Algumas imagens expostas
O corpo está demasiado próximo do quotidiano, há que instaurar entre eles uma abertura, alguns centímetros de intensa liberdade.
Luis Miguel Nava, Abertura
Aproprio-me e transformo o título de uma peça de Mark Ravenhill, para falar de sensações - mais do que uma análise ou crítica – recebidas pelo espectáculo MATERIAIS DIVERSOS, apresentado por Tiago Guedes até hoje na sala estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa.
O espaço está cheio de segredos que nos vão sendo desvendados no decorrer da performance, como se o coreógrafo nos ludibriasse na nossa mania de tudo sabermos, tudo conhecermos, tudo antevermos num espectáculo de dança. Os objectos – os materiais – estão lá mas não estão expostos, antes nos vão ser, primeiramente, apresentados através de códigos corporais que Tiago Guedes facilmente desmancha, não deixando ao espectador a sensação de continuidade. Só mais tarde, na 2ª parte da proposta é que vamos ver (como dizia o poeta, agora vejo/ como nunca vi e nunca verei) o que antes era enunciado. Mas nada é deslocado, despropositado, ficcionado, falso ou pretensioso. A leveza com que o intérprete nos transporta - numa abstracção assente somente no seu corpo e nos seus olhos pousados no chão - encontra no espectador a surpresa de não reconhecer em si movimentos que de tão naturais e orgânicos, não são mais que gestos coreográficos, escondidos num quotidiano pouco dado à simplicidade.
Porque é simples, tal como ingénua e pueril toda a concepção de Tiago Guedes. Ao jogar sozinho um jogo de mímica, obriga o espectador a encontrar referentes e a confrontar-se com o desconhecido e, por isso desconfortável, mundo da ilusão. Só quando as coisas começam a tomar forma é que o corpo do espectador relaxa e se permite sorrir. Mas aí o bailarino volta a trocar as voltas ao desatento espectador e inscreve na parede o seu nome. Identifica-se, como se dissesse que esteve sempre a falar dele e não de todos. Uma assinatura da criança que levou o adulto ao seu mundo e o deixou à porta porque afinal ele cresceu e se esqueceu de continuar a brincar.
Duas partes, os mesmos gestos, significados diferentes. Quando olhamos para algo a 1ª vez nunca se vê tudo, pensamos, apanhados na surpresa da descoberta. O que Tiago Guedes propõe é que exactamente não seja preciso olhar segunda vez para se perceber que já lá está tudo. Sempre esteve. Exposto. Para quem quisesse ver.
Em comparação, a proposta de Cláudia Dias – ONE WOMAN SHOW – falha ao colocar demasiadas coisas por demasiado tempo. Não percebe exactamente que o que lhe antecedeu é exactamente onde ela queria chegar. Saliente-se, no entanto, o brilhante retorno ao interior de um puff vermelho garrido e cheio de esferovite que a engole como se fosse um casulo. Se fosse só isso era genial. Assim é só triste. Por comparação, claro.
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