MÉTODOS DE SOBREVIVÊNCIA
À porta de minha casa, vive um sem-abrigo.
Dizemos-lhe boa noite quando chegamos.
Todos os dias, metodicamente, ele varre as folhas mortas do chão da rua, o seu quarto. Varre todas, ainda não percebi bem com quê. É um perímetro largo. As folhas ficam do lado de fora.
Já o ouvi dizer que só porque uma pessoa vive na rua, não quer dizer que seja porca ou viva na porcaria. Diz que nunca teve problemas com ninguém, mas teve de sair do jardim, onde estão os outros sem-abrigo, porque se chateou com um. Do outro lado da praça, um deles grita com todas as pessoas e carros que passam.
Há roupa estendida nas grades das janelas do rés-do-chão.
Costuma ter uma garrafa de vinho ao lado, quando está deitado.
Um dia, num daqueles chuvosos, o meu ex-carro velho não pegava. Ele ajudou-me a empurrá-lo para um lugar em que ficasse bem estacionado. Também estava lá um polícia que ignorou as minhas tentativas de pôr o carro a andar. Não pedi nada ao sem-abrigo, ele simplesmente ofereceu-se.
Uma noite, daquelas bem chuvosas, demos-lhe um cobertor e uma camisola, só.
Todos os dias varre as folhas mortas. É a sua rotina.
Penso nas minhas rotinas, nos meus métodos de sobrevivência. Permitem-me equilibrar ou simplesmente me alienam?
De manhã, já não está lá. Volta à noite.
A minha praça tem um nome bonito. Chama-se alegria.
terça-feira, dezembro 16, 2003
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