O UMBIGO
Não andam todas as pessoas concentraditas em si?
Eis uma pergunta que me foi oferecida por uma grande amiga minha, quando as duas discutíamos como, de facto, andamos só à volta do nosso umbigo, e que agora vos ofereço também. É um sinal dos tempos, uma característica humana ou somos simplesmente nós?
Provavelmente, nenhuma dessas respostas é suficientemente completa para nos deixar satisfeitos, mas é interessante debatê-las.
O síndroma "me, me, me" é conhecido e bem divulgado por pessoas brilhantes, bonitas e até pelas mais generosas. Mas ultimamente a coisa parece superar-se. À nossa volta e dentro de nós, as pessoas não conseguem deixar de mostrar o aborrecimento que sentem umas com as outras. O que é que aconteceu?
Será que estamos a sentir o efeito “mudança do milénio”, que nos faz querer mudar tudo o que está à nossa volta, ou pelo menos a forma como vemos o mundo? Será que a malfadada crise se instalou de tal modo que até nos corrói a nível existencial? O tempo, a mudança… ficámos mais velhos, as coisas importantes, as decisões, as relações, tudo isso já aconteceu. O futuro parece que já não está todo em aberto. Estaremos nós a tentar lutar contra isso? A exigirmos de nós mesmos essa auto-análise, para que os erros se revelem acertos e as impossibilidades se tornem de novo opções? Ou pelo contrário, é tudo medo? Medo de ser adulto de uma vez, agora que as coisas começam a encaixar e até há boas hipóteses de as coisas darem certo? E se a auto-análise for apenas uma forma de fugirmos deste presente, que se assemelha tanto com o futuro um dia imaginado?
Enfim… eu própria, num momento bem triste da minha existência, disse que não queria saber de nada a não ser de mim própria, estando o meu pensamento apenas pintalgado por alguns momentos em que me dedicava aos outros. Digo que foi infeliz, porque sei que não é verdade. Tenho um coração sincero e generoso, tenho até um interesse profundo pelas pessoas de quem gosto. Mas o aborrecimento, a leve paranóia que não andam todos a girar à nossa volta (triste verdade), como talvez devesse ser a sua competência, que quem sabe até não fazem tudo por nós, esse sentimento não passa de uma patalogia social que não tem nada de centrado, pelo contrário. Assim, diria que há egoístas que são um bocadinho melhores que outros. Melhores egoístas, entenda-se, imaginando que há uma escala positiva para tudo isto.
Na série “Começar de Novo”, que a RTP2 transmitiu até ao último episódio e que agora temos oportunidade de começar tudo de novo com episódios repetidos na Sic Mulher, a personagem adolescente Grace (brilhante) dizia: “alguma vez te sentiste uma pessoa pior do que és realmente?”. E isso encerrou um pouco a questão. Primeiro, é um sentimento adolescente este de sermos algo socialmente que não somos de facto, que passa essencialmente pela afirmação exacerbada de alguma coisa que nos identifique e distinga. O problema é que, de facto, como os adolescentes, o que afirmamos tão gritantemente não tem nada a ver connosco, não nos identifica ou distingue em nada.
Aliado à afirmação adolescente, vem obviamente o sentimento de culpa, tão bem retratado nas palavras daquela personagem tão inteligente (desculpem-me, mas eu sou fã histérica da dita série). Esse sentimento de culpa só alimenta o ciclo fechado da afirmação e da frustração, aniquilando de uma vez a possibilidade de REALMENTE pensarmos em nós mesmos.
Assim, e tendo a consciência de que fugi um pouco ao assunto, diria que de facto não estamos tão centrados assim na nossa vida, na nossa existência, nas nossas emoções. Estamos apenas a lutar com o nosso ego e a perceber por que caminhos nos mete ele, sem qualquer pudor, sem qualquer sentido de orientação. Sim, estamos egocêntricos.
E o mal, claro, parece estar no tempo do mundo, demasiado atolhado de coisas, funções, ofertas, exigências e por aí fora. Não nos deixa tempo para nós, para respirarmos fundo e, aí vem a parte piegas previsível, olharmos um pouco para aquilo que somos.
Tudo isto é um trabalho. Um trabalho árduo, prioritário, que não passa pelo mundo, nem pelas pessoas no seu convívio social habitual. É um trabalho que não exige nada de nós a não ser o mais essencial: a nossa vontade.
Fechemos (ou alarguemos) o campo de interesse, não culpemos o mundo nem nos culpemos a nós. O mundo está apenas sobrelotado de coisas sem importância, assim como o nosso ser social, e há que confiar no nosso discernimento para saber avaliar essa importância. Ao mesmo tempo que percebemos que um encolher de ombros nunca é apenas isso.
Estou tão profunda, sou tão boa.
Até breve!
quinta-feira, setembro 25, 2003
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