olhamos para algo a 1ª vez nunca se vê tudo, pensamos, apanhados na surpresa da descoberta. O que Tiago Guedes propõe é que exactamente não seja preciso olhar segunda vez para se perceber que já lá está tudo. Sempre esteve. Exposto. Para quem quisesse ver.

Em comparação, a proposta de Cláudia Dias – ONE WOMAN SHOW – falha ao colocar demasiadas coisas por demasiado tempo. Não percebe exactamente que o que lhe antecedeu é exactamente onde ela queria chegar. Saliente-se, no entanto, o brilhante retorno ao interior de um puff vermelho garrido e cheio de esferovite que a engole como se fosse um casulo. Se fosse só isso era genial. Assim é só triste. Por comparação, claro.
A voz de Gould

Um dia descobri que se conseguia ouvir a voz do Glenn Gould atrás das notas das Variações Goldberg. Comecei a achar que aquilo de ouvir o Glenn Gould não devia ser bem assim. Talvez eu imaginasse. Sim, havia ali uns ruídos, mas talvez devessem ser riscos no cd. Mas mais tarde, muito tempo depois, encontrei no Jornal de Notícias uma breve nota acerca do assunto. Dizia então Rui Branco, o autor da crítica, que “o pianista alterava as composições dos grandes mestres se não gostava da sua forma. Nem Bach escapou”.
É delicioso ouvi-lo cantarolar a peça ao longo do disco” (JN, 28/06/03). Façam a experiência. Gravação Sony Classical, 1981 Digital. Está incluída na colecção Glenn Gould, as de capas brancas e fotografias angustiadas. Na Ária não vão ouvir nada. É só depois que tudo começa. Logo na 1ª variação, aí pelos 0’ 45”, ouve-se um hum grave. E depois segue. O pior é a variação 11 em que parece que ele está a gritar. Na primeira vez que me apercebi destes sons, assustei-me. Vão crescendo até chegarem a suplantar a própria interpretação. Julguei que alguém me estava a falar ao ouvido.
Deliciado pela ideia, investiguei mais a fundo o assunto e encontrei um artigo da autoria de Rhona Bergman (The Idea of Gould,1996) onde se afirma, a dada altura, que “not only did Gould sing, loudly, along with his music (something his mother had taught him to do at a very young age) and conduct himself with whichever hand was not in use at the piano, but the upper portion of his body swayed - vigorously in a circular motion - while he was seated on a little bridge chair with sawed off legs that his father had altered for him.” Daí os críticos serem tão ferozes com as suas prestações ao vivo, ainda que os concertos esgotassem plateias um pouco por todo o mundo.
Ouvir a voz de Glenn Gould enquanto toca é tão mais precioso quanto a sensação de poder estar a tocar só para nós. O silêncio tem que invadir o espaço e as notas, aí sim, podem pousar e permanecer, enquanto nos deixamos levar pela melodia de Bach. Se há surpresa maior no facto de se poder ouvir a voz de Glenn Gould, essa deriva do desconhecimento do prazer que a música clássica nos pode dar. E só os grandes o conseguem fazer.

sexta-feira, setembro 12, 2003

Quando o meu amigo Tiago me convidou a participar neste blog, a ideia surgiu-me como simpática mas ao mesmo tempo um pouco sinistra. Eu sou fã de computadores e da Internet, ao contrário do Tiago, mas os blogs são algo demasiado novo e sugerem-me alguma inconsequência. A ideia aqui, narcísica com certeza, é apelar no entanto à responsabilidade e assumir que se tem imensas coisas para se dizer ao mundo. Provavelmente, eu acharei que tenho. Mas desejo que a minha participação soe simplesmente leve, porque não tenho grandes teorias da conspiração nem quero insultar ninguém com montes de asneiradas (descrição dos únicos blogs aos quais tive acesso até este).
Assim, começa aqui a minha participação neste canal melhor anjo que, garanto-vos já, não será constante, mas que espero que seja espirituosa q.b.
Para já, uma ideia: para quem anda de carro (desculpa, Tiago, não os ver a escorregar), é evidente que cada vez mais semáforos em Lisboa se encontram fundidos. Por outro lado aumenta o ruído visual da comunicação da Câmara Municipal de Lisboa. Será que não têm dinheiro para as lâmpadas porque andam a investi-lo todo em propaganda?
Como é possível continuarem a falar? Não será tempo do santana se calar?
Acerca disso, outro apontamento: se passarmos por algumas zonas de Lisboa, junto a Sta. Apolónia, vemos os outdoors da CML a comunicar Alfama sem carros (desde quê finais de julho?), mas se passarmos pela Pontinha por exemplo, vemos outros outdoors a comunicar o mesmo. Até aqui nada de mais. O problema é que são outdoors com layouts, designs, aspectos, totalmente diferentes. Isto quer dizer que a CML e todos os munícipes andam a pagar dois trabalhos criativos para comunicar exactamente o mesmo. Caso não saibam, mas é conhecimento comum, um trabalho deste género solicitado a uma equipa criativa não é barato, já para não contar com a produção do mesmo! E ainda temos de levar com a sujidade do excesso de informação redundante.
Pronto, confesso, gosto do lado maldizente de um blog.
Até uma próxima!
Diz-me porque escorregas, dir-te-ei quem és...

Em meia hora de andar nos passeios da capital, 7 pessoas escorregaram à minha frente ou numa ultrapassagem pela direita. Tem-te, não caias...
A lei dos amantes (2)

Quando os lábios ainda sentem essa marca que é a tua, como é que evitamos que o baton do cieiro nos deixe ainda com mais vontade de te voltar a beijar?
Da indignação ao júbilo

Como qualquer pessoa com dois dedos de testa, estou terminantemente contra esta espécie de feira que a gerência de Santana Lopes implantou na Baixa e nos desespera com música gritada aos nossos ouvidos. Mas há prazer maior que descer a Rua do Carmo e ouvir a banda sonora do África Minha? Lisboa, assim, parece melhor. (Vou imediatamente fustigar-me por este elogio encapotado. Deve ser do calor.)
Onde será que errei?

Escrever a morada do nosso blog e aparecer um site chamado Aarons Bible, que nos convida a fazer parte de grupos de leitura da Biblía, do Corão, ... ou a conhecer as verdadeiras razões da falta de fé no mundo não deixa de ser, no mínimo, assustador. Especialmente se mesmo ao nosso lado nos olharem desconfiados por parecermos um bombista a preparar qq coisa mais estranha. Terrorismo informático?
Big Brother ou o reverso da medalha?

Três ambiguamente assexuados simpatizantes do PP, e a trabalharem num ministério afecto ao partido da coligação, preocupam-se com a eventual remodelação e a hipotética saída do seu ministro. Não consegui perceber em que ministério trabalham, mas isso pouco lhes importa. O problema maior é encontrar uma solução para, nos quatro meses que faltam para a hipotética saída, garantir um lugar na remodelação. "Mantém a cabeça baixa", diz um a outro. "Oh... bem... se eles investigarem o meu passado...", responde o mais preocupado. E logo a seguir afirma, num entusiasmo infantil que quase o faz saltar da cadeira:"Vou ter cartão?". "Bem, há que esperar. Andas atento? Lês o Expresso?", diz o 3º. "O último jornal que li foi o Diário de Notícias de hoje e há 3 semanas consegui encontrar meia página rasgada do Record.". "Bem...", afirmam incrédulos os outros dois. "Não percebo qual é o espanto... foi assim que o ... se safou, não foi? E agora é assistente do Conselho de Administração." A conversa é interrompida por um telefonema para o mais bem instalado que pergunta a alguém do outro lado da linha: "Mas ele faz parte das listas?"

quinta-feira, setembro 11, 2003

O Natal é quando um homem quiser ou quando a Castro chegar?

Começaram a descer de Espinho os camiões com os enfeites de Natal. A empresa Castro está a espalhar-se por Lisboa em mais uma operação de iluminação de Natal. Não seria mais simples não retirarem as luzes em Março?
A mulher romena e o comodismo xenófobo

Na loja da Portugal Telecom do Rossio, há uma mulher romena que discute ao telefone. Está tudo muito indignado. Mas será que não tem ela o direito de gritar? Concerteza que não está a discutir a ementa de Natal. Se calhar estão indignados porque não percebem o que ela está a dizer. Pergunta geral aqui no sítio: serão todos surdos na Roménia?
E se forem, quem é que está a pagar o telefonema, afinal?
ONDE ESTAVAS NO 11 DE SETEMBRO DE 2001?

Fui almoçar ali em Picoas, numa mesa ao ar livre, com o outro lado da rua em obras. Não me lembro do que pedi mas sei que demorou algum tempo. O restaurante estava cheio, como estão sempre cheios os restaurantes naquela zona, com yuppies, neo-hippies e bo-bos (versão deliciosa para os solitários de hoje em dia, que noutro post aprofundarei).
E à hora programada pelos terroristas, o avião embateu na Torre. Continuámos a almoçar (engraçada esta ideia de unidade - quem sabe resultado do sentimento generalizado do dia- já que a maior parte das pessoas almoçava sozinha) e, dizem uns engravatados: "Que belo filme!". Logo em seguida os telemóveis começaram a tocar e aquilo que parecia um filme era, afinal, "o fim do mundo antigo", como disse Alexander Adler.
Os mesmos engravatados logo começaram a receber notícias sobre o aumento absurdo do metro quadrado em Manhattan. "Quem vai ganhar com isto é o mercado imobiliário. A cotação das acções das imobiliárias e constructoras disparou para valores inimagináveis."
Estava tudo lá longe, numa América que a maior parte só conhece da televisão. O almoço continuou sem grandes sobressaltos.
Mais tarde, nesse dia, andava pelo Centro Comercial Colombo e juntei-me às pessoas que paravam em frente aos televisores nas montras das lojas. Esse "mundo antigo" desabava, mas continuava muito longe. Nem as especulações sobre as consequências de um atentado deste género em Portugal alertava as pessoas. Comentário de um consumidor na fila da caixa do supermercado: "Olhe, podia ser que mudasse alguma coisa."
All our bridges are falling down

Num post algo desactualizado, já que a notícia é do fim de semana, eis que encontro forma de juntar pequenos apontamentos acerca do sucedido com a queda da passagem pedonal no IC 19 no passado domingo:
Anteontem, na Antena 1, um solícito e afável senhor (que julgo pertencer ao LNEC) afirmava que não havia qualquer problema de segurança com as pontes e edifícios no nosso país. Talvez uma certa descoordenação, afirmou com o humor possível numa situação destas. Disse ainda que o que tinha acontecido "era uma excepção". É, mas já lá vão duas excepções. Solução? Bom, de acordo com o nosso amigo, se os cidadãos vissem umas placas junto às pontes e aos edifícios a anunciar as datas de vistoria, talvez se sentissem mais seguros. É, o cartoon do Luís Afonso, hoje no PÚBLICO, é capaz de ter razão: a culpa é do Newton. O que me faz lembrar uma canção inglesa onde se anunciava a queda da ponte de Londres... em versão nacional, parece-me pertinente cantarmos em coro: "all our bridges are falling down, falling down, falling down..."
A lei dos amantes (1)

Nunca uses o silêncio como forma de comunicação. A ruptura não é o fim. Deixaste de ter coisas para me dizer?
All our bridges are falling down

Num post algo desactualizado, já que a notícia é do fim de semana, eis que encontro forma de juntar pequenos apontamentos acerca do sucedido com a queda da passagem pedonal no IC 19 no passado domingo:
Anteontem, na Antena 1, um solícito e afável senhor (que julgo pertencer ao LNEC) afirmava que não havia qualquer problema de segurança com as pontes e edifícios no nosso país. Talvez uma certa descoordenação, afirmou com o humor possível numa situação destas. Disse ainda que o que tinha acontecido "era uma excepção". É, mas já lá vão duas excepções. Solução? Bom, de acordo com o nosso amigo, se os cidadãos vissem umas placas junto às pontes e aos edifícios a anunciar as datas de vistoria, talvez se sentissem mais seguros. É, o cartoon do Luís Afonso, hoje no PÚBLICO, é capaz de ter razão: a culpa é do Newton. O que me faz lembrar uma canção inglesa onde se anunciava a queda da ponte de Londres... em versão nacional, parece-me pertinente cantarmos em coro: "all our bridges are falling down, falling down, falling down..."

quarta-feira, setembro 10, 2003

Um blog subnutrido

Ter criado um blog foi algo que transformou os meus dias. O entusiasmo deve ser o mesmo que se tem quando em criança recebemos uma prenda. Depressa nos cansamos dela e preferimos o embrulho. Este blog tem sido alimentado em netshops o que implica algumas restriçoes - como enxotar quem nos espreita por cima do ombro, por exemplo, ou nao ter acentos ou nao ter as teclas todas no teclado... Eu nem sequer sei por a funcionar uma pagina web. Antes de ter um blog consultava a net para ver e-mails e ficava espantado quando me diziam que liam jornais on-line. Agora, olhem para isto... a alimentar um blog... Este blog vai ter que esperar que eu aprenda com ele como se faz tudo. Iremos crescer juntos. Que disparate, parece que estou a falar de uma criança. Logo eu que despachei um gato para nao lhe provocar instabilidade emocional.
O 1º texto de um futuro colaborador. Apresento-vos o João , ilustre companheiro de algumas lides e que, assim que nos conseguirmos orientar aqui, irá publicar os seus posts por conta e risco:

Um dia um homem, superior a todos e a tudo, debateu-se com uma questão, após colocar várias perguntas verificou que não tinha resposta para todas as perguntas. Neste ponto do seu caminho, fez a sua mais importante descoberta: existia Algo superior que criara o próprio universo. Ele tinha sido a origem e para Ele voltaria. A sua história seria a história Dele. O seu passado, presente e futuro seriam o passado, presente e futuro Dele. Humildemente, reconheceu que todo o seu conhecimento, adquirido ao longo do caminho, tinha-lhe revelado que quase nada sabia e que existia muito para aprender.

Ao longo da sua vida continuará a sua aprendizagem. No entanto, não será mais apenas um aluno passivo, recebendo lições para o seu próprio progresso. A Lei da Evolução irá fazê-lo perceber que o seu momento é chegado. O seu corpo não sentirá mais a sua própria dor, mas a dor de todos. Os seus olhos não verão mais os seus semelhantes, mas infinitas partes de si mesmo. O seu coração não sentirá apenas amor pelos seus próximos, mas por todo o próximo. Viverá o verdadeiro significado da compaixão, do amor e do altruísmo.

Colocará a sua marca em todas as provas pelas quais passará, e o mais importante: reconhecerá o autor de cada marca que encontrar em seu caminho, assim como já reconhece a Marca que está impressa em cada aurora, em cada maré, em cada estrela.

Assim, ficará impressa a sua história naquela centelha divina que partiu do NADA, como uma página em branco, e um dia chegará ao TUDO, como verdadeira obra-prima literária. Com o brilho de todas as cores do arco-íris, o perfume de todas as flores, o gosto de todas as frutas e manjares. Repleto de divino.

No caminho da Luz, há perguntas para as quais temos de ser nós a encontrar a resposta, há caminhos cheios de perigos que temos de trilhar sozinhos, para entregarmos a nossa carta a Garcia.


João
Eles e os Portugueses: um país para todos

Faz-me alguma espécie (para usar uma expressão bastante popular) que se usem determinadas expressões para definir entidades abstractas. Se assim for, Portugal divide-se entre os "Eles" - os que controlam, os que têm o poder, os que marcam os preços, os que não nos atendem os telefones, os que nos vigiam, os que estão acima de nós, os que criticamos, os que invejamos, os que maltratamos, os que ignoramos, os que queremos ser, os que não respeitamos, os que... os que... - e os "Portugueses" - os que não podem ser distraídos de questões de fundo, os que os colocam no poder, os que escolhem o que querem ver mas não se satisfazem com o que há para ver, os que votam no Big Brother e levam no coração os concorrentes de todos os reality shows, os que não se deixam enganar, os que sabem para onde vão, os que... os que... - Pergunta: Quem é esta gente toda? Quem são os "Eles" e quem são os "Portugueses"? Será que alternamos nesse papel constantemente ou fazemos parte de uma massa disforme e complexa que aceita que tudo seja para todos: os direitos, os deveres, a cultura, os prazeres... numa espéciue de democracia libertadora que pouco tem de democrático e menos ainda de libertadora?
Lê-se por todo o lado, ouve-se todo o dia, fala-se a toda a hora nestes termos: é este o Portugal em que vivemos?
Leni, casada com o inferno

Pergunta José Manuel Fernandes em crónica publicada hoje no PÚBLICO "como é possível casar o "belo" com o horror absoltudo do nazismo? Não parecia possível, e por isso a perfeição perseguida por Riefensthal, o seu culto pela beleza do corpo humano acabou por se virar contra ela, acabou por alimentar os argumentos dos seus críticos que associavam essa busca do belo absoluto ao pecado original nazi". São diversos os exemplos de artistas e criadores que comungaram com regimes totalitários, quando essa a única forma de se poderem manter fiéis a um valor maior: o seu próprio desejo de criar. Sim, poderá considerar-se este argumento profundamente naif e falacioso, mas (e voltarei a este tema mais tarde) é possível criar-se e ser-se um génio e, ao mesmo tempo, ser-se apartidário? Viver-se isolado das transformações sociais e políticas?

terça-feira, setembro 09, 2003

Morreu a Leni Riefensthal, realizadora polémica alemã que sempre quis colocar a arte acima da vida e da política. Andou em áreas pouco dadas a ambiguidades e a sua arte sofreu com isso. Há por descobrir, sem peias e receios, um imaginário fabuloso, tão profundo e complexo como a alma humana.
Morreu no mesmo dia em que no Público foi publicada a notícia que o corpo do Lorca não pertence à família mas à Humanidade. Será assim? Num e noutro caso, a separação entre o artista e o seu legado funciona como?