O Ano sem Natal
À medida que o tempo vai passando, vou-me afastando cada vez mais do Natal e do seu espírito. Não é por me ter juntado à casta dos desiludidos, frustrados, resignados, descrentes, arrependidos, deprimidos ou tendencialmente suicidas. Simplesmente começo a deixar de sentir o Natal.
Comecei a notar isso quando passei a desejar um Feliz Natal cada vez mais tarde e a sorrir amarelecidamente quando mo desejavam. Como se não sentisse nada e antes sorrisse cumplicemente, esperando ansiosamente que a época passasse e o país voltasse ao seu estado normal - vegetativo mas sem embrulho.
O natal não é só das crianças (elas sabem-no pouco) e também não é só dos que sofrem (esses preferem o que metaforicamente podíamos chamar de "verão"). O Natal, a existir, devia ser de todos os que estão bem com e na vida. Para que perpetuassem essa sensação ao longo do ano.
Com o fim dos rendimentos garantidos, deixei de querer dar prendas às pessoas. procuro sempre surpreender-me e normalmente levo sempre com um sorriso de desconfiança e simpatia circunstancial. E com o evoluir dos anos, comecei a dar significado às meias e pijamas e pares de cuecas que se acumulam ao longo da noite. É que é dessas coisas básicas que o homem precisa. Uma meia rota causa muito mais impressão que um casaco vistoso.
Como vivemos dentro de um anúncio publicitário, e, em diversos tons, sons e notas cantarolamos as músicas de natal, cada vez mais me apetece baixar o volume, abanar as pesoas na rua e perguntar-lhes se de facto estão a ter prazer em viver o Natal. E se sim, em que é que isso é diferente de se ter prazer em viver qualquer outra data?
Mas não vou reivindicar qualquer ano sem natal. Não posso. Nunca iria além da imagem de um amargurado. Vou sentar-me à mesa, comer bacalhau (e tem o bacalhau o mesmo sabor o resto do ano?) e esperar que passe tudo muito depressa. No dia a seguir é feriado, o país está ainda mais parado e este tipo de coisas não são de bom tom afirmar.
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