quinta-feira, dezembro 04, 2003

Toujours la même chanson

O IPAE, devenu IA (Instituto das Artes) anunciou a abertura do concurso de apoio plurianual ao teatro e dança. Ora, para os mais distraídos e para os outros que acham que para se fazer teatro basta uma qualquer "frekalhada", fique-se a saber que os apoios atribuídos para o ano de 2003 não foram ainda entregues, já lá vão mais de 8 meses após a decisão.

Ora, no mesmo dia em que são anunciadas as novas acessoras do novel director Paulo Cunha e Silva - eterno elogiado programador da Porto 2001, para a área do pensamento, edição e ligações com Roterdão - são uma lufada de ar fresco na sensaboria administrativo-politico-cultural do costume. Por um lado, Maria de Assis - ex-Gulbenkian - para as áreas performativas, por outro Margarida Veiga - ex-directora do Centro de Exposições do CCB. Mas, os problemas não estão aqui.

Acontece que o novo regulamento condiciona as companhias apoiadas a concorrerem, pois pretende somente prestar apoio às companhias que há mais de 5 anos estão convencionadas. Ora como estes apoios plurianuais são coisa de 2000, é fazer as contas às companhias que verão o seu trabalho interrompido. Num país onde os criadores se substituem ao Estado nas funções de formadores de público e a lei do mecenato pouco ou nada sai do papel, chega a ser indecente que novo concurso se crie em moldes como este.

É ideia generalizada que, com este concurso, passa a ser obrigação das companhias maiores (leia-se Cornucópia, Novo Grupo, Comuna, Seiva Trupe, TEC, Barraca, Companhia de Teatro de Almada) estabelecerem co-produções com os grupos mais pequenos. Pegue-se numa lista dos espectáculos feitos nestas condições e veja-se em que caminho se progrediu. Ah, pois, não há lista. O Observatório para as Actividades Culturais não funciona.

O teatro tem vivido, sobretudo, das experiências de pequenas estruturas que revitalizaram uma ideia de teatro contemporâneo. 90% do teatro que se faz em Portugal tem por base projectos independentes, muitos deles feitos em condições profissionais pouco dignas. A imaginação cria coisas impressionantes que são responsáveis pela construcção de um imaginário colectivo. Não se fala de teatro nos anos 90 sem se passar pelo OLHO, Mónica Calle, Lúcia Sigalho, Luí­s Castro, Paulo Castro ou, mais na viragem do século, Útero, Cão Solteiro, o teatro de Montemuro, As Boas Raparigas..., Teatro Plástico, ou outros mais recentes como o Teatro Praga e independentes como Susana Vidal, Ricardo Aibéo, Joaquim Horta, etc.

O que o IA vai conseguir, com tudo isto, é um afastamento maior do público ao teatro, relegando-o para um mainstream que em pouco ou nada altera o seu quotidiano. Cada vez mais, e assim se prova, que o teatro português se afastará da cena europeia, não por falta de génio criativo, mas antes por falta de consideração do poder. Porque não podemos ser ingénuos ao ponto de achar que a cultura não é fundamental para a formação de um povo.

Os efeitos sentem-se de outra forma, se quiserem: o teatro infantil não existirá, a apresentação fora da capital é uma ilusão e a formação uma mentira.

As cenas dos próximos capí­tulos prometem violência. Andamos todos sentados num barril de pólvora. Aguardemos, mas não serenamente.

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