Por favor, 2004!
Todos os anos faço um almoço ou jantar com a minha prima e grande amiga Inês. Reunimo-nos e, em jeito de balanço, falamos do ano que passou e antevemos o que poderá ser/quereríamos que fosse o ano seguinte. Até elegemos a figura e o acontecimento do nosso ano.
Este ano, já o fizémos. Ontem, ao jantar, no Galeto. Aquelas cadeiras desconfortáveis, aquele serviço único e um bom bife serviram de cenário e adereço para a nossa conversa.
Em tempo de crise pessoal, a única conclusão que tive foi: “nunca mais, um ano como o de 2003 nunca mais!”. Never again. Foi tão rico, tão cheio, com compensações e frustrações, sonhos a realizarem-se, sonhos a caírem por terra, imunes ao nosso esforço brutal. Mas tão cansativo, tão extenuante. De certa forma, foi um ano admirável, com perdas profundas e com passos estruturais. Admirável também nas pessoas que apareceram na minha vida, que se transformaram, que desapareceram, que cresceram brutalmente em mim. Todas pessoas lindas.
Hoje, considero-me ferida, frágil, em convalescência, sem saber se o meu estado piorará ou irá melhorar. Refiro-me a curto prazo, pois a longo tudo se cura, até o mais improvável.
E dentro das reflexões pesadas e leves de ontem à noite, reconheço esse pânico de viver nos mesmos erros, essa urgência de viver sob novos moldes. Vendo a vida a fechar-se em círculos que, ao mesmo tempo, se abrem. A esperança de mudar. O medo. Sempre, sempre a vontade.
2004, quero-te aqui, com uma cor diferente para o meu olhar. 2004 para os que amam, para os que perdem, para os que crescem, vivem, são. 2004 feliz para todos! E, se não se importam, especialmente para mim.
terça-feira, dezembro 30, 2003
segunda-feira, dezembro 29, 2003
Para 2004
Este deve ser o último post de 2003. Se o Popol Vuh tiver razão não chegamos a Setembro. Os pólos irão inverter-se e a implosão será inevitável. Por estas e outras, só me apetece citar o Alexandre O' Neill, num ano que se fecha em recessão, crise, escândalo e surpresa:
"JÁ SABEMOS, PAÍS, QUE ÉS UM HOMENZINHO... (...)"
E agora Portugal?
Bom ano que se segue.
Este deve ser o último post de 2003. Se o Popol Vuh tiver razão não chegamos a Setembro. Os pólos irão inverter-se e a implosão será inevitável. Por estas e outras, só me apetece citar o Alexandre O' Neill, num ano que se fecha em recessão, crise, escândalo e surpresa:
"JÁ SABEMOS, PAÍS, QUE ÉS UM HOMENZINHO... (...)"
E agora Portugal?
Bom ano que se segue.
domingo, dezembro 28, 2003
Águas de bacalhau: a proto-candidatura de Marcelo
De factos banais a bombas políticas a distância é mínima. Afinal o que Marcelo Rebelo de Sousa disse foi que num cenário imprevisível não fazia previsões. La Palisse à parte e as notícias dão-no com candidato. Perfidamente, e depois de desmanchar o discurso dos anteriores, Marcelo terminou o seu comentário na TVI dizendo: "e para 2004 lá estarei a fazer o meu comentário, pelo menos até ao fim do ano". Ora, que quer isto dizer? Que se for candidato não faz comentários? É ele, afinal, candidato?
De factos banais a bombas políticas a distância é mínima. Afinal o que Marcelo Rebelo de Sousa disse foi que num cenário imprevisível não fazia previsões. La Palisse à parte e as notícias dão-no com candidato. Perfidamente, e depois de desmanchar o discurso dos anteriores, Marcelo terminou o seu comentário na TVI dizendo: "e para 2004 lá estarei a fazer o meu comentário, pelo menos até ao fim do ano". Ora, que quer isto dizer? Que se for candidato não faz comentários? É ele, afinal, candidato?
Areias movediças
A comissão de moradores da lagoa de Óbidos queixa-se que os sacos de areia que o Instituto da Água colocou para defender as casas da subida das águas não são suficientes. Todos os anos, apesar das insistentes re-colocações de sacos, o mar leva alguns, tornando assim as casas mais expostas a serem engolidas pelas ondas. E é bem feito, digo eu.
Aquelas casas estão construídas sobre a areia, desfazendo as fronteiras naturais e em nada respeitam as condições de manutenção de reservas naturais. O caso da lagoa de Óbidos não é único. É assim na Ria da Alvor, no Algarve, nas Dunas de S. Jacinto, em Aveiro, na Costa da Caprica, no Guincho. Em lado nenhum em que a vista seja privilegiada existe um espaço sem casas. A noção que o homem tem de que pode construir em todo o lado fá-lo esquecer que a terra se move constantemente e que não se compadece com planos de construcção. As casas que estiverem mal irão ruir, cair, desaparecer.
Desde novo que me lembro dos maus tratos perpetrados na lagoa de Óbidos e raras foram as vezes em que ouvi falar-se de um plano que a poupasse. O património não é só o construído pelo homem. A natureza é também parte dele.
Este post parece um tanto fundamentalista e ecologicamente retórico, mas irrita-me que tudo se ambicione, tudo pareça pouco para a ganância dobetão. Um dia chegará em que o espaço verde e puro deixará de existir. Nesse dia - que não está num futuro distante - sentir-se-âo saudades do tempo em que o verde existia.
A comissão de moradores da lagoa de Óbidos queixa-se que os sacos de areia que o Instituto da Água colocou para defender as casas da subida das águas não são suficientes. Todos os anos, apesar das insistentes re-colocações de sacos, o mar leva alguns, tornando assim as casas mais expostas a serem engolidas pelas ondas. E é bem feito, digo eu.
Aquelas casas estão construídas sobre a areia, desfazendo as fronteiras naturais e em nada respeitam as condições de manutenção de reservas naturais. O caso da lagoa de Óbidos não é único. É assim na Ria da Alvor, no Algarve, nas Dunas de S. Jacinto, em Aveiro, na Costa da Caprica, no Guincho. Em lado nenhum em que a vista seja privilegiada existe um espaço sem casas. A noção que o homem tem de que pode construir em todo o lado fá-lo esquecer que a terra se move constantemente e que não se compadece com planos de construcção. As casas que estiverem mal irão ruir, cair, desaparecer.
Desde novo que me lembro dos maus tratos perpetrados na lagoa de Óbidos e raras foram as vezes em que ouvi falar-se de um plano que a poupasse. O património não é só o construído pelo homem. A natureza é também parte dele.
Este post parece um tanto fundamentalista e ecologicamente retórico, mas irrita-me que tudo se ambicione, tudo pareça pouco para a ganância dobetão. Um dia chegará em que o espaço verde e puro deixará de existir. Nesse dia - que não está num futuro distante - sentir-se-âo saudades do tempo em que o verde existia.
Prenda de natal
Recebo, de um amigo argentino, um belo livro bilingue de poesia contemporânea argentina e brasileira. Escolho, ao acaso, um poema de Adélia Prado. Escolho-o, em sua confiança, para dar a quem me acorda de manhã:
Fragmento
Bem-aventurado o que pressentiu
quando a manhã começou;
não vai ser diferente da noite.
Prolongados permanecerão o corpo sem pouso,
o pensamento dividido entre deitar-se primeiro
à esquerda ou à direita,
e mesmo assim anunciou paciente ao meio-dia;
algumas horas e já anoitece, o mormaço abranda,
um vento bom entra nessa janela.
Recebo, de um amigo argentino, um belo livro bilingue de poesia contemporânea argentina e brasileira. Escolho, ao acaso, um poema de Adélia Prado. Escolho-o, em sua confiança, para dar a quem me acorda de manhã:
Fragmento
Bem-aventurado o que pressentiu
quando a manhã começou;
não vai ser diferente da noite.
Prolongados permanecerão o corpo sem pouso,
o pensamento dividido entre deitar-se primeiro
à esquerda ou à direita,
e mesmo assim anunciou paciente ao meio-dia;
algumas horas e já anoitece, o mormaço abranda,
um vento bom entra nessa janela.
Lidos e mergulhados, à cabeceira, em 2003
- Duende, António Franco Alexandre, Assírio & Alvim;
- Vermelho, Mafalda Ivo Cruz, Dom Quixote;
- Uma casa na escuridão, José Luís Peixoto, Temas & Debates
- Sonetos de amor de William Shakespeare, tradução Vasco Graça Moura, Bertrand
- Biofagia, Pedro Sena-Lino, Quasi
- à beira do mundo, Frederico Lourenço, Cotovia
- Eubarratubarramim, Ana Vicente, Ponta - Associação Cultural
- Duende, António Franco Alexandre, Assírio & Alvim;
- Vermelho, Mafalda Ivo Cruz, Dom Quixote;
- Uma casa na escuridão, José Luís Peixoto, Temas & Debates
- Sonetos de amor de William Shakespeare, tradução Vasco Graça Moura, Bertrand
- Biofagia, Pedro Sena-Lino, Quasi
- à beira do mundo, Frederico Lourenço, Cotovia
- Eubarratubarramim, Ana Vicente, Ponta - Associação Cultural
Tempo de ócio
Achando eu que em tempos festivos o país pára, eis senão quando regresso e o mundo pula e avança. Eis o que me vai na cabeça e sobre o qual queria pensar:
- a anedota de Carlos Cruz;
- o livro de Santana;
- a candidatura de Marcelo;
- os artigos de Santos Silva;
- o bacalhau do ministro;
- os concursos do Instituto das Artes.
Com o tempo faço tudo.
Achando eu que em tempos festivos o país pára, eis senão quando regresso e o mundo pula e avança. Eis o que me vai na cabeça e sobre o qual queria pensar:
- a anedota de Carlos Cruz;
- o livro de Santana;
- a candidatura de Marcelo;
- os artigos de Santos Silva;
- o bacalhau do ministro;
- os concursos do Instituto das Artes.
Com o tempo faço tudo.
Ex-amantes
Uma das dificuldades das datas festivas é o papel a atribuir aos/às ex-amantes. Uma simples, seca e indiferenciada mensagem ou algo que seja provocatório, ambíguo, nostálgico...
Seja pelos aniversários ou o Natal e Ano Novo, sobra-nos sempre esta questão: como lidar com as antigas paixões em tempos de reconciliação e paz na terra? Se bem que me irrite solenemente ser alvo de uma mensagem de cortesia, antes prefiro isso a um silêncio impenetrável, como se a intimidade antes partilhada tivesse sido esquecida.
Tenho comportamentos diferentes para casos diferentes. Entre o puro histerismo prazeiroso (onde se discute se a prenda dada é melhor que a que o actual deu) e a apatia sensaborona de fingir que se esqueceu da data, há para todos os gostos. Mas rói-se-me o coração quando não digo nada, porque é só fingimento. Então podia eu esquecer tal data? Corro o dia a fingir que não me lembro, a ver se passa depressa, a pensar noutras coisas... E isto é só para não falar nas datas de aniversário de namoro.
A memória e a sua convivência com a racionalidade é um passo a desenvolver no homem.
Uma das dificuldades das datas festivas é o papel a atribuir aos/às ex-amantes. Uma simples, seca e indiferenciada mensagem ou algo que seja provocatório, ambíguo, nostálgico...
Seja pelos aniversários ou o Natal e Ano Novo, sobra-nos sempre esta questão: como lidar com as antigas paixões em tempos de reconciliação e paz na terra? Se bem que me irrite solenemente ser alvo de uma mensagem de cortesia, antes prefiro isso a um silêncio impenetrável, como se a intimidade antes partilhada tivesse sido esquecida.
Tenho comportamentos diferentes para casos diferentes. Entre o puro histerismo prazeiroso (onde se discute se a prenda dada é melhor que a que o actual deu) e a apatia sensaborona de fingir que se esqueceu da data, há para todos os gostos. Mas rói-se-me o coração quando não digo nada, porque é só fingimento. Então podia eu esquecer tal data? Corro o dia a fingir que não me lembro, a ver se passa depressa, a pensar noutras coisas... E isto é só para não falar nas datas de aniversário de namoro.
A memória e a sua convivência com a racionalidade é um passo a desenvolver no homem.
Música para os meus ouvidos: 2003 sonoro 2:
- os concertos
- La Traviatta, Teatro Nacional S. Carlos, Lisboa
- Carla Bley/Orquestra de Jazz de Matosinhos, Festival em Obra Aberta, Casa da Música, Porto
- Boris Beresowzky, Festival de Música de Espinho, Espinho
- Carlos do Carmo, Coliseu dos Recreios, Lisboa
- Vincent duBois, Sé Catedral, Festival de Órgão de Lisboa, Lisboa
- os concertos
- La Traviatta, Teatro Nacional S. Carlos, Lisboa
- Carla Bley/Orquestra de Jazz de Matosinhos, Festival em Obra Aberta, Casa da Música, Porto
- Boris Beresowzky, Festival de Música de Espinho, Espinho
- Carlos do Carmo, Coliseu dos Recreios, Lisboa
- Vincent duBois, Sé Catedral, Festival de Órgão de Lisboa, Lisboa
Música para os meus ouvidos: 2003 sonoro 1:
- os discos
- Maria Rita, de Maria Rita
- Quelqu'un m'a dit, de Carla Bruni
- A tribute to Bessie Smith, Jacinta
- Concerto pour piano n.ºs 1 e 3 de Sergei Rachmaninov, Nikolay Lugansky
- Muchas Flores, Rosario Flores
- os discos
- Maria Rita, de Maria Rita
- Quelqu'un m'a dit, de Carla Bruni
- A tribute to Bessie Smith, Jacinta
- Concerto pour piano n.ºs 1 e 3 de Sergei Rachmaninov, Nikolay Lugansky
- Muchas Flores, Rosario Flores
O natal das crianças
É para elas, dizem, que o Natal faz sentido. É por elas que o Natal existe. Mas, recordo, somente que, por causa das crianças:
- o bolo rei deixou de ter fava e brinde (podiam engolir as surpresas - como se as crianças não pusessem à boca tudo o que lhes convém);
- as parcas ofertas vão sempre para elas, deixando os outros com "a intenção";
- os brinquedos do ano passado se acumulam em caixas ainda novos e muito úteis;
- o bacalhau já não tem espinhas;
- o harry potter substituiu o sport billy;
- os maxilares ainda doem do esforço de sermos simpáticos com os absurdos espectáculos de natal que preparam;
- as conversas resumem-se ao básico e ainda assim são interrompidas;
Eu quero um Natal em que os adultos também tenham lugar.
É para elas, dizem, que o Natal faz sentido. É por elas que o Natal existe. Mas, recordo, somente que, por causa das crianças:
- o bolo rei deixou de ter fava e brinde (podiam engolir as surpresas - como se as crianças não pusessem à boca tudo o que lhes convém);
- as parcas ofertas vão sempre para elas, deixando os outros com "a intenção";
- os brinquedos do ano passado se acumulam em caixas ainda novos e muito úteis;
- o bacalhau já não tem espinhas;
- o harry potter substituiu o sport billy;
- os maxilares ainda doem do esforço de sermos simpáticos com os absurdos espectáculos de natal que preparam;
- as conversas resumem-se ao básico e ainda assim são interrompidas;
Eu quero um Natal em que os adultos também tenham lugar.
Relógios de Lisboa (III)
- o do Teatro Nacional S. Carlos
Está parado. As obras de restauro não chegaram lá. Deveria dizer as horas e fazer soar badaladas ritmícas. Acertavam-se os inícios das óperas pelo que nele se dizia. Hoje está limpo. E só limpo. Ornamenta mais do que é útil. No teatro ofertado a Carlota Joaquina, não se sabe as horas, antes se parou o tempo para que se recordem só memórias boas. O presente não avança e isso poderia ser uma bela metáfora para o que vai no seu interior.
- o do Teatro Nacional S. Carlos
Está parado. As obras de restauro não chegaram lá. Deveria dizer as horas e fazer soar badaladas ritmícas. Acertavam-se os inícios das óperas pelo que nele se dizia. Hoje está limpo. E só limpo. Ornamenta mais do que é útil. No teatro ofertado a Carlota Joaquina, não se sabe as horas, antes se parou o tempo para que se recordem só memórias boas. O presente não avança e isso poderia ser uma bela metáfora para o que vai no seu interior.
quarta-feira, dezembro 24, 2003
terça-feira, dezembro 23, 2003
PASMACEIRA TOTAL
Admito! Já estou cansada do Natal! Ainda hoje é dia 23 e já passei por 4 jantares de Natal. Hoje tenho outro. E amanhã, of course, entre família. Não me lembro de o Natal ser assim tão animado em termos sociais, mas acho que já foi mais feliz.
Não me interpretem mal, adoro estar com os meus amigos e poder partilhar com eles um momento especial só por ser Natal. O problema está mesmo na falta de tempo que tudo isto implica. Ficam outros amigos de fora e o que é pior, ficamos nós de fora. Nunca boicotarei o Natal, mas confesso que este está mais triste, mesmo com toda a animação.
Este Natal para mim veio de surpresa. Só percebi que era Natal realmente há poucos dias, mesmo já tendo comprado prendas. Há qualquer coisa que nos anda a distanciar do Natal e não sei se é a idade, as compras ou simplesmente a vida. O Natal antes era o objectivo, agora é apenas mais um momento e o significado que, este ano, tem para mim é o de espécie de marco. Uma fronteira para outra coisa, para outro momento. O Natal não pode ser assim, espartilhado, tem de estar concentradito naquele ponto certo e seguro.
A verdade é que gosto do Natal assim, mesmo que não seja como deveria ser. Gosto de estar cansada e receber e dar prendas antes do tempo.
Em vésperas de vésperas, há aqueles para quem o Natal ainda não começou e há aqueles para quem o Natal já vai a meio. Eu incluo-me nestes e só me apetece descansar entre jantares. Ao contrário dos outros que ainda estão aflitos.
Talvez este marasmo venha apenas de mim. Talvez seja porque acho que já recebi a melhor prenda possível num desses jantares. Não sei. Gosto e não gosto. Estou excitada e estou cansada. Fico indecisa entre a evidência que são apenas mais uns dias iguais ou a ilusão que é um momento especial. Um misto de sonho e de banal quotidiano. Adoro!
Admito! Já estou cansada do Natal! Ainda hoje é dia 23 e já passei por 4 jantares de Natal. Hoje tenho outro. E amanhã, of course, entre família. Não me lembro de o Natal ser assim tão animado em termos sociais, mas acho que já foi mais feliz.
Não me interpretem mal, adoro estar com os meus amigos e poder partilhar com eles um momento especial só por ser Natal. O problema está mesmo na falta de tempo que tudo isto implica. Ficam outros amigos de fora e o que é pior, ficamos nós de fora. Nunca boicotarei o Natal, mas confesso que este está mais triste, mesmo com toda a animação.
Este Natal para mim veio de surpresa. Só percebi que era Natal realmente há poucos dias, mesmo já tendo comprado prendas. Há qualquer coisa que nos anda a distanciar do Natal e não sei se é a idade, as compras ou simplesmente a vida. O Natal antes era o objectivo, agora é apenas mais um momento e o significado que, este ano, tem para mim é o de espécie de marco. Uma fronteira para outra coisa, para outro momento. O Natal não pode ser assim, espartilhado, tem de estar concentradito naquele ponto certo e seguro.
A verdade é que gosto do Natal assim, mesmo que não seja como deveria ser. Gosto de estar cansada e receber e dar prendas antes do tempo.
Em vésperas de vésperas, há aqueles para quem o Natal ainda não começou e há aqueles para quem o Natal já vai a meio. Eu incluo-me nestes e só me apetece descansar entre jantares. Ao contrário dos outros que ainda estão aflitos.
Talvez este marasmo venha apenas de mim. Talvez seja porque acho que já recebi a melhor prenda possível num desses jantares. Não sei. Gosto e não gosto. Estou excitada e estou cansada. Fico indecisa entre a evidência que são apenas mais uns dias iguais ou a ilusão que é um momento especial. Um misto de sonho e de banal quotidiano. Adoro!
Natal, não é?
Se o natal é das crianças e dos que mais precisam, eu gostava que fossemos
todos crianças e precisássemos todos uns dos outros. FELIZ NATAL
HISTÓRIA ANTIGA
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Miguel Torga
Antologia Poética
Coimbra, Ed. do Autor, 1981
Se o natal é das crianças e dos que mais precisam, eu gostava que fossemos
todos crianças e precisássemos todos uns dos outros. FELIZ NATAL
HISTÓRIA ANTIGA
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
Miguel Torga
Antologia Poética
Coimbra, Ed. do Autor, 1981
sábado, dezembro 20, 2003
Outra lista
- a das artes plásticas, visuais e pictóricas que me encheram os olhos em 2003
- Noronha da Costa revisitado, CCB
- Cara a Cara, Culturgest
- Cage/Uncaged, Fundação de Serralves
- Júlio Pomar - desenhos de Guerra e Paz, Fundação Arpad Szenes/Vieira da Silva
- Ângelo de Sousa, Fundação Calouste Gulbenkian
- a das artes plásticas, visuais e pictóricas que me encheram os olhos em 2003
- Noronha da Costa revisitado, CCB
- Cara a Cara, Culturgest
- Cage/Uncaged, Fundação de Serralves
- Júlio Pomar - desenhos de Guerra e Paz, Fundação Arpad Szenes/Vieira da Silva
- Ângelo de Sousa, Fundação Calouste Gulbenkian
sexta-feira, dezembro 19, 2003
O Ano sem Natal
À medida que o tempo vai passando, vou-me afastando cada vez mais do Natal e do seu espírito. Não é por me ter juntado à casta dos desiludidos, frustrados, resignados, descrentes, arrependidos, deprimidos ou tendencialmente suicidas. Simplesmente começo a deixar de sentir o Natal.
Comecei a notar isso quando passei a desejar um Feliz Natal cada vez mais tarde e a sorrir amarelecidamente quando mo desejavam. Como se não sentisse nada e antes sorrisse cumplicemente, esperando ansiosamente que a época passasse e o país voltasse ao seu estado normal - vegetativo mas sem embrulho.
O natal não é só das crianças (elas sabem-no pouco) e também não é só dos que sofrem (esses preferem o que metaforicamente podíamos chamar de "verão"). O Natal, a existir, devia ser de todos os que estão bem com e na vida. Para que perpetuassem essa sensação ao longo do ano.
Com o fim dos rendimentos garantidos, deixei de querer dar prendas às pessoas. procuro sempre surpreender-me e normalmente levo sempre com um sorriso de desconfiança e simpatia circunstancial. E com o evoluir dos anos, comecei a dar significado às meias e pijamas e pares de cuecas que se acumulam ao longo da noite. É que é dessas coisas básicas que o homem precisa. Uma meia rota causa muito mais impressão que um casaco vistoso.
Como vivemos dentro de um anúncio publicitário, e, em diversos tons, sons e notas cantarolamos as músicas de natal, cada vez mais me apetece baixar o volume, abanar as pesoas na rua e perguntar-lhes se de facto estão a ter prazer em viver o Natal. E se sim, em que é que isso é diferente de se ter prazer em viver qualquer outra data?
Mas não vou reivindicar qualquer ano sem natal. Não posso. Nunca iria além da imagem de um amargurado. Vou sentar-me à mesa, comer bacalhau (e tem o bacalhau o mesmo sabor o resto do ano?) e esperar que passe tudo muito depressa. No dia a seguir é feriado, o país está ainda mais parado e este tipo de coisas não são de bom tom afirmar.
À medida que o tempo vai passando, vou-me afastando cada vez mais do Natal e do seu espírito. Não é por me ter juntado à casta dos desiludidos, frustrados, resignados, descrentes, arrependidos, deprimidos ou tendencialmente suicidas. Simplesmente começo a deixar de sentir o Natal.
Comecei a notar isso quando passei a desejar um Feliz Natal cada vez mais tarde e a sorrir amarelecidamente quando mo desejavam. Como se não sentisse nada e antes sorrisse cumplicemente, esperando ansiosamente que a época passasse e o país voltasse ao seu estado normal - vegetativo mas sem embrulho.
O natal não é só das crianças (elas sabem-no pouco) e também não é só dos que sofrem (esses preferem o que metaforicamente podíamos chamar de "verão"). O Natal, a existir, devia ser de todos os que estão bem com e na vida. Para que perpetuassem essa sensação ao longo do ano.
Com o fim dos rendimentos garantidos, deixei de querer dar prendas às pessoas. procuro sempre surpreender-me e normalmente levo sempre com um sorriso de desconfiança e simpatia circunstancial. E com o evoluir dos anos, comecei a dar significado às meias e pijamas e pares de cuecas que se acumulam ao longo da noite. É que é dessas coisas básicas que o homem precisa. Uma meia rota causa muito mais impressão que um casaco vistoso.
Como vivemos dentro de um anúncio publicitário, e, em diversos tons, sons e notas cantarolamos as músicas de natal, cada vez mais me apetece baixar o volume, abanar as pesoas na rua e perguntar-lhes se de facto estão a ter prazer em viver o Natal. E se sim, em que é que isso é diferente de se ter prazer em viver qualquer outra data?
Mas não vou reivindicar qualquer ano sem natal. Não posso. Nunca iria além da imagem de um amargurado. Vou sentar-me à mesa, comer bacalhau (e tem o bacalhau o mesmo sabor o resto do ano?) e esperar que passe tudo muito depressa. No dia a seguir é feriado, o país está ainda mais parado e este tipo de coisas não são de bom tom afirmar.
A palavra suspensa
Já todos nos apaixonámos, deixámos e fomos deixados. Já todos sofremos, fomos iludidos, enganámos, quisemos crer e fomos felizes. Já todos o quisemos dizer logo no primeiro momento e deixar que a coisa se perpetuasse no tempo, como se mais nenhuma outra palavra pudesse existir. Já todos disemos: Amo-te.
Na velocidade dos acontecimentos, será mais esperançoso ser o primeiro a dizer ou deixar que nos digam? E se formos os primeiros a dizê-lo, é preferível escutar o silêncio, arrepiarmo-nos com um "eu também" ou aguardar serenamente que nos digam, a meio de um beijo "eu amo-te. e mais que tu a mim" ?
Reconhecendo que não há qualquer problema em dizer "eu amo-te" quando sentimos essa necessidade - mesmo que a outra pessoa não tenha ainda a força para o afirmar -, podemos também sentir uma certa leveza. Depois de o dizer, é como se o sufoco passasse. Não se exige que nos digam alguma coisa em resposta, só se pede que nos deixem ter o sentimento.
Já todos nos apaixonámos, deixámos e fomos deixados. Já todos sofremos, fomos iludidos, enganámos, quisemos crer e fomos felizes. Já todos o quisemos dizer logo no primeiro momento e deixar que a coisa se perpetuasse no tempo, como se mais nenhuma outra palavra pudesse existir. Já todos disemos: Amo-te.
Na velocidade dos acontecimentos, será mais esperançoso ser o primeiro a dizer ou deixar que nos digam? E se formos os primeiros a dizê-lo, é preferível escutar o silêncio, arrepiarmo-nos com um "eu também" ou aguardar serenamente que nos digam, a meio de um beijo "eu amo-te. e mais que tu a mim" ?
Reconhecendo que não há qualquer problema em dizer "eu amo-te" quando sentimos essa necessidade - mesmo que a outra pessoa não tenha ainda a força para o afirmar -, podemos também sentir uma certa leveza. Depois de o dizer, é como se o sufoco passasse. Não se exige que nos digam alguma coisa em resposta, só se pede que nos deixem ter o sentimento.
O outro lado da lua
O pulha Luís, do alto da sua ironia (que leio sempre como quem se arrasta viviado em marguerittas) olha, assim, para o fenómeno da decadência bloguística: "Agora é que a blogosfera tem interesse. Sim, agora que se presta a desaparecer. É um processo lento, bem sei, mas é, de certeza, a melhor fase deste lodo cibernético. Aproxima-se o dead end, e muitos autores de blogs já se aperceberam disso. Uns tiveram sorte e passaram a ser remunerados, escrevendo em jornais ou revistas, as alarvidades que espraiavam no blog. Outros, ridículos, continuam a esbracejar a quem escolheu os referidos na linha acima, sem se darem conta que os lugares desse carrossel estavam marcados à partida."
Continua dentro do quarto.
O pulha Luís, do alto da sua ironia (que leio sempre como quem se arrasta viviado em marguerittas) olha, assim, para o fenómeno da decadência bloguística: "Agora é que a blogosfera tem interesse. Sim, agora que se presta a desaparecer. É um processo lento, bem sei, mas é, de certeza, a melhor fase deste lodo cibernético. Aproxima-se o dead end, e muitos autores de blogs já se aperceberam disso. Uns tiveram sorte e passaram a ser remunerados, escrevendo em jornais ou revistas, as alarvidades que espraiavam no blog. Outros, ridículos, continuam a esbracejar a quem escolheu os referidos na linha acima, sem se darem conta que os lugares desse carrossel estavam marcados à partida."
Continua dentro do quarto.
Vistos e analisados
- as artes performativas que me caíram no goto este ano
- Castro, encenação Ricardo Pais, Teatro Nacional S. João;
- Titus Andronicus, encenação Luís Miguel Cintra, Teatro Nacional D. Maria II;
- Água, direcção Pina Baush, Centro Cultural de Belém;
- Jornada para a noite, encenação João Mota, Teatro A Comuna;
- As três irmãs, encenação Monica Calle, Casa Conveniente;
- Materiais diversos, concepção Tiago Guedes, teatro Nacional D. Maria II;
Menções honrosas
- Saudades do tempo em que se dizia texto, concepção Rogério Nuno Costa, Teatro Taborda
- My fair lady, encenação Filipe La Féria, Teatro Politeama
- Caixa de Sombras, encenação Marco d'Almeida, Teatro S. Luiz;
- O Aumento, encenação Rui Quintas, Teatro do Barreiro
- as artes performativas que me caíram no goto este ano
- Castro, encenação Ricardo Pais, Teatro Nacional S. João;
- Titus Andronicus, encenação Luís Miguel Cintra, Teatro Nacional D. Maria II;
- Água, direcção Pina Baush, Centro Cultural de Belém;
- Jornada para a noite, encenação João Mota, Teatro A Comuna;
- As três irmãs, encenação Monica Calle, Casa Conveniente;
- Materiais diversos, concepção Tiago Guedes, teatro Nacional D. Maria II;
Menções honrosas
- Saudades do tempo em que se dizia texto, concepção Rogério Nuno Costa, Teatro Taborda
- My fair lady, encenação Filipe La Féria, Teatro Politeama
- Caixa de Sombras, encenação Marco d'Almeida, Teatro S. Luiz;
- O Aumento, encenação Rui Quintas, Teatro do Barreiro
quarta-feira, dezembro 17, 2003
No escurinho do cinema (antologia dos filmes do ano)
Lista não definitiva, pouco afirmativa e ainda menos hierárquica
- Kill Bill;
- Elephant;
- Inadaptado;
- As Horas;
- Longe do Paraíso;
- O Emprego do Tempo;
- A última hora;
- As irmãs de Maria Madalena;
- Respiro;
- Amarcord;
- Dogville;
- India Song;
- Mystic River;
- As Invasões Bárbaras.
Lista não definitiva, pouco afirmativa e ainda menos hierárquica
- Kill Bill;
- Elephant;
- Inadaptado;
- As Horas;
- Longe do Paraíso;
- O Emprego do Tempo;
- A última hora;
- As irmãs de Maria Madalena;
- Respiro;
- Amarcord;
- Dogville;
- India Song;
- Mystic River;
- As Invasões Bárbaras.
A Pluma Caprichosa
P´ró Natal de presente eu quero que seja...
- uma leitura, versão digest e sussurada (de preferência à lareira) do Proust;
- a diminuição das dioptrias;
- o fim dos cânticos de natal em tudo quanto é rua, elevador, loja, anúncio publicitário, linhas telefónicas e demais locais de lazer;
- o catálogo da Paula Rego editado pela Cavalo de Ferro;
- as famigeradas pantufas;
- aprender a orientar o blog;
- a demolição do Teatro Nacional D. Maria II;
- o cd da Deustche Gramophone - colecção Disco Choc -, com o Wilhem Kempff a tocar Bach;
- a recuperação dos textos do extinto Se7e;
- a saída do dvd do filme Rasganço de Raquel Freire;
- as melhoras do meu avô;
- a aplicação da Rede Natura 2000 nas Berlengas;
- a reedição, pela Assírio & Alvim, dos livros da Mary Renault sobre o Alexandre o Grande;
- o fim das iluminações de Natal no Terreiro do Paço;
- neve em Portugal;
- you.
P´ró Natal de presente eu quero que seja...
- uma leitura, versão digest e sussurada (de preferência à lareira) do Proust;
- a diminuição das dioptrias;
- o fim dos cânticos de natal em tudo quanto é rua, elevador, loja, anúncio publicitário, linhas telefónicas e demais locais de lazer;
- o catálogo da Paula Rego editado pela Cavalo de Ferro;
- as famigeradas pantufas;
- aprender a orientar o blog;
- a demolição do Teatro Nacional D. Maria II;
- o cd da Deustche Gramophone - colecção Disco Choc -, com o Wilhem Kempff a tocar Bach;
- a recuperação dos textos do extinto Se7e;
- a saída do dvd do filme Rasganço de Raquel Freire;
- as melhoras do meu avô;
- a aplicação da Rede Natura 2000 nas Berlengas;
- a reedição, pela Assírio & Alvim, dos livros da Mary Renault sobre o Alexandre o Grande;
- o fim das iluminações de Natal no Terreiro do Paço;
- neve em Portugal;
- you.
Relógios de Lisboa (II)
- o do Cais do Sodré, Largo Duque da Terceira
Deixou de funcionar há uns anos. Era por ele que os marinheiros acertavam as horas antes de irem para os bares nas ruas escondidas. À hora certa voltavam para o barco. Também as peixeiras, os vendedores de fruta do mercado, os ardinas e os outros olhavam para o relógio para se orientarem. Tem um certo ar nouveau riche e foi recuperado há tempos. Voltou a parar. Já não diz nada. Resiste à demolição.
- o do Cais do Sodré, Largo Duque da Terceira
Deixou de funcionar há uns anos. Era por ele que os marinheiros acertavam as horas antes de irem para os bares nas ruas escondidas. À hora certa voltavam para o barco. Também as peixeiras, os vendedores de fruta do mercado, os ardinas e os outros olhavam para o relógio para se orientarem. Tem um certo ar nouveau riche e foi recuperado há tempos. Voltou a parar. Já não diz nada. Resiste à demolição.
terça-feira, dezembro 16, 2003
MÉTODOS DE SOBREVIVÊNCIA
À porta de minha casa, vive um sem-abrigo.
Dizemos-lhe boa noite quando chegamos.
Todos os dias, metodicamente, ele varre as folhas mortas do chão da rua, o seu quarto. Varre todas, ainda não percebi bem com quê. É um perímetro largo. As folhas ficam do lado de fora.
Já o ouvi dizer que só porque uma pessoa vive na rua, não quer dizer que seja porca ou viva na porcaria. Diz que nunca teve problemas com ninguém, mas teve de sair do jardim, onde estão os outros sem-abrigo, porque se chateou com um. Do outro lado da praça, um deles grita com todas as pessoas e carros que passam.
Há roupa estendida nas grades das janelas do rés-do-chão.
Costuma ter uma garrafa de vinho ao lado, quando está deitado.
Um dia, num daqueles chuvosos, o meu ex-carro velho não pegava. Ele ajudou-me a empurrá-lo para um lugar em que ficasse bem estacionado. Também estava lá um polícia que ignorou as minhas tentativas de pôr o carro a andar. Não pedi nada ao sem-abrigo, ele simplesmente ofereceu-se.
Uma noite, daquelas bem chuvosas, demos-lhe um cobertor e uma camisola, só.
Todos os dias varre as folhas mortas. É a sua rotina.
Penso nas minhas rotinas, nos meus métodos de sobrevivência. Permitem-me equilibrar ou simplesmente me alienam?
De manhã, já não está lá. Volta à noite.
A minha praça tem um nome bonito. Chama-se alegria.
À porta de minha casa, vive um sem-abrigo.
Dizemos-lhe boa noite quando chegamos.
Todos os dias, metodicamente, ele varre as folhas mortas do chão da rua, o seu quarto. Varre todas, ainda não percebi bem com quê. É um perímetro largo. As folhas ficam do lado de fora.
Já o ouvi dizer que só porque uma pessoa vive na rua, não quer dizer que seja porca ou viva na porcaria. Diz que nunca teve problemas com ninguém, mas teve de sair do jardim, onde estão os outros sem-abrigo, porque se chateou com um. Do outro lado da praça, um deles grita com todas as pessoas e carros que passam.
Há roupa estendida nas grades das janelas do rés-do-chão.
Costuma ter uma garrafa de vinho ao lado, quando está deitado.
Um dia, num daqueles chuvosos, o meu ex-carro velho não pegava. Ele ajudou-me a empurrá-lo para um lugar em que ficasse bem estacionado. Também estava lá um polícia que ignorou as minhas tentativas de pôr o carro a andar. Não pedi nada ao sem-abrigo, ele simplesmente ofereceu-se.
Uma noite, daquelas bem chuvosas, demos-lhe um cobertor e uma camisola, só.
Todos os dias varre as folhas mortas. É a sua rotina.
Penso nas minhas rotinas, nos meus métodos de sobrevivência. Permitem-me equilibrar ou simplesmente me alienam?
De manhã, já não está lá. Volta à noite.
A minha praça tem um nome bonito. Chama-se alegria.
segunda-feira, dezembro 15, 2003
Trovas do vento que passa
Comprar ontem o jornal foi coisa um tanto inútil. As notícias sucediam-se a um ritmo que já não era o actual. A queda de Saddam nas mãos dos americanos era a notícia do dia. A história sucede assim à nossa frente. Ler o que se tinha passado anteriormente era, sobretudo, parar no tempo. Algumas questões se me colocam, contudo:
- De que espécie de respeito pelos direitos humanos se pode falar quando falamos de um ditador?
- Porque é que Bush só pediu a benção de Deus para a América, ignorou os outros países e fez disto uma vitória pessoal?
- Que problema há em que Ferro Rodrigues se congratule com a captura de Saddam? E, na mesma medida, porque é que Carlos Carvalhas tem que estar sempre do contra?
- Se Chirac, Schoerer, Blair e Aznar falaram antes de Bush, porque é que Durão Barroso falou depois?
Comprar ontem o jornal foi coisa um tanto inútil. As notícias sucediam-se a um ritmo que já não era o actual. A queda de Saddam nas mãos dos americanos era a notícia do dia. A história sucede assim à nossa frente. Ler o que se tinha passado anteriormente era, sobretudo, parar no tempo. Algumas questões se me colocam, contudo:
- De que espécie de respeito pelos direitos humanos se pode falar quando falamos de um ditador?
- Porque é que Bush só pediu a benção de Deus para a América, ignorou os outros países e fez disto uma vitória pessoal?
- Que problema há em que Ferro Rodrigues se congratule com a captura de Saddam? E, na mesma medida, porque é que Carlos Carvalhas tem que estar sempre do contra?
- Se Chirac, Schoerer, Blair e Aznar falaram antes de Bush, porque é que Durão Barroso falou depois?
sábado, dezembro 13, 2003
Assim falava Miguel
Tenho o Equador, edição 5ª, na mesa de cabeceira a amparar o candeeiro. Está ali desde que uma manhã saía do Lux e ao passar no Chiado encontrei o expositor da Bertrand aberto e os livros disponíveis. Trouxe-o, que 27€ não nos dão assim todos os dias.
Na entrevista hoje publicada no Mil Folhas, diz o autor a páginas tantas: "A todos esses críticos furiosos com o sucesso do "Equador" digo com franqueza: não faço ideia se prestei um bom serviço à literatura portuguesa, porque não me cabe a mim julgar. Mas há uma coisa que sei: prestei um serviço à leitura. Levar 300 mil pessoas a ler um livro destes foi obra. E dei muitas horas de prazer a muita gente. " E para melhor entendermos a que prazer se refere Miguel Sousa Tavares, o autor explica: "era a minha praia preferida, aquela que eu conhecia melhor. Quando o ponho [ao governador] a mergulhar ali, e ele descreve o que é mergulhar naquela praia... Eu fiz isso, eu sabia o que era aquele fundo do mar. " e algumas perguntas depois, no que ao sexo diz respeito: "O sexo apareceu-me tinha para aí 12 anos e desde então graças a Deus ainda não desapareceu. Portanto, acho que ele existe. Faz parte da vida como fazem os jantares. (...) O sexo é meu. Contemporâneo."
Só me consigo lembrar do que disseram do Richard Gere quando recebeu o Globo de Ouro para melhor actor no filme Chicago: todas as actrizes que com ele já trabalharam tiveram um orgasmo.
Tenho o Equador, edição 5ª, na mesa de cabeceira a amparar o candeeiro. Está ali desde que uma manhã saía do Lux e ao passar no Chiado encontrei o expositor da Bertrand aberto e os livros disponíveis. Trouxe-o, que 27€ não nos dão assim todos os dias.
Na entrevista hoje publicada no Mil Folhas, diz o autor a páginas tantas: "A todos esses críticos furiosos com o sucesso do "Equador" digo com franqueza: não faço ideia se prestei um bom serviço à literatura portuguesa, porque não me cabe a mim julgar. Mas há uma coisa que sei: prestei um serviço à leitura. Levar 300 mil pessoas a ler um livro destes foi obra. E dei muitas horas de prazer a muita gente. " E para melhor entendermos a que prazer se refere Miguel Sousa Tavares, o autor explica: "era a minha praia preferida, aquela que eu conhecia melhor. Quando o ponho [ao governador] a mergulhar ali, e ele descreve o que é mergulhar naquela praia... Eu fiz isso, eu sabia o que era aquele fundo do mar. " e algumas perguntas depois, no que ao sexo diz respeito: "O sexo apareceu-me tinha para aí 12 anos e desde então graças a Deus ainda não desapareceu. Portanto, acho que ele existe. Faz parte da vida como fazem os jantares. (...) O sexo é meu. Contemporâneo."
Só me consigo lembrar do que disseram do Richard Gere quando recebeu o Globo de Ouro para melhor actor no filme Chicago: todas as actrizes que com ele já trabalharam tiveram um orgasmo.
Um almoço nunca é de graça
Confesso que me divirto imenso com as críticas gastronómicas nos jornais. Fazem parte de uma realide exterior à vida quotidiana. É quase tão irreal acreditarmos que alguém tenha como função na vida analisar restaurantes, como conhecermos o rosto de quem escreve contos eróticos nas revistas.
Há uns anos atrás havia um programa de televisão que incluía um crítico mascarado que classificava os restaurantes. Lembro-me que ele ficou envolto numa polémica porque se apresentou como crítico onde não devia e saiu sem pagar a conta. Mas esse crítico não tinha o mesmo ar que se imagina ter o que escreve no suplemto FUGAS, do jornal PÚBLICO. A este imagino-o ao melhor estilo "Sex and the city" e isso diverte-me imenso. Sigo-o atentamente, sabendo que jamais poderei comportar-me como ele, mas, às vezes, cedendo ao diletantismo e comportando-me como tal.
Eis um excerto hoje publicado: Comecemos pelo que é imperdoável num restaurante com tantas pretensões - como se verá pelo enunciado de alguns pratos da ementa - e tais preços. Assim: um dos filetes fininhos do "bacalhau fumado com anchovas e azeitonas pretas, acompanhado de ovos de codorniz e pérolas de ovas de keta" (15,85 euros), trazia uma espinha; o pão do couvert (2,50 euros, mais azeitonas verdes temperadas e manteiga) do jantar de domingo dia 7 de Dezembro não era fresco e não houve o cuidado de o aquecer; o "risotto de açafrão com frutos do mar, servido com espargos" (29 euros) no jantar de sexta-feira 5 de Dezembro, não tinha açafrão que se visse, as gambas apresentaram-se com pedaços da tripinha terrosa, os mexilhões eram de viveiro e dos congelados, o escalope com coral da vieira tinha cor e sabor de produto congelado e o "risotto" apresentou-se espapaçado; nas "quenelles de requeijão com cebolinho e coulis de tomate seco ao sol, com verduras de Verão" (11,25 euros), o tomate era do fresco e só tinha cor, que o sabor não se notava.
O resto está aqui. E digam lá se não nos faz sentir muito melhor.
Confesso que me divirto imenso com as críticas gastronómicas nos jornais. Fazem parte de uma realide exterior à vida quotidiana. É quase tão irreal acreditarmos que alguém tenha como função na vida analisar restaurantes, como conhecermos o rosto de quem escreve contos eróticos nas revistas.
Há uns anos atrás havia um programa de televisão que incluía um crítico mascarado que classificava os restaurantes. Lembro-me que ele ficou envolto numa polémica porque se apresentou como crítico onde não devia e saiu sem pagar a conta. Mas esse crítico não tinha o mesmo ar que se imagina ter o que escreve no suplemto FUGAS, do jornal PÚBLICO. A este imagino-o ao melhor estilo "Sex and the city" e isso diverte-me imenso. Sigo-o atentamente, sabendo que jamais poderei comportar-me como ele, mas, às vezes, cedendo ao diletantismo e comportando-me como tal.
Eis um excerto hoje publicado: Comecemos pelo que é imperdoável num restaurante com tantas pretensões - como se verá pelo enunciado de alguns pratos da ementa - e tais preços. Assim: um dos filetes fininhos do "bacalhau fumado com anchovas e azeitonas pretas, acompanhado de ovos de codorniz e pérolas de ovas de keta" (15,85 euros), trazia uma espinha; o pão do couvert (2,50 euros, mais azeitonas verdes temperadas e manteiga) do jantar de domingo dia 7 de Dezembro não era fresco e não houve o cuidado de o aquecer; o "risotto de açafrão com frutos do mar, servido com espargos" (29 euros) no jantar de sexta-feira 5 de Dezembro, não tinha açafrão que se visse, as gambas apresentaram-se com pedaços da tripinha terrosa, os mexilhões eram de viveiro e dos congelados, o escalope com coral da vieira tinha cor e sabor de produto congelado e o "risotto" apresentou-se espapaçado; nas "quenelles de requeijão com cebolinho e coulis de tomate seco ao sol, com verduras de Verão" (11,25 euros), o tomate era do fresco e só tinha cor, que o sabor não se notava.
O resto está aqui. E digam lá se não nos faz sentir muito melhor.
quinta-feira, dezembro 11, 2003
Maria Rita, uma gardénia para ti, outra para quem a apanhar
O álbum da filha da Elis Regina... perdão... O álbum de Maria Rita, filha de Elis Regina... perdão... Elis Regina, mãe de Maria Rita, gostaria de ... Bolas, é imposível não nos sentirmos apaixonados pela voz melódica de Maria Rita, a filha da Elis Regina, que nos fez um álbum quente, sensual e brasileiro, quando o Brasil nos lembra somente coisas boas.
Sim, é filha da Elis Regina e parece-se com ela, no timbre, na presença, na imagem... mas é outra. É a Maria Rita, a pedir para ser olhada como uma cantora. O disco chama-se Maria Rita. Libertem-na dessa cruz e deixem-na ir. Especialmente se for para ir ter com vocês.
O álbum da filha da Elis Regina... perdão... O álbum de Maria Rita, filha de Elis Regina... perdão... Elis Regina, mãe de Maria Rita, gostaria de ... Bolas, é imposível não nos sentirmos apaixonados pela voz melódica de Maria Rita, a filha da Elis Regina, que nos fez um álbum quente, sensual e brasileiro, quando o Brasil nos lembra somente coisas boas.
Sim, é filha da Elis Regina e parece-se com ela, no timbre, na presença, na imagem... mas é outra. É a Maria Rita, a pedir para ser olhada como uma cantora. O disco chama-se Maria Rita. Libertem-na dessa cruz e deixem-na ir. Especialmente se for para ir ter com vocês.
A Barbara Cartland era uma espécie de travesti vestido de folhos cor de rosa.
Diz o 100nada, a linhas tantas, o que acima uso como título. Vem isto a propósito da Margarida Rebelo Pinto que eu, confesso, li com agrado. Confesso sem grande pudor ou despudor, porque para poder gostar de outras coisas tenho que ler muitas mais. Li os romances, confesso que para croniquetas não tenho paciência. Li-os numa viagem Lisboa-Mafra, um em cada viagem.
Os livros dela são como os filmes de domingo à tarde, que apanhamos a meio e nem nos importamos que sejam maus. Têm uma função: entreter. Não me parece que façam mais que isso. Antes o pragmatismo cor de rosa da Margarida Rebelo Pinto que a teologia do Paulo Coelho. É fraca ela, pois, pois é. E tantos e tantas que aí andam. Ela só se embrulha melhor, nada mais. E isso vende. Antes isso que a biografia do Jardel ou o livro do Fernando Rocha. Ao menos a Margarida Rebelo Pinto leu umas coisas, bate uns clichés, perturba-nos por lermos aquilo sem custo e irrita por se ter colado a uma imagem demasiado fútil. Vai vingar na história da literatura portuguesa? Não.
Antes dela havia a Odette Saint-Maurice, a Raquel Queiroz, a Patrícia Joyce... tantas, tantas e imensas que tiveram direito a uma geração de encanto, talvez duas. Hoje ninguém sabe quem são. Tiveram o valor que tiveram, cumpriram a sua função. Há quem escreva pior que a Margarida Rebelo Pinto. Há quem venda mais que a Margarida Rebelo Pinto. Se ela fosse homem falar-se-ia tanto? Não ouço ninguém queixar-se dos Delfins, dos Santos e Pecadores, do Tiago Rebelo de outros tantos que tais.
Para além de não saber fazer finais, a Margarida Rebelo Pinto não percebeu uma coisa: não são todos os que sobrevivem à exposição mediática e há alguns que se afogam nela. Se ela quiser aprender, que leia o Oscar Wilde.
Diz o 100nada, a linhas tantas, o que acima uso como título. Vem isto a propósito da Margarida Rebelo Pinto que eu, confesso, li com agrado. Confesso sem grande pudor ou despudor, porque para poder gostar de outras coisas tenho que ler muitas mais. Li os romances, confesso que para croniquetas não tenho paciência. Li-os numa viagem Lisboa-Mafra, um em cada viagem.
Os livros dela são como os filmes de domingo à tarde, que apanhamos a meio e nem nos importamos que sejam maus. Têm uma função: entreter. Não me parece que façam mais que isso. Antes o pragmatismo cor de rosa da Margarida Rebelo Pinto que a teologia do Paulo Coelho. É fraca ela, pois, pois é. E tantos e tantas que aí andam. Ela só se embrulha melhor, nada mais. E isso vende. Antes isso que a biografia do Jardel ou o livro do Fernando Rocha. Ao menos a Margarida Rebelo Pinto leu umas coisas, bate uns clichés, perturba-nos por lermos aquilo sem custo e irrita por se ter colado a uma imagem demasiado fútil. Vai vingar na história da literatura portuguesa? Não.
Antes dela havia a Odette Saint-Maurice, a Raquel Queiroz, a Patrícia Joyce... tantas, tantas e imensas que tiveram direito a uma geração de encanto, talvez duas. Hoje ninguém sabe quem são. Tiveram o valor que tiveram, cumpriram a sua função. Há quem escreva pior que a Margarida Rebelo Pinto. Há quem venda mais que a Margarida Rebelo Pinto. Se ela fosse homem falar-se-ia tanto? Não ouço ninguém queixar-se dos Delfins, dos Santos e Pecadores, do Tiago Rebelo de outros tantos que tais.
Para além de não saber fazer finais, a Margarida Rebelo Pinto não percebeu uma coisa: não são todos os que sobrevivem à exposição mediática e há alguns que se afogam nela. Se ela quiser aprender, que leia o Oscar Wilde.
O Orgasmo ou a tentação da entrega
Entre Buda e Cristo, o Bruno aproxima-se, um passo mais, do prazer como forma de expressão maior do ser humano. Desta feita, o orgasmo e a sua classificação ecuménica.
Fala-nos a Santa Teresa de Ávila, nos seus poemas dedicados, de uma entrega total e sem limites, seja ela saudável ou não; uma entrega a um Deus maior e mais presente, um Deus que a preenche de tal forma que a própria carne que o recebe é indigna de tal força. Teresa de Ávila quer ir mais além, mergulhar no infinito e entregar-se por completo. Não acredita, por isso, que o zénite seja o início da decadência da alma, fruto de um despojamento contrário à ideia original de entrega.
Se os Budistas tiverem razão - e por consequência o Sidharta for uma espécie de metáfora orgásmica - o orgasmo, ou a sua procura, é mais uma viagem ao interior do ser do que propriamente uma procura no outro. Ou seja, o orgasmo é a viagem última do egoísmo, sem que os resultados produzidos para outros sejam alguma vez transmitidos.
Entre uns e outros, o orgasmo - seja ele ascendente ou descendente - é, sobretudo, uma libertação. Pode ocorrer interna ou externamente ao corpo, mas é muito mais psicológico que físico.
Entre Buda e Cristo, o Bruno aproxima-se, um passo mais, do prazer como forma de expressão maior do ser humano. Desta feita, o orgasmo e a sua classificação ecuménica.
Fala-nos a Santa Teresa de Ávila, nos seus poemas dedicados, de uma entrega total e sem limites, seja ela saudável ou não; uma entrega a um Deus maior e mais presente, um Deus que a preenche de tal forma que a própria carne que o recebe é indigna de tal força. Teresa de Ávila quer ir mais além, mergulhar no infinito e entregar-se por completo. Não acredita, por isso, que o zénite seja o início da decadência da alma, fruto de um despojamento contrário à ideia original de entrega.
Se os Budistas tiverem razão - e por consequência o Sidharta for uma espécie de metáfora orgásmica - o orgasmo, ou a sua procura, é mais uma viagem ao interior do ser do que propriamente uma procura no outro. Ou seja, o orgasmo é a viagem última do egoísmo, sem que os resultados produzidos para outros sejam alguma vez transmitidos.
Entre uns e outros, o orgasmo - seja ele ascendente ou descendente - é, sobretudo, uma libertação. Pode ocorrer interna ou externamente ao corpo, mas é muito mais psicológico que físico.
Relógios de Lisboa (I)
- o do quartel do carmo
Vê-se da Praça do Rossio, sempre envolto em neblina. É enorme, branco, de pedra e não toca. É um relógio silencioso, pelo menos à distância. Parece saído de um filme do Murnau, especialmente quando a luz da lua cheia reflecte mais as horas que os minutos. É um relógio que contempla, em vez de contracenar com a cidade. É um relógio solítário. De uma solidão intimidante. Uma solidão que nos acompanha. Todas as horas, mas mais à noite.
- o do quartel do carmo
Vê-se da Praça do Rossio, sempre envolto em neblina. É enorme, branco, de pedra e não toca. É um relógio silencioso, pelo menos à distância. Parece saído de um filme do Murnau, especialmente quando a luz da lua cheia reflecte mais as horas que os minutos. É um relógio que contempla, em vez de contracenar com a cidade. É um relógio solítário. De uma solidão intimidante. Uma solidão que nos acompanha. Todas as horas, mas mais à noite.
quarta-feira, dezembro 10, 2003
O ano do nosso descontentamento
Permitam que me enoje ante o beija-pés ao Euro 2004. A mim causa-me náuseas tal evento, e nem é por ser um evento desportivo. É pelas circunstâncias. Se fosse o Mundial era mais fácil de aceitar. Se fossem os Jogos Olímpicos, era dos primeiros a assinar (mas oh! os novos estádios não contemplam pistas de tartan, campos secundários, piscinas, outras zonas desportivas). E depois, os estádios que dificilmente suportarão as despesas de custo, como o do Algarve, Leiria, Coimbra, Guimarães só assistirão a 2 jogos. Os outros, que pouco lhes custa, recebem cindo jogos cinco.
Mas, ao que parece, os que se queixam dos baixos salários, dificuldades maiores e desemprego não perderão tempo a esgotar os bilhetes. Ou compraram tudo a crédito?
Eu espero, sinceramente, que a coisa corra bem. E que a selecção nacional ganhe assim logo à partida. Odiaria fazer parte do coro dos "eu bem te avisei".
Permitam que me enoje ante o beija-pés ao Euro 2004. A mim causa-me náuseas tal evento, e nem é por ser um evento desportivo. É pelas circunstâncias. Se fosse o Mundial era mais fácil de aceitar. Se fossem os Jogos Olímpicos, era dos primeiros a assinar (mas oh! os novos estádios não contemplam pistas de tartan, campos secundários, piscinas, outras zonas desportivas). E depois, os estádios que dificilmente suportarão as despesas de custo, como o do Algarve, Leiria, Coimbra, Guimarães só assistirão a 2 jogos. Os outros, que pouco lhes custa, recebem cindo jogos cinco.
Mas, ao que parece, os que se queixam dos baixos salários, dificuldades maiores e desemprego não perderão tempo a esgotar os bilhetes. Ou compraram tudo a crédito?
Eu espero, sinceramente, que a coisa corra bem. E que a selecção nacional ganhe assim logo à partida. Odiaria fazer parte do coro dos "eu bem te avisei".
A lei dos amantes (12)
(...) "quanto maior for a distância de uma ausência, tanto mais se sente a necessidade de imaginariamente a afirmar como presença. Não é verdade que auanto mais longe, no espaço e no tempo, estamos dum ser desejado, tanto mais significativa se torna para nós a sua imagem, o seu retrato?" (...)
Noronha da Costa (1969)
(...) "quanto maior for a distância de uma ausência, tanto mais se sente a necessidade de imaginariamente a afirmar como presença. Não é verdade que auanto mais longe, no espaço e no tempo, estamos dum ser desejado, tanto mais significativa se torna para nós a sua imagem, o seu retrato?" (...)
Noronha da Costa (1969)
terça-feira, dezembro 09, 2003
Feriado em Lisboa
- paquistaneses tocam canções americanas de natal, em versão de acordeão, no metro;
- não há um café aberto onde se possa ler o jornal, sem estar infiltrado de turistas, invadidos de maus empregados e confusos entre uma maia de leite de máquina e uma de leite;
- os joarnais não se vendem nos quiosques;
- os entrevistadores de rua resitem à chuva;
- morreram 12 pessoas na estrada.
- paquistaneses tocam canções americanas de natal, em versão de acordeão, no metro;
- não há um café aberto onde se possa ler o jornal, sem estar infiltrado de turistas, invadidos de maus empregados e confusos entre uma maia de leite de máquina e uma de leite;
- os joarnais não se vendem nos quiosques;
- os entrevistadores de rua resitem à chuva;
- morreram 12 pessoas na estrada.
sexta-feira, dezembro 05, 2003
RESISTIR
Provavelmente, muitos de vós já terão recebido estas mensagens por email. Foi assim que tive contacto com elas. De qualquer modo, gostava de expô-las aqui como exemplos da resistência possível.
Chegou o tempo de exigirmos, chegou o tempo de não nos calarmos.
Estou um pouco farta e, por isso, quando vejo que muitos à sua maneira resistem, compreendo que é aqui, na contrariedade, na crise, que nós podemos ficar de pé e não deixar que as coisas se mantenham no mesmo estado. Estes resistentes têm uma visão global do que é a cidadania e agem em consonância com essa visão.
Estas acções dão-me esperança, comovem-me e fazem-me querer não desistir nunca.
Seguem os exemplos.
COMÉRCIO SOLIDÁRIO
Exerça um consumo ético.
Como consumidor tem a última palavra.
A sua compra pode ser um acto solidário!
Informe-se sobre a origem, os meios de produção e de distribuição dos produtos que consome
Averigue as condições laborais em que foram produzidos
Inteire-se sobre os impactos dos métodos de produção no meio ambiente
Indague sobre o comportamento e conduta das empresas produtoras e distribuidoras
Manifeste no acto da compra a sua opinião sobre o que aprova ou condena
Conheça e participe no Comércio Justo que garante relações directas, respeitosas e transparentes entre o Norte e Sul do planeta.
Aproveite e efectue já as suas compras de natal. Estaremos abertos no próximo feriado, 8 de Dezembro, entre as 13h00 e as 19h00. Nos restantes dias continuamos com o horário habitual, ou seja de 2ª a 6ª das 12h00 às 21h00 e aos sábados das 10h00 às 21h00.
Presenteie os seus amigos e familiares com Cheques-Oferta do Comércio Justo e Solidário.
Saudações solidárias
A Equipe da Mó
Mó DE VIDA Coop.
Calçadinha da Horta, 19
2800-564 Pragal, Almada
Telef. 212720641
modevida@sapo.pt
http://planeta.clix.pt/modevida
EM NOME DO PORTUGUÊS
Em cada 100 euros que o patrão paga pela minha forçaa de trabalho, o Estado, e muito bem, tira-me 20 euros para o IRS e 11 euros para a Segurança Social. O meu patrão, por cada 100 euros que paga pela minha força de trabalho, é obrigado a dar ao Estado, e muito bem, mais 23,75 euros para a Segurança Social. E por cada 100 euros de riqueza que eu produzo, o Estado, e muito bem, retira ao meu patrão outros 33 euros.
Cada vez que eu, no supermercado, gasto os 100 euros que o meu patrão me pagou, o Estado, e muito bem, fica com 19 euros para si.
Em resumo:
- Quando ganho 100 euros, o Estado fica quase com 55.
- Quando gasto 100 euros, o Estado, no mínimo, cobra 19.
- Quando lucro 100 euros, o Estado enriquece 33.
- Quando compro um carro, uma casa, herdo um quadro, registo os meus negócios ou peço uma certidão, o Estado, e muito bem, fica com quase metade das verbas envolvidas no caso.
- Eu pago e acho muito bem, portanto, exijo: um sistema de ensino que garanta cultura, civismo e futuro emprego para o meu filho. Serviços de saúde exemplares. Um hospital bem equipado a menos de 20 km de minha casa. Estradas largas, sem buracos e bem sinalizadas em todo o País. Auto-estradas sem portagens. Pontes que não caiam. Tribunais com capacidade para decidir processos em menos de um ano. Uma máquina fiscal que cobre igualitariamente os impostos.
- Eu pago, e por isso quero ter, quando lá chegar, a reforma garantida. E jardins públicos e espaços verdes bem tratados e seguros. Polícia eficiente e equipada.
- Os monumentos do meu País bem conservados e abertos ao público. Uma orquestra sinfónica. Filmes criados em Portugal. E, no mínimo, que não haja um único caso de fome e de miséria nesta terra.
- Na pior das hipóteses, cada 300 euros em circulação em Portugal garantem ao Estado 100 euros de receita. Portanto Doutor Durão Barroso, governe-se com o dinheirinho que lhe dou porque eu quero e tenho direito a tudo!
O Português
Provavelmente, muitos de vós já terão recebido estas mensagens por email. Foi assim que tive contacto com elas. De qualquer modo, gostava de expô-las aqui como exemplos da resistência possível.
Chegou o tempo de exigirmos, chegou o tempo de não nos calarmos.
Estou um pouco farta e, por isso, quando vejo que muitos à sua maneira resistem, compreendo que é aqui, na contrariedade, na crise, que nós podemos ficar de pé e não deixar que as coisas se mantenham no mesmo estado. Estes resistentes têm uma visão global do que é a cidadania e agem em consonância com essa visão.
Estas acções dão-me esperança, comovem-me e fazem-me querer não desistir nunca.
Seguem os exemplos.
COMÉRCIO SOLIDÁRIO
Exerça um consumo ético.
Como consumidor tem a última palavra.
A sua compra pode ser um acto solidário!
Informe-se sobre a origem, os meios de produção e de distribuição dos produtos que consome
Averigue as condições laborais em que foram produzidos
Inteire-se sobre os impactos dos métodos de produção no meio ambiente
Indague sobre o comportamento e conduta das empresas produtoras e distribuidoras
Manifeste no acto da compra a sua opinião sobre o que aprova ou condena
Conheça e participe no Comércio Justo que garante relações directas, respeitosas e transparentes entre o Norte e Sul do planeta.
Aproveite e efectue já as suas compras de natal. Estaremos abertos no próximo feriado, 8 de Dezembro, entre as 13h00 e as 19h00. Nos restantes dias continuamos com o horário habitual, ou seja de 2ª a 6ª das 12h00 às 21h00 e aos sábados das 10h00 às 21h00.
Presenteie os seus amigos e familiares com Cheques-Oferta do Comércio Justo e Solidário.
Saudações solidárias
A Equipe da Mó
Mó DE VIDA Coop.
Calçadinha da Horta, 19
2800-564 Pragal, Almada
Telef. 212720641
modevida@sapo.pt
http://planeta.clix.pt/modevida
EM NOME DO PORTUGUÊS
Em cada 100 euros que o patrão paga pela minha forçaa de trabalho, o Estado, e muito bem, tira-me 20 euros para o IRS e 11 euros para a Segurança Social. O meu patrão, por cada 100 euros que paga pela minha força de trabalho, é obrigado a dar ao Estado, e muito bem, mais 23,75 euros para a Segurança Social. E por cada 100 euros de riqueza que eu produzo, o Estado, e muito bem, retira ao meu patrão outros 33 euros.
Cada vez que eu, no supermercado, gasto os 100 euros que o meu patrão me pagou, o Estado, e muito bem, fica com 19 euros para si.
Em resumo:
- Quando ganho 100 euros, o Estado fica quase com 55.
- Quando gasto 100 euros, o Estado, no mínimo, cobra 19.
- Quando lucro 100 euros, o Estado enriquece 33.
- Quando compro um carro, uma casa, herdo um quadro, registo os meus negócios ou peço uma certidão, o Estado, e muito bem, fica com quase metade das verbas envolvidas no caso.
- Eu pago e acho muito bem, portanto, exijo: um sistema de ensino que garanta cultura, civismo e futuro emprego para o meu filho. Serviços de saúde exemplares. Um hospital bem equipado a menos de 20 km de minha casa. Estradas largas, sem buracos e bem sinalizadas em todo o País. Auto-estradas sem portagens. Pontes que não caiam. Tribunais com capacidade para decidir processos em menos de um ano. Uma máquina fiscal que cobre igualitariamente os impostos.
- Eu pago, e por isso quero ter, quando lá chegar, a reforma garantida. E jardins públicos e espaços verdes bem tratados e seguros. Polícia eficiente e equipada.
- Os monumentos do meu País bem conservados e abertos ao público. Uma orquestra sinfónica. Filmes criados em Portugal. E, no mínimo, que não haja um único caso de fome e de miséria nesta terra.
- Na pior das hipóteses, cada 300 euros em circulação em Portugal garantem ao Estado 100 euros de receita. Portanto Doutor Durão Barroso, governe-se com o dinheirinho que lhe dou porque eu quero e tenho direito a tudo!
O Português
E POR QUE NÃO O PINO?
Todos os dias. Viver todos os dias tem implicações. Já o outro senhor, o Paixão, o disse: cansa. Cansa como o caraças! No entanto, começo a achar que o nosso tédio, o nosso cansaço não é mais que uma defesa à própria vida. Àquilo que a vida é.
Entre parêntesis, espero que me permitam um devaneio. Neste momento, estou tão capaz de um raciocínio sério e elaborado como ser qualificada para a Operação Triunfo. Por isso, se mais tarde negar tudo o que vou escrever, não se surpreendam. Fecho os parêntesis desta proposição que se auto-anula.
Mas, a sério, há alguma coisa na vida de entediante, sem ser aquilo que interpomos entre a própria da vida e nós? O que é entediante de facto? Um emprego que nos permite sobreviver? Velhos amigos que não dizem nada de novo, mas que não ameaçam o nosso espaço, as nossas manias e idiossincracias? Uma casamento ou uma relação que nos impedem de procurar novas emoções, outros olhares, mas que nos assegura a constância?
O tédio, enfim, é uma consequência da desconfiança e do medo. Só estamos entediados porque temos medo, porque não arriscamos em confiar em algo ou alguém que não conhecemos.
A vida é imprevisível e isso é tão assustador.
Ando a tentar recolher porções de humanidade naquilo que vou sentindo e vivendo. E, entre nós, avanço: eu não estou entediada. A vida, a minha própria existência emocional e psicológica (odeio esta palavra), mantém-me suficientemente ocupada e os outros parecem-me muito mais atraentes, mesmo os que já conheço há muito tempo.
Proponho que, diariamente, ocupemos uma posição diferente. Uma posição de olhar, uma perspectiva portanto muito diferente. Se estamos habituados a olhar de uma determinada forma, tentemos olhar de outra. Para cada uma das coisas que se cruzam connosco. Para cada uma das pessoas que estão sempre no nosso caminho.
O Tiago descalça-as, eu proponho que as dispamos e as vistamos com outras roupas. E, no entretanto, façamos o mesmo connosco.
Todos os dias. Viver todos os dias tem implicações. Já o outro senhor, o Paixão, o disse: cansa. Cansa como o caraças! No entanto, começo a achar que o nosso tédio, o nosso cansaço não é mais que uma defesa à própria vida. Àquilo que a vida é.
Entre parêntesis, espero que me permitam um devaneio. Neste momento, estou tão capaz de um raciocínio sério e elaborado como ser qualificada para a Operação Triunfo. Por isso, se mais tarde negar tudo o que vou escrever, não se surpreendam. Fecho os parêntesis desta proposição que se auto-anula.
Mas, a sério, há alguma coisa na vida de entediante, sem ser aquilo que interpomos entre a própria da vida e nós? O que é entediante de facto? Um emprego que nos permite sobreviver? Velhos amigos que não dizem nada de novo, mas que não ameaçam o nosso espaço, as nossas manias e idiossincracias? Uma casamento ou uma relação que nos impedem de procurar novas emoções, outros olhares, mas que nos assegura a constância?
O tédio, enfim, é uma consequência da desconfiança e do medo. Só estamos entediados porque temos medo, porque não arriscamos em confiar em algo ou alguém que não conhecemos.
A vida é imprevisível e isso é tão assustador.
Ando a tentar recolher porções de humanidade naquilo que vou sentindo e vivendo. E, entre nós, avanço: eu não estou entediada. A vida, a minha própria existência emocional e psicológica (odeio esta palavra), mantém-me suficientemente ocupada e os outros parecem-me muito mais atraentes, mesmo os que já conheço há muito tempo.
Proponho que, diariamente, ocupemos uma posição diferente. Uma posição de olhar, uma perspectiva portanto muito diferente. Se estamos habituados a olhar de uma determinada forma, tentemos olhar de outra. Para cada uma das coisas que se cruzam connosco. Para cada uma das pessoas que estão sempre no nosso caminho.
O Tiago descalça-as, eu proponho que as dispamos e as vistamos com outras roupas. E, no entretanto, façamos o mesmo connosco.
Camarate, versão fílmica
Mais certo que o destino só mesmo a efeméride. Assim como o Natal, o verão, a independência de Angola ou Sto. António, todos os anos as mesmas reportagens, variando o tema e o ponto de vista. Sobre Camarate -esse mito sebastianico-melancólico tão à portuguesa, o PÙBLICO inova (ironia subjacente). Em vez das habituais acareações, convidou deputados a criticarem o filme. Aqui as leituras, amanhã ou durante o fim de semana as minhas opiniões. O Gonçalo Capitão (porta-voz para a cultura do PSD é um achado)
Mais certo que o destino só mesmo a efeméride. Assim como o Natal, o verão, a independência de Angola ou Sto. António, todos os anos as mesmas reportagens, variando o tema e o ponto de vista. Sobre Camarate -esse mito sebastianico-melancólico tão à portuguesa, o PÙBLICO inova (ironia subjacente). Em vez das habituais acareações, convidou deputados a criticarem o filme. Aqui as leituras, amanhã ou durante o fim de semana as minhas opiniões. O Gonçalo Capitão (porta-voz para a cultura do PSD é um achado)
quinta-feira, dezembro 04, 2003
Toujours la même chanson
O IPAE, devenu IA (Instituto das Artes) anunciou a abertura do concurso de apoio plurianual ao teatro e dança. Ora, para os mais distraídos e para os outros que acham que para se fazer teatro basta uma qualquer "frekalhada", fique-se a saber que os apoios atribuídos para o ano de 2003 não foram ainda entregues, já lá vão mais de 8 meses após a decisão.
Ora, no mesmo dia em que são anunciadas as novas acessoras do novel director Paulo Cunha e Silva - eterno elogiado programador da Porto 2001, para a área do pensamento, edição e ligações com Roterdão - são uma lufada de ar fresco na sensaboria administrativo-politico-cultural do costume. Por um lado, Maria de Assis - ex-Gulbenkian - para as áreas performativas, por outro Margarida Veiga - ex-directora do Centro de Exposições do CCB. Mas, os problemas não estão aqui.
Acontece que o novo regulamento condiciona as companhias apoiadas a concorrerem, pois pretende somente prestar apoio às companhias que há mais de 5 anos estão convencionadas. Ora como estes apoios plurianuais são coisa de 2000, é fazer as contas às companhias que verão o seu trabalho interrompido. Num país onde os criadores se substituem ao Estado nas funções de formadores de público e a lei do mecenato pouco ou nada sai do papel, chega a ser indecente que novo concurso se crie em moldes como este.
É ideia generalizada que, com este concurso, passa a ser obrigação das companhias maiores (leia-se Cornucópia, Novo Grupo, Comuna, Seiva Trupe, TEC, Barraca, Companhia de Teatro de Almada) estabelecerem co-produções com os grupos mais pequenos. Pegue-se numa lista dos espectáculos feitos nestas condições e veja-se em que caminho se progrediu. Ah, pois, não há lista. O Observatório para as Actividades Culturais não funciona.
O teatro tem vivido, sobretudo, das experiências de pequenas estruturas que revitalizaram uma ideia de teatro contemporâneo. 90% do teatro que se faz em Portugal tem por base projectos independentes, muitos deles feitos em condições profissionais pouco dignas. A imaginação cria coisas impressionantes que são responsáveis pela construcção de um imaginário colectivo. Não se fala de teatro nos anos 90 sem se passar pelo OLHO, Mónica Calle, Lúcia Sigalho, Luís Castro, Paulo Castro ou, mais na viragem do século, Útero, Cão Solteiro, o teatro de Montemuro, As Boas Raparigas..., Teatro Plástico, ou outros mais recentes como o Teatro Praga e independentes como Susana Vidal, Ricardo Aibéo, Joaquim Horta, etc.
O que o IA vai conseguir, com tudo isto, é um afastamento maior do público ao teatro, relegando-o para um mainstream que em pouco ou nada altera o seu quotidiano. Cada vez mais, e assim se prova, que o teatro português se afastará da cena europeia, não por falta de génio criativo, mas antes por falta de consideração do poder. Porque não podemos ser ingénuos ao ponto de achar que a cultura não é fundamental para a formação de um povo.
Os efeitos sentem-se de outra forma, se quiserem: o teatro infantil não existirá, a apresentação fora da capital é uma ilusão e a formação uma mentira.
As cenas dos próximos capítulos prometem violência. Andamos todos sentados num barril de pólvora. Aguardemos, mas não serenamente.
O IPAE, devenu IA (Instituto das Artes) anunciou a abertura do concurso de apoio plurianual ao teatro e dança. Ora, para os mais distraídos e para os outros que acham que para se fazer teatro basta uma qualquer "frekalhada", fique-se a saber que os apoios atribuídos para o ano de 2003 não foram ainda entregues, já lá vão mais de 8 meses após a decisão.
Ora, no mesmo dia em que são anunciadas as novas acessoras do novel director Paulo Cunha e Silva - eterno elogiado programador da Porto 2001, para a área do pensamento, edição e ligações com Roterdão - são uma lufada de ar fresco na sensaboria administrativo-politico-cultural do costume. Por um lado, Maria de Assis - ex-Gulbenkian - para as áreas performativas, por outro Margarida Veiga - ex-directora do Centro de Exposições do CCB. Mas, os problemas não estão aqui.
Acontece que o novo regulamento condiciona as companhias apoiadas a concorrerem, pois pretende somente prestar apoio às companhias que há mais de 5 anos estão convencionadas. Ora como estes apoios plurianuais são coisa de 2000, é fazer as contas às companhias que verão o seu trabalho interrompido. Num país onde os criadores se substituem ao Estado nas funções de formadores de público e a lei do mecenato pouco ou nada sai do papel, chega a ser indecente que novo concurso se crie em moldes como este.
É ideia generalizada que, com este concurso, passa a ser obrigação das companhias maiores (leia-se Cornucópia, Novo Grupo, Comuna, Seiva Trupe, TEC, Barraca, Companhia de Teatro de Almada) estabelecerem co-produções com os grupos mais pequenos. Pegue-se numa lista dos espectáculos feitos nestas condições e veja-se em que caminho se progrediu. Ah, pois, não há lista. O Observatório para as Actividades Culturais não funciona.
O teatro tem vivido, sobretudo, das experiências de pequenas estruturas que revitalizaram uma ideia de teatro contemporâneo. 90% do teatro que se faz em Portugal tem por base projectos independentes, muitos deles feitos em condições profissionais pouco dignas. A imaginação cria coisas impressionantes que são responsáveis pela construcção de um imaginário colectivo. Não se fala de teatro nos anos 90 sem se passar pelo OLHO, Mónica Calle, Lúcia Sigalho, Luís Castro, Paulo Castro ou, mais na viragem do século, Útero, Cão Solteiro, o teatro de Montemuro, As Boas Raparigas..., Teatro Plástico, ou outros mais recentes como o Teatro Praga e independentes como Susana Vidal, Ricardo Aibéo, Joaquim Horta, etc.
O que o IA vai conseguir, com tudo isto, é um afastamento maior do público ao teatro, relegando-o para um mainstream que em pouco ou nada altera o seu quotidiano. Cada vez mais, e assim se prova, que o teatro português se afastará da cena europeia, não por falta de génio criativo, mas antes por falta de consideração do poder. Porque não podemos ser ingénuos ao ponto de achar que a cultura não é fundamental para a formação de um povo.
Os efeitos sentem-se de outra forma, se quiserem: o teatro infantil não existirá, a apresentação fora da capital é uma ilusão e a formação uma mentira.
As cenas dos próximos capítulos prometem violência. Andamos todos sentados num barril de pólvora. Aguardemos, mas não serenamente.
quarta-feira, dezembro 03, 2003
An affair to remember
O Bruno afirma: "Mais ou menos a partir dos 23 anos, surge um fenómeno preocupante nos relacionamentos amorosos." O que o Bruno não diz é que os relógios biológicos masculinos e femininos estão desencontrados.
Se, em termos sexuais, o homem atinge o seu auge entre os 18 e os 21, já as mulheres atingem-no mais tarde, por volta dos 23. O que nos leva a achar que, efectivamente, aos homens estão vedadas as verdadeiras condições de sustentabilidade de uma relação. Poruqe desencontrados, homens e mulheres revezam-se na ideia de relação, elas ambiciosas e crentes e eles vitoriosos e vencedores.
Se a coisa for mesmo assim, somente relações encontradas nos relógios biológicos certos dariam resultado. Mas como afirma Henri Bergson (a despeito de Freud), a memória e a relação exterior/interior é função primordial para um melhor desenvolvimento humano. Ou seja, somos melhores pessoas, quanto maior for a concordância entre os elementos internos e os elementos externos que nos compõem. Assim sendo, homem e mulher, porque desencontrados, achar-se-iam completos quando equilibrados. Malgré os problemas daí surgidos.
O Bruno afirma: "Mais ou menos a partir dos 23 anos, surge um fenómeno preocupante nos relacionamentos amorosos." O que o Bruno não diz é que os relógios biológicos masculinos e femininos estão desencontrados.
Se, em termos sexuais, o homem atinge o seu auge entre os 18 e os 21, já as mulheres atingem-no mais tarde, por volta dos 23. O que nos leva a achar que, efectivamente, aos homens estão vedadas as verdadeiras condições de sustentabilidade de uma relação. Poruqe desencontrados, homens e mulheres revezam-se na ideia de relação, elas ambiciosas e crentes e eles vitoriosos e vencedores.
Se a coisa for mesmo assim, somente relações encontradas nos relógios biológicos certos dariam resultado. Mas como afirma Henri Bergson (a despeito de Freud), a memória e a relação exterior/interior é função primordial para um melhor desenvolvimento humano. Ou seja, somos melhores pessoas, quanto maior for a concordância entre os elementos internos e os elementos externos que nos compõem. Assim sendo, homem e mulher, porque desencontrados, achar-se-iam completos quando equilibrados. Malgré os problemas daí surgidos.
Intimidade
Em tempos idos, o Eduardo Prado Coelho escreveu uma bela crónica sobre a importância do nome. Dizia ele, a linhas tantas, que quando o tratavam por sr. Coelho ele não se reconhecia, de tal forma estava intrínseca a ideia de dois nomes.
Lembrei-me desta croniqueta, quando hoje ao sair do metro ouço uma conversa entre dois homens, em relação a um anúncio a soutiens:
Homem 1: Aquela é a Naomi?
Homem 2: Parece mais magra.
Homem 1: Não deve ser. É mais bonita.
Homem 2: Mas esta também é muito bonita. Parece mesmo a Naomi.
Distraído, voltei a pisar uma senhora, descalçando-a.
Em tempos idos, o Eduardo Prado Coelho escreveu uma bela crónica sobre a importância do nome. Dizia ele, a linhas tantas, que quando o tratavam por sr. Coelho ele não se reconhecia, de tal forma estava intrínseca a ideia de dois nomes.
Lembrei-me desta croniqueta, quando hoje ao sair do metro ouço uma conversa entre dois homens, em relação a um anúncio a soutiens:
Homem 1: Aquela é a Naomi?
Homem 2: Parece mais magra.
Homem 1: Não deve ser. É mais bonita.
Homem 2: Mas esta também é muito bonita. Parece mesmo a Naomi.
Distraído, voltei a pisar uma senhora, descalçando-a.
terça-feira, dezembro 02, 2003
segunda-feira, dezembro 01, 2003
Medo
Ana Gomes tem um blog. Tem ela com outros, diga-se. Muitos outros. Tantos que nos esquecemos quem diz o que. Fui, temeroso, ver o que tinha Ana Gomes a dizer. A dada altura diz isto: Um blog tem o interesse de permitir extravasar o que precisa de ser extravasado ou difundido – é um espaço de comunicação livre e aberto, que controlamos. Fiquei com medo.
Ana Gomes tem um blog. Tem ela com outros, diga-se. Muitos outros. Tantos que nos esquecemos quem diz o que. Fui, temeroso, ver o que tinha Ana Gomes a dizer. A dada altura diz isto: Um blog tem o interesse de permitir extravasar o que precisa de ser extravasado ou difundido – é um espaço de comunicação livre e aberto, que controlamos. Fiquei com medo.
O estado das coisas
levantamento não exaustivo das últimas notícias de cultura
- PT acaba com concertos Em Órbita para patrocinar o TNDMII que não tem um director artístico nem programação;
- Zero em Comportamento acaba por autismo das instituições;
- Instituto das Artes lança novo concurso de apoio pontual ao teatro sem atribuir as verbas do concurso do ano passado;
- Continua sem se saber que resultado deram as investigações sobre o roubo das jóias em Haia;
- Coimbra 2003 não pagou aos seus participantes;
- Casa da Música só abre em 2005 e é criticada mas ninguém se preocupa que os estádios do Euro 2004 só sirvam 1 jogo;
- ...
levantamento não exaustivo das últimas notícias de cultura
- PT acaba com concertos Em Órbita para patrocinar o TNDMII que não tem um director artístico nem programação;
- Zero em Comportamento acaba por autismo das instituições;
- Instituto das Artes lança novo concurso de apoio pontual ao teatro sem atribuir as verbas do concurso do ano passado;
- Continua sem se saber que resultado deram as investigações sobre o roubo das jóias em Haia;
- Coimbra 2003 não pagou aos seus participantes;
- Casa da Música só abre em 2005 e é criticada mas ninguém se preocupa que os estádios do Euro 2004 só sirvam 1 jogo;
- ...
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