“Pai, porque me abandonaste ?”: O Estado e os Teatros Nacionais: O S. Carlos
Recorda hoje, Augusto M. Seabra, na sua habitual crónica no PÚBLICO, que “em 1803, tinha o Real Theatro de S. Carlos aberto há apenas 10 anos mas sendo já crónicos os problemas de rentabilidade, o governo do Reino, que também já não dispensava o teatro mas não queria assumir os seus encargos, atribuiu a exploração ao empresário Lodi, concedendo-lhe em contrapartida o privilégio das casas da sorte.”
O caso que o cronista enuncia não foi uma excepção na relação do Estado com os Teatros Nacionais, e em particular com o de S. Carlos. Incapaz de se fazer valer na gestão dos teatros, o Estado, fosse ele o do governo do Reino, do golpe militar ou da ditadura nunca soube bem o que fazer com o único teatro lírico do país, ao ponto de empurrar para os empresários as responsabilidades da sua gestão, mediante acordos nada proveitosos para os arrendatários.
Chegou-se ao ponto de após o relatório de segurança efectuado na sequência do incêndio que destruíra o Teatro Novidades em 1928, o Teatro fechra para obras, abrindo somente em 1935 e sem que as companhias signatárias, na altura a de Erico Braga e depois a de Ilda Stichini pudessem alguma vez usufruir dos hipotéticos rendimentos a que tinham direito. Um conjunto de regras e cláusulas contratuais, asfixiando as companhias em obrigações muito pouco maleáveis, levaram a que interessados, como Almada Negreiros, desistissem do intento, ainda que isso acarretasse pena de prisão por incumprimento de contrato.
Não é, portanto, uma situação nova, esta da irresponsabilização do Estado face aos Teatros Nacionais que, já que tal não acontece no resto dos teatros, vivem, sobretudo de uma relação estreita e dependente da confiança e interesse dos responsáveis.
Quando no final da temporada passada, mais um vogal responsável pelo sector financeiro bateu com a porta, não faltaram as garantias de que a situação se ia alterar, em função, sobretudo, do papel que o Teatro Nacional S. Carlos representa no país e no estrangeiro. Tudo para que as críticas apontadas elucidadamente pelo demissionário pudessem ser abafadas em nome das vulgares incompatibilidades entre as administrações.
Mas esquecerem-se que demissões já eram 4, Pinamonti tornava-se, em surdina, num triturador de vogais e a temporada acabava sem que uma única solução estivesse à vista. Mas não se souberam que alterações iam acontecer, de que forma e quando. Não se soube, também, que planos tinha Paolo Pinamonti para a temporada deste ano e seguintes, já que, como se sabe, as calendarizações são feitas com anos de antecedência e não suceda o que Elisabete Matos, em emocionante mas resignada entrevista à revista Pública pressupõe: um afastamento cada vez maior do teatro lírico de Portugal.
O actual director do S. Carlos foi convidado, sob um contrato blindado e multi-milionário, para reerguer o S. Carlos à condição que lhe é devida. Duas temporadas passadas e as críticas que surgem não são nada abonatórias para a programação ou para o seu director (não se percebendo aliás como pode a mesma pessoa gerir financeiramente um teatro e demitir-se da sua função de programador competente. Não se percebe, aliás, porque razão Paolo Pinamoti insiste em trabalhar nestas condições, sujeito a um desprestígio e humilhação que o arrastará, mais cedo ou mais tarde) , os espectáculos são anunciados sem contratos firmados, as despesas de expedientes servem para pagar verbas a técnicos e artistas... em suma, o Teatro Nacional S. Carlos está refém de uma situação que, a não se alterar, vai, definitiva e irremediavelmente, afastar Portugal dos circuitos internacionais. Não basta, para justificar essa atitude, a ideia feita e batida que vivemos na periferia da Europa sem as condições de produção da vizinha Espanha. Em casos assim, ou se arrisca ou se desiste. Viver à tona de água, a boiar como um peixe inerte não resolve nada.
Desorçamentado, irreconhecível e desrespeitado, o Teatro Nacional S. Carlos arrisca-se a cumprir os mínimos, para consumo interno sem perceber – sem ver – que é lá fora que estão as soluções.
Por isso, nesta operação de cosmética que foi a conferência de imprensa, à lá cartazes propagandísticos de Santana Lopes (“Já viu que não fizemos nada, mas ainda assim você tem a ideia que trabalhámos que nem uns mouros ?”), mais uma vez se percebe que a cabeça de Salomão não foi pedida, que os responsáveis se imiscuíram de reconhecerem o seu papel em todo este processo... em nome, ou justificados por, uma crise que terá no seu fim um resultado nada benéfico para a cultura e, neste caso, para o S. Carlos em particular.
Que programação é essa que Pinamonti irá apresentar dentro de pouco mais de um mês? Feita quando, com que verbas, de que forma? Em nome de que subterfúgios vão, nessa data, escapar à pergunta: Onde está o S. Carlos?
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