quinta-feira, março 31, 2005

Justiça

Image hosted by Photobucket.com
M. e E. Cohen

fotografia roubada ao Nuno



Quando dizem que Ele está no meio de nós, referem-se a quem? A Deus ou ao Diabo? Ou a eles mesmos? (act.)

Image hosted by Photobucket.com
EPA

Alí Agca: tive ajuda no Vaticano para atentar contra Papa

Papa alimentado por tubo nasal. Vaticano garante, no entanto, que o Sumo Pontífice continua a recuperar

Papa já perdeu 19Kg

A mãe de um amigo meu, médica num hospital, diz-lhe que a doença de Parkinson no estado em que está, depressa vai chegar ao diafragma e o Papa vai morrer de asfixia.


Encontro da Rede IRIS em Aveiro

O primeiro encontro em Portugal da Rede IRIS - Associação Sul Europeia para a Criação Contemporânea vai decorrer nos próximos dia 31 de Março e 1 e 2 de Abril, no Teatro Aveirense, em Aveiro.

IRIS é uma associação, com sede em Paris, que reúne parceiros de Portugal, Espanha, Itália e França e tem por finalidade a promoção, circulação e comunicação de projectos artísticos no âmbito das artes do espectáculo entre os membros desta rede. O Instituto das Artes foi um impulsionador deste projecto, que reúne programadores, produtores e divulgadores da criação artística contemporânea.

Nesta reunião estarão presentes cerca de 80 agentes culturais dos quatro países envolvidos, cujas sessões de trabalho têm como objectivo criar condições propícias a uma troca serena e construtiva de ideias e informações, para que os membros desta associação se conheçam tentando preservar a dimensão de convívio e o prazer de construir um novo projecto em conjunto.

Como pontos de reflexão, propõem-se o conhecimento mútuo e troca de experiências, visões, reflexões e inquietações de cada membro a partir de um confronto centrado no espaço geo-cultural do sul da Europa, a troca de visões e prioridades artísticas a partir dos projectos e realidades de cada estrutura em presença e a comunicação dos diferentes modelos organizativos conducentes à procura de novas formas de encontro entre artistas, público e teatros.

São membros portugueses da IRIS: BalleTeatro, Centro Cultural de Belém, Culturgest, DeVir - Centro de Artes Performativas do Algarve , Festival 7 Sóis 7 Luas, Quarta Parede - Associação de artes Performativas da Covilhã, Teatro Aveirense, Teatro Viriato e Transforma, Citemor e A Oficina (Guimarães).

Mais informações:
Teatro Aveirense
T: 00 351 234 400 920
info@teatroaveirense.pt
www.teatroaveirense.pt/iris

O programa e outras informações, como os objectivos da iniciativa, podem ser encontradas aqui.

Informações retiradas da newsletter do Instituto das Artes e do site do Teatro Aveirense

Iconografia Teatral (I)

Dá-se início a uma série de 10 posts, que apresentam reproduções de cartazes de espectáculos ingleses, todos eles da transição do século XIX-XX. Os postais foram adquiridos no Museu de Teatro, em Londres.

Image hosted by Photobucket.com

Mrs. Partington's Private Theatricals
Illustrated music cover
Colour lithograph signed Alfred Concanen.
Enthoven Collection
Museu do Teatro, Londres
Poética do quotidiano - a minha

Por causa da chuva, e agora da falta dela, aranhiços, pequenos insectos e outros familiares, atravessam a porta do jardim e instalam-se na minha sala. Eu já lhes disse que não tenho cadeiras para todos. Eles dizem que trazem de casa.
70 cêntimos para a cultura


"70 cêntimos para a Cultura" dá o mote à campanha que pretende pressionar a União Europeia a aumentar o orçamento destinado à cultura, inscrito no próximo Quadro Comunitário de Apoio para o período entre 2007 e 2013.

A iniciativa é da European Cultural Foundation e European Forum for the Arts and Heritage que têm como meta subir de 7 para 70 cêntimos o valor destinado anualmente a cada cidadão nos programas culturais europeus de carácter trans-nacional. O objectivo destas organizações é reunir entusiastas à volta desta ideia para que, na votação final do orçamento, o programa Cultura 2007 suba para um orçamento anual de 315 milhões de euros.

O manifesto conta já com o apoio de membros do Parlamento Europeu de várias famílias políticas, artistas, fundações, ONGs e também representantes do sector empresarial e conta com a participação de todos os interessados através da subscrição do documento do site da organização.

Este aumento significativo do orçamento para a cultura seria investido na mobilidade dos artistas e operadores culturais; na criação de pontes de diálogo entre os cidadãos europeus e os seus vizinhos; na aposta da internacionalização da cultura dos países membros; no incentivo à criação de plataformas de divulgação e debate cultural; no reforço de redes de trabalho europeias; na disponibilização de serviços e informação para operadores culturais; e por fim na adopção de medidas para tornar competitiva a criação europeia.

Num momento de alargamento da União Europeia, que conta com cerca de 450 milhões de cidadãos, de várias nacionalidades, inúmeros idiomas e variantes culturais, a Europa só pode procurar "unidade na diversidade", e a única forma de atingir esse objectivo é, segundo estas organizações, através do conhecimento e partilha das várias cultura que a integram.

"A cultura é aquilo que nos aproxima como europeus", a afirmação do presidente da Comissão Europeia José Manuel Barroso, em Novembro último, deu o pontapé de saída à campanha que começou formalmente em 15 de Março.

Os interessados em subscrever o documento podem fazê-lo em:
http://www.eurocult.org/
http://www.efah.org/en/70cents.htm

Mais informações:
http://www.eurocult.org/

Informação retirada da newsletter do Instituto das Artes

Mas ao mesmo tempo que o Parlamento Europeu se sensibiliza para a cultura e a sua difusão, permite a discussão de uma proposta como o projecto Bolkestein. A ler, com atenção, o post do João O., Que Europa Queremos?

quarta-feira, março 30, 2005

eu ia escrever um post, mas dói-me imenso a cabeça e fica para amanhã.

terça-feira, março 29, 2005

Portugal, capital do diminutivo

Eu ponho-me a ouvir as pessoas e prontos, é assim, já se sabe que de uma maneira geral, falem mal. Mas, prontos, faz parte. E esta condição de ser português também não ajuda, o importante é a saúde e pagar as contas ao fim do mês, que o dinheiro não chega e eles querem é mamar, mamar, mamar... ficam lá no poleiro e o pobre que pague. Prontos, é a vida. Vai-se como se pode e Deus é que sabe. E quando formos, vamos deitados e o que é preciso é juizínho e cabeça fresca que quem vier atrás que feche a porta. E agora descanso eu que já trabalhei muito, dá-me lá o lugar no autocarro, esta juventude está perdida, no meu tempo é que era e eu estive 4 horas na bicha do médico e afinal não era nada, mas uma pessoa nunca sabe, que hoje está cá e amanhã não. Prontos.

Isto eu aguento e enfim (suspiro profundo)...

Mas se há coisa que me deixa doente (tanto como o É assim:...) é o diminutivo. Uma ideia infeliz de tornar tudo mais agradável, mais perfeito, mais perto, mais humano, mais próximo, mais embrulhado em papel cor de rosa e a cheiro de alfazema. Eu acho, e digo aqui, que o diminutivo é, no limite, PORNOGRÁFICO!!!!!!

O que é um beijinho grande? E um grande grande beijinho define-se como? Depois tudo serve para ser diminuído: os inevitáveis ursinhos, cafézinhos, chinelinhos, pãozinho, mini-pratos, mini-mini-pratos, pratinhos ao balcão, meias-doses, garrafinha, xi-coração, já viste o menino e comprei esta coisinha para o menino e é uma pulseirinha de prata para ele usar aos domingos...

E claro, esse grande monstro do diminutivo: o golfinho. Bicho enjoativo, detentor de todas as atenções, sugador de carinhos (lá está!) e fonte de inspiração para as mais absurdas reportagens em horário nobre. Como é que um bicho que se diz esperto, quer ser credível com um nome acabado em inho. Golfo. Golfe. Ou, em último recurso, Golf, que é estrangeiro e nós aceitamos muito melhor o que vem de fora que o que sai de dentro.

Parece-me que esta coisa do diminutivo, mais que uma graça é um grande problema, porque se relaciona directamente com a falta de auto-estima e resignação portuguesa. A ideia de dar às coisas um sentido infantil, torna-as mais suportáveis? Mas torna mesmo? Eu acho que não.

Por um Portugal sem diminutivos!! Por um Portugal por inteiro!!

Prémios da Crítica 2004

A Associação Portuguesa de Críticos de Teatro entregou ontem os prémios relativos a 2004. Na cerimónia que decorreu ao fim da tarde no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, foram distinguidas as seguintes produções:

Grande Prémio da Crítica:
Para além do Tejo, Teatro Meridional

Menções Honrosas:
Luz/Interior, de Rita Só
O Fazedor de Teatro, Companhia de Teatro de Almada, encenação de Joaquim Benite
A Cabra ou Quem é Sílvia?, Comuna - Teatro de Pesquisa, encenação de Álvaro Correia

É curioso notar dois aspectos: a evidente ignorância a que foi votada a cerimónia pelos órgãos de comunicação social (incluindo aqueles onde alguns críticos trabalham) e a vontade de aprofundar os laços entre quem faz e quem pensa o teatro português. Lamenta-se, por isso, que uma arte que indica mais do que se pensa sobre o modo como o mundo se revolve, não tenha merecido da parte da imprensa um destaque maior. É impressionante, aliás, verificar que a arte e a cultura, sendo inerentemente efémera, não conseguiu provar que faz parte de um mundo em permanente mudança. E este tipo de eventos acabam por passar despercebidos e acusados de umbiguismo.

O que se relaciona directamente com o segundo aspecto que ressalvei. É que tanto críticos como criadores trabalham com um mesmo objectivo (mesmo que nem sempre pareça): oferecer ao mundo um lugar de pensamento, reflexão, tomadas de posição e discussão. Por isso foi bastante positivo verificar que os criadores começam a reconhecer a importância da crítica num discurso que se quer partilhado. Em nome, obviamente, de uma recusa da efemeridade, da superficialidade e do espectáculo auto-suficiente.

Mas a questão deve colocar-se: para quem se escrevem as críticas? Numa primeira resposta pronta e seca, para o público leitor. É essa, aliás, a ideia em países como a Escócia, a Bulgária, a Rússia ou Espanha. O crítico é, no fundo, um espectador mais informado. Logo, com mais responsabilidade. Qual é, por isso, o papel da crítica no processo de construção (evolução?) de um espectáculo? Não há uma resposta certa, mas antes filosofias de trabalho que se cruzam. Mas, no limite, as críticas não podem (não devem) ser o reflexo de uma posição pessoal. Antes devem pensar os objectos nas suas fragilidades e virtudes, contextualizando-as no percurso de produção dos criadores e no próprio meio artístico em que se inserem.

Portugal começa, outra vez (e felizmente!) a perceber a necessidade de um tecido cultural e artístico que se pense e aja conforme as crises que o atravessam.

Polémicas (que as houve!), à parte, o importante é que se force a uma maior visibilidade uma prática que de fútil não tem nada, que de egoísta tem muito pouco e, mesmo que não ajude a salvar vidas, permite que se viva melhor. Por isso, mais do que dois lados da barricada, quem vê/pensa e quem faz são peões num mesmo jogo. E do mesmo lado. Mesmo que não se goste. Mas enfim, alguém teria que gostar do amarelo. E isso, certamente, justifica muitas das escolhas feitas na edição deste ano dos Prémios da Crítica.



segunda-feira, março 28, 2005

boa segunda feira a todos

domingo, março 27, 2005

Postal da Páscoa

Image hosted by Photobucket.com

Coelhinho, coelhinho
se eu fosse como tu,
se eu fosse como tu,
bebia coca-cola
e arrotava pelo cú...
Dia Mundial do Teatro
27 Março 2005

Help !


Theatre, come to my rescue !
I am asleep. Wake me
I am lost in the dark, guide me, at least towards a candle
I am lazy, shame me
I am tired, raise me up
I am indifferent, strike me
I remain indifferent, beat me up
I am afraid, encourage me
I am ignorant, teach me
I am monstrous, make me human
I am pretentious, make me die of laughter
I am cynical, take me down a peg
I am foolish, transform me
I am wicked, punish me.
I am dominating and cruel, fight against me
I am pedantic, make fun of me
I am vulgar, elevate me
I am mute, untie my tongue
I no longer dream, call me a coward or a fool
I have forgotten, throw Memory in my face
I feel old and stale, make the Child in me leap up
I am heavy, give me Music
I am sad, bring me Joy
I am deaf, make Pain shriek like a storm
I am agitated, let Wisdom rise within me
I am weak, kindle Friendship
I am blind, summon all the Lights
I am dominated by Ugliness, bring in conquering Beauty
I have been recruited by Hatred, unleash all the forces of Love.

Ariane Mnouchkine

Mensagem oficial do Dia Mundial do Teatro da autoria do encenador do Théâtre du Soleil Ariane Mnouchkine, sob proposta do International Theatre Institute

tradução em português de Eugénia Vasques, disponível aqui.
A lei dos amantes (63)

Os bons amantes sabem sempre que não devem passar a noite. Mesmo que perguntemos se o querem fazer, sabem que o dizemos por cortesia.
Estreia (hoje)

AUTO-RETRATO
Útero

Image hosted by Photobucket.com
27 de Março a 2 de Abril
21h30 - Praça do Príncipe Real

de Miguel Moreira texto de José Luís Peixoto interpretação e co-criação de Marta Cerqueira e Miguel Moreira assistência artística Romeu Runa produção Útero

Do encontro com Marta Cerqueira na Colina 2004 (Montemor-o-Novo) surgiu a ideia de criar um Auto-Retrato.
Na pintura é interessante reparar que o pintor opta por um pormenor. Dando uma leitura fragmentada. Descolada. É daí que partimos.
Este Auto-Retrato é uma pequena viajem intima.
Transformados em cavalos gritamos ou caímos.
Auto-Retrato acaba por apresentar um olhar sobre a política, o amor, a solidão.

AUTO-RETRATO
27 de Março a 2 de Abril
21h30 - Praça do Príncipe Real
(desse local será encaminhado para o espectáculo)
Reservas: 96 573 29 82 / 96 547 01 59

Outros espectáculos do Útero analisados neste blog:
Homeless/Manifesto

Still life

Análise à proposta de Gustavo Sumpta para o 11º LAB
Espaço Re.Al
19 Março 2005
18h00

Image hosted by Photobucket.com

A proposta de Gustavo Sumpta assenta num pensamento psicológico sobre a dança e o movimento, em que o corpo funciona antes como mais um elemento e não tanto o instigador da acção. Por isso, será impossível dissociar o que o corpo do performer faz da forma como se relaciona e identifica com a matéria morta que são os materias que usa.

No lugar do performer encontramos, por isso, Gustavo Sumpta-o homem, um pouco na ideia do que Rui Catalão defende na folha de sala: 'o actor, o intérprete e o performer são apenas as etapas - dir-se-ia sacrificiais, ou pelo menos bastante tormentosas - porque ele teve de passar para chegar ao trabalho final, que é o trabalho acabado (ou melhor: apresentado).'. Será por isso que o criador se passeia por entre os espectadores, recusando assim uma separação entre o antes e o durante. Ou, se quisermos, levando ao limite a apresentação do trabalho como uma extensão natural da sua vida. Sem fronteiras, sem barreiras, sem juízos.

O próprio espaço é descarnado da sua função de laboratório. Foi-lhe retirado o linóleo, expondo, assim os estrados e uma ideia de construção. O que o criador apresenta é, no limite, uma proposta que procura preencher um espaço que se oferece como lugar de experimentação. E suportando-se num equilíbrio de forças que mais do que cedência, antes propõe um trabalho de co-criação.

Esta é, por isso, uma proposta de observação em que importa mais saber perceber que o que fazemos pode ter uma dimensão coreográfica inerente, mas que essa não é a única leitura possível. Assim, todos os gestos simples e metódicos que Gustavo Sumpta apresenta confluem para um discurso que pensa o auto-controlo e a precisão coreográfica.

Será por isso que podemos considerar que os materiais mortos que utiliza (embalagens de mortalhas e traves de madeira) não são mais que materializações de ideias e pensamentos que conseguiram ultrapassar a passividade dos gestos e a neutralidade do olhar.

Nesta proposta de 'gesto pelo gesto', o performer entrega-se a uma coreografia do pensamento que se permite a uma variedade de interpretações sobre o que apresenta. Dessa forma, cada mortalha que retira da caixa estará associada ao que estiver a pensar. E isso deixa quem vê na posição de desenvolver considerações e a querer ver intenções sobre a forma como as deixa cair no chão, para onde olha, quanto tempo demora entre cada gesto... O que quer que seja que Gustavo Sumpta pense entre cada gesto, prende-se mais com um discurso global sobre a função de uma coreografia do que com uma justificação efémera e finita.

No segundo momento desta proposta sobre a resistência, o criador segura uma tábua entre a parede e uma marca no chão que a prende. Ao subir pela tábua acima e depois descer, pegar noutra, passá-la para a marca seguinte e assim sucessivamente, Gustavo Sumpta desenha no espaço uma ideia de percurso interrompido. Seja porque esperamos essa interrupção através da queda ou porque nunca caminha em todo o comprimento da tábua.

De qualquer forma, os movimentos ficam internamente ligados à resistência das tábuas. Estabece-se assim uma co-criação (co-dependência?) com um imaterial, para com ele desenvolver um processo de descoberta do seu controlo e capacidade de domínio sobre o corpo e os seus próprios objectos. Ao longo destes movimentos repetidos e mecânicos, vamos sentindo o avançar dos esforços e a forma como parece querer recusar qualquer tipo de emoção e envolvimento com o que faz.

Gustavo Sumpta parece querer encontrar entre os objectos que utiliza um refúgio para o corpo e o pensamento, fazendo das obras um espaço de reflexão sobre a importância de cada elemento no resultado final. Mas isso não significa uma qualquer separação entre quem vê e quem faz. Antes devolve ao espectador uma naturalidade na observação, despojada de interpretações. O performer procede assim a um trabalho sobre a forma como transmitimos/recebemos uma ideia. E de tão individual que é que se torna pessoal e intransmissível. Como o olhar. E a vida.

Outras propostas apresentadas no 11º LAB e analisadas neste blog:
Cláudia Dias
Tiago Guedes
Mário Afonso

Próxima apresentação:
Ana Borralho e João Galante
30 Abril 2005
18h00

Tempo morto

Que fizeram às horas que roubaram ao mundo? Uma hora depois e de um segundo para o outro, andámos todos para a frente. Para onde?

sábado, março 26, 2005

Portugal Profundo

Hoje no Diário de Notícias, mais do que o escândalo, a vergonha de ser português.

Image hosted by Photobucket.com

"Os paneleiros 'hádem' morrer todos", reportagem-denúncia corajosa de Fernanda Câncio e Paula Cardoso Almeida.


Petição: Contra a Intolerância. Contra a Discriminação e Homofobia. Pela Justiça e Igualdade em Viseu!

Via Renas e Resistente Existencial


Deste lado da morte ninguém responde

Image hosted by Photobucket.com

Pedro Sena-Lino lança um poema-confissão sobre a morte, a vida e a resistência do amor. Retrato pungente, dorido e crente, Deste lado da morte ninguém responde, deixa-nos suspensos entre corpo e alma. À espera de uma ressureição que não é mais que a memória dos que amamos.

[quinze de fevereiro]

onde é o teu corpo onde
o tempo passa nas veias

porque não posso parar o tempo
que te corre



Edições Quasi

Frida Kahlo: Portrait of an Icon

Image hosted by Photobucket.com
Frida paints self portrait while Diego watches
by Bernard Silberstein, 1940


National Gallery, Londres
3 February - 26 June 2005

Pão e Circo

Hoje, no jornal da Noite da SIC, passa uma reportagem sobre o mundo do circo, da autoria da jornalista Catarina Neves. Entre outros trabalhos, a jornalista foi responsável por uma reportagem especial, Direito ao Prazer, sobre a sexualidade dos deficientes que passou em Novembro na mesma rubrica Reportagem SIC/Visão. Catarina Neves foi, ainda, responsável por uma extensa cobertura do tsunami que devastou o Oriente no fim do ano passado. Foi, aliás, a primeira jornalista portuguesa a chegar ao local e a dar conta da tragédia.

Image hosted by Photobucket.com

Hoje, às 21h, na SIC.
Pão e Circo

Numa hora são acrobatas, na outra palhaços ou vendedores de pipocas. É assim a vida no Circo. Quem entra faz de tudo, durante uma vida inteira. As crianças começam cedo a entrar na pista e, como não têm residência fixa, mudam de escola todas as semanas. Para os pais, a grande preocupação é garantir que os filhos consigam chegar ao fim do ano lectivo. Para a maioria dos meninos do circo, não ir além da quarta classe é quase uma inevitabilidade.

Ser do circo é andar com a casa às costas a mostrar um mundo de fantasia. Acrobatas, palhaços, domadores garantem que gostam da vida itinerante, mesmo quando o ordenado é incerto, não há espaço para montar a tenda ou falta público.

Quando a crise chega, as companhias fazem pela vida. Reduzem despesas, apostam no exótico, no original. Numa palavra, nos animais… selvagens e não só.

As companhias garantem que sem animais ninguém ia ao circo. Mas há quem discorde. As associações de defesa dos animais defendem que os animais têm dignidade e direitos que os deveriam impedir de participar num espectáculo que os assusta, deprime ou deixa em pânico. Para aprofundar a polémica, a SIC levou um elemento da associação Animal ao circo, para ver em que condições vivem os animais. A recebê-lo, o director do Circo Chen.

Uma troca de ponto de vistas a não perder, no Jornal de Sábado, depois das 20 horas. "Pão e Circo", uma reportagem SIC/Visão nos bastidores do circo.

Reportagem SIC/Visão
Título: "Pão e Circo"
Jornalista: Catarina Neves
Imagem: Rui Reino
Edição de Imagem: Vanda Paixão

Na sequência da proposta do Pedro Manuel [investigador de teatro, membro do projecto Vigilâmbulo Caolho e responsável pela programação teatral do Auditório Municipal Augusto Cabrita, no Barreiro], que já colaborou neste blog com uma análise ao espectáculo Estamos Agora Sós, segue-se a análise ao espectáculo Cosmos.

Sem raízes
Análise do espectáculo Cosmos
Teatro da Comuna, na noite de 15 de Março



Image hosted by Photobucket.com

No texto de Gombrowicz parecem existir duas dinâmicas paralelas: a construção do sentido das palavras e das ideias, e as variações que este problema cria no campo emocional, a culpa e o desejo. Estas duas linhas de desenvolvimento temático do texto organizam também a concepção do espectáculo, caracterizado por uma encenação pautada, por vezes musical. Mas, sendo um espectáculo ordenado é, também, um espectáculo sobre o caos.

O espectador começa por ser introduzido através de ritmos: um passo, um suspiro, uma folha que se rasga, gotas de água; a cenografia exposta sugere que os elementos cénicos, em vez de evoluírem, aparecem todo ao mesmo tempo, todos os tempos da narração aparecem no espaço em simultâneo, cruzando os territórios uns dos outros. É a sugestão do início quando os actores ocupam os espaços com pequenas intervenções, habitando territórios que lhes são estranhos, como a peça confirmará. Mas depois apercebemo-nos de que a concepção é diferente: o espaço cénico está dividido em territórios definidos: o quarto dos irmãos, o quarto dos pais, a cozinha, o quarto de casal, a casa de banho, o quintal, o bosque.

A disposição é circular, aberta ao meio, e este ponto não é o centro da representação mas um ponto de passagens, na linha de uma concepção geral heterogénea e descentralizada. O círculo fecha-se durante as cenas das refeições, na sala, à boca da cena. As refeições são sempre momentos que exigem uma gestão da contra-cena e isso foi conseguido em todas as situações, com repetições e modulações dos ritmos, com as trocas de olhares e os pequenos gestos e sobretudo com as saídas tumultuosas.

Mas parece existir uma passagem de um registo musical e artificial para um registo mais verosímil, espontâneo, natural, na cena do piquenique, afastando-se do rigor do esquematismo simbólico ou poético, da rítmica, dominada pelo tema da construção de sentido em função do tema emocional. As personagens mostram o que pensam e o que dizem pelo que falam, habitam o espaço com ordem, relacionam-se entre si com ordem. Quando, ao início, as personagens sugerem uma abordagem do absurdo (sobretudo os dois amigos recuperam, à sua maneira, a ideia de espera de Beckett) e um imaginário do teatro de leste, na cena do piquenique as personagens lembram o desespero, o cansaço, a perda de esperança das personagens de Tchékhov.

Este absurdo e este desespero parecem estar presentes na falta de sentido da palavra berg que se desdobra em bergado, bergar ou ser berg que, não significando nada, pode significar tudo, sobretudo aquilo que dizemos sem querer ou o que queremos sem dizer. Dito de outro modo, berg, a palavra transparente, expõe a relatividade da linguagem, da definição, do sentido, dos significados, reencontrando um dos temas do texto: a procura de sentido, mais que dos significados. As árvores penduradas podem dar corpo aos enforcados mas são árvores que nascem acima do chão, ramificam-se no ar, como as palavras, talvez, e o sentido das coisas. E também as emoções destas personagens são berg, o que nos leva a um ponto de vista onde o cosmos se inventa do caos. A maior parte do espectáculo actua no plano metonímico, (como no final, quando Lucien ondula com as árvores e o balanço das árvores sugere o balanço do corpo pendurado), no ritmo, no destaque dos elementos quotidianos e na expressão corporal, individual e colectiva.

Esta elaboração metonímica contribui para uma visão poética, quando uma elaboração metafórica criaria relações simbólicas. Mas a adaptação dramatúrgica sugere já essa leitura, reforçada pela encenação e por um elenco equilibrado, bem distribuído e versátil. A mecânica da marcação e da construção das cenas, a cenografia aberta no espaço e organizada pelos actores, salva a tese do absurdo que percorre o texto literário da sua tendência moralizadora, lenta, depressiva, que tornaria o espectáculo fastidioso e literário. Boas soluções cénicas demonstram um processo criativo atento e calculado, onde a articulação entre técnica e poética resulta num espectáculo dinâmico, teatral e sugestivo, sobre a ordem das palavras e o caos das emoções.

A falta de condições técnicas, humanas e financeiras ou os pressupostos estéticos que caracterizam a prática teatral portuguesa têm resultado em alguns espectáculos que se aproximam de uma certa linguagem do teatro de leste, na utilização de espaços não convencionais, na utilização expressiva de objectos pobres e na linguagem poética da construção das cenas. A própria encenadora admite no seu texto do programa essa influência através das suas memórias pessoais. Um exemplo dessa aproximação é a presença de encenadores como Vassiliev, Nekrosius ou Fomenko, outro exemplo foi o Seminário de Jovens Encenadores do Teatro Nacional D. Maria II, que a encenadora frequentou, e onde maior parte dos formadores internacionais eram da Europa de Leste (Rússia, Polónia, Lituânia).

Em Cosmos, essa ligação é recuperada, não só através do autor do texto, mas pela linguagem cénica, pelos objectos pobres e pelas marionetas, pela utilização expressiva e sugestiva dos objectos, isto é, na sua utilização expressiva pelos actores e na sua presença sugestiva, isolada, habitada de memórias. A suspeita de uma relação entre as duas realidades teatrais vem do facto de o objecto não ser estranho, mas familiar.

Pedro Manuel


Texto original: Witold Gombrowicz Encenação: Cristina Carvalhal Adaptação Dramaturgica (a partir da tradução de Luíza Neto Jorge): Cristina Carvalhal Elenco: Albano Jerónimo (Witold), André Levy (Léon Wojtis), Bruno Simões (Fuchs), Cucha Carvalheiro (Bouboule Wojtis), Luís Gaspar (Lucien), Manuela Couto (Catherette Wojtis), Sandra Faleiro (Léna Wojtis) Direcção Plástica: Ana Limpinho, Maria João Castelo Música: Sérgio Delgado Desenho de luz: João Paulo Xavier Apoio ao movimento: Jens Altheimer Fotografia: Carmo Sousa, Luís Vasco Grafismo: Pedro Serpa Assessoria de Imprensa: Rui Calapez Operação Técnica: José Diogo, Nelson Malcata Assistência de Produção: Catarina Mascarenhas Produção: Mafalda Gouveia
Espaço: Teatro A Comuna, Lisboa
Datas: 2005/03/10 até 2005/04/17
Horários: Ter a Sáb: 22h; Dom: 16h


Análise da responsabilidade de Pedro Manuel, excepto hiperligações e parágrafos.


sexta-feira, março 25, 2005

D. Sebastião Sócrates (???)

Image hosted by Photobucket.com

Atendendo ao clima de alívio que se sente no ar, ao descontrolo da oposição, ao benefício da dúvida e descontando uma série de coisas habituais que só fazem sentido nos primeiros tempos de novo governo, pode este homem ser o que não se estava à espera?

Post feito pós-Resistente Existencial
I wish it was you...

Image hosted by Photobucket.com

La Kidman passeia-se em registo frígido e interior, confundindo a Mia Farrow com a Falconetti. Mas demora muito tempo a ir de um lado ao outro. E isso chateia. Depois à La Bacall em pose fotográfica de fim de carreira, com mais aura que corpo. E isso irrita. E há um miúdo, cuja ausência de emoções num adulto chamaríamos canastrice. E isso incomoda. E há o Wagner a tocar em todo o lado. Isso é bom. E depois há uma ideia de transgressão sexual que só não incomoda porque lhe sabemos ausente de sentimento. Mas Birth não é nem Polanski, nem Hitchcock ou, no limite, um mau Sexto Sentido. E nós gostávamos mais que não nos tivessem feito perder tempo.
Papa

Acendo a televisão no Jornal das 21h da Sic Notícias e chego a tempo de ver as transmissões das celebrações pascais. Pela primeira vez desde o seu pontificado, o Papa João Paulo II não está presente. As imagens mostram o trono vazio, ausência de fotografias e nada de palmas. Tudo em contenção por um homem que assiste às celebrações no interior do seu quarto, através da televisão. O papa é filmado de costas a olhar para a televisão.

E eu pergunto: é João Paulo II que está doente ou Karol Wojtyla? Parece-me que o homem em vez do Papa. No limite, o corpo em vez da alma. E ele diz que oferece o seu sofrimento em nome de todos, curvados a Deus. Eu agradeço a disponibilidade mas preferia ver um homem solto que um vergado ao peso de um Deus que não o liberta.
À minha mesa senta-se quem vier por bem

Image hosted by Photobucket.com
Marithé et François Girbaud

imagem roubada ao Renas que a viu aqui

Boa Páscoa, Purim, férias ou trabalho.
Tomoko Takahashi

Image hosted by Photobucket.com
Deep Sea Diving/Dive 3: HQ 2002

Serpentine Gallery, Londres
22 February – 10 April 2005
Primavera em Paris

Do mesmo local, a Susana volta a disparar a máquina e a atingir os corações mais frágeis.

Image hosted by Photobucket.com
Jardin de Tuilleries
fotografia de Susana Guerreiro
(In)acabado

Análise à proposta de Mário Afonso para o 11º LAB
Espaço Re.Al
26 Fevereiro 25 Fevereiro 2005
18h00

Image hosted by Photobucket.com

É muito natural aceitar que o criador saiba sempre mais que o espectador. Faz parte do 'contrato' que as duas partes assinam sob o nome espectáculo. Nesse jogo de ilusão, o espectador normalmente cede ao performer a posição de gestor das emoções e envolvimento, até ao momento (quase sempre imperceptível mas existente) em que quem faz 'ganha' quem vê. Nesse momento (que podemos chamar epifania, mas gostaria que fosse antes visto como o estádio máximo da cumplicidade), performer e espectador compõem uma só massa que tem como objectivo último resgatar da efemeridade os objectos artísticos.

Se o performer souber gerir bem os tempos emocionais da proposta que apresenta, o espectador ver-se-á sem fôlego e tenso. O 'alívio' só surgirá no momento dos aplausos, em que performer e espectador trocam olhares cúmplices e reconhecem terem feito um 'jogo limpo', nada efémero e, sobretudo, com mais implicações do que aquelas visivelmente expostas durante a apresentação. No final, tanto uma como a outra parte ficam a saber o mesmo. Ou assim se espera.

No caso das propostas apresentadas no âmbito dos LAB, as coisas não se passam exactamente assim, já que um dos objectivos é, exactamente, questionar o processo criativo e perceber que escolhos se podem atravessar no caminho. Tudo em nome de uma urgência criativa que se quer coerente, definida e contextualizada num sistema que resgate do rame-rame de estreias os espectáculos. Assim, os criadores forçam-se a um teste das suas convicções, em nome de um espectáculo por chegar.

Em Mário Afonso, esta ideia de jogo de ilusão e gestão dos tempos está nitidamente viciada. Não só porque as propostas para os LAB não são espectáculos, como dependem do espectador para tomar novos sentidos. Dispõem-se a essa vulnerabilidade, fazendo das fraquezas forças. Mas Mário Afonso leva mais longe a proposta de experimentação inerente aos LAB para desarmar o espectador naquilo que ele assume como proposta para quem dança.

Mário Afonso não dança, ou antes não reconhecemos nele uma coreografia que nos liberte da apreensão constante. O performer instala-se no espaço para ser observado. Esta é uma proposta cujo leitmotiv se pode definir como 'o outro que me olha'. É, por isso, um trabalho austero, pouco óbvio e interior que depende inteiramente daquilo que o criador estiver disposto a dar. E, em última instância, daquilo que o espectador for capaz de apreender de gestos tão quotidianos quanto inimitáveis.

É uma proposta muito difícil onde Mário Afonso cruza uma apropriação da ideia de laboratório e do próprio trabalho de criação, através da construção material de uma utopia/de um objecto artístico, dramatúrgico e coreográfico. É um trabalho de coreografia dos materiais, das suas dimensões e dificuldades. É, no limite, uma proposta de observação pura, sem questionamento. Mas importa ver, para observar.

O que Mário Afonso faz é claro. Uma cadeira. É esse o resultado da construção que desenvolve em palco através de uma precisão e domínio técnicos. Há uma coreografia de movimentos que recusa a ideia de facilidade. A não utilização de protecções denuncia um estudo e preparação que o espectador não tem. Logo, não é o quotidiano que aqui se apresenta, mas um trabalho sobre o quotidiano. O criador parece perguntar porque haverá de ser diferente uma progressão corporal da progressão de construção material de um objecto. Não é a forma como esse objecto é construído uma outra forma de pensar a sua construção? A cadeira construída por Mário Afonso mais do que um adereço, é um objecto coreográfico. Sobretudo a cadeira em si não é um objectivo, mas uma etapa.

A cadeira não chega a ser usada, já que o performer, depois de terminada a construção (e onde se inclui um curioso teste à capacidade de crença do espectador derivada do facto de possibilidade de falha na construção), se despe e se instala no palco compondo desenhos geométricos com o corpo. Esta proposta não é, portanto, só uma questão, uma cadeira ou um corpo nú. É um desprendimento em relação à construção da coisa. À coisa finita. É uma proposta de observação do grau zero das coisas, do corpo, do espaço e dos objectos.

O corpo (o de Mário Afonso? o da cadeira?) é, assim, um corpo obsceno, porque grosseiro e primário (a cadeira é rude, o corpo do performer imenso); é um corpo descarnado, um corpo-nada, oferecido, exposto, olhado. Entregue para quem quiser nele ver o que melhor conseguir.

A procura de desejo e de saber o que falta (desabafos que Mário Afonso inscreve com serradura no chão), não são mais que vontades de pertencer a um outro mundo que ultrapasse o que se vê, permitindo-se a uma liberdade de interpretação. Em última análise, o que Mário Afonso propõe é o libertar de convenções, sejam elas coreográficas ou dramatúrgicas. Tudo em nome dos objectos que se querem questionados. Mesmo quando se lhes atribuí uma finalidade. Como às cadeiras.


Outras propostas apresentadas no LAB:
Cláudia Dias
Tiago Guedes

Sobre os LAB.

Próxima apresentação:
Ana Borralho e João Galante
30 Abril, 18h00

quinta-feira, março 24, 2005

Diz que sim...

Hunter
Your the *pause* "Hunter"...go you!


Which Bjork song are you?
brought to you by Quizilla

roubado ao Pedro

Bruce Nauman: the Unilever Series

Image hosted by Photobucket.com

Tate Modern, Londres

quarta-feira, março 23, 2005

O lugar das coisas

Análise ao espectáculo Why can I be me
Murmuriu
encenação John Romão
Auditório Fernando Lopes Graça
9ª Mostra de teatro de Almada
25 Fevereiro
21h30

Image hosted by Photobucket.com

Why can I be me apresenta-se como um jogo de espelhos que mais do que querer reflectir sobre a urgência criativa e as condições de criação antes apresenta contradições e confunde. A proposta da murmuriu está assim mais para espelho de feira que para um espelho revelador da alma. Nesse sentido, o espectáculo desenvolve-se através de sequências aparentemente fragmentadas e cujo resultado final (ou objectivo/mensagem) aparece enublado. Ou seja, da depência do espectador. Não é uma proposta conclusiva ou apostada em se projectar no futuro, mas antes pretende reequacionar o caminho que levou os criadores ao ponto em que se encontram. Ponto esse pleno de enganos, ilusões e crenças disponíveis (ou talvez não) a serem questionadas.

O espectáculo apresenta-se ao espectador como se já tivesse começado no momento em que este entra na sala. Os dois actores (John Romão e Maria João Machado) dispõem-se a uma exposição crua e descarnada, recusando assim um tempo que todos reconhecem como lhes pertencendo. O que quer que se possa passar nos bastidores do palco, os dois intérpretes apresentam em cena. Dessa forma, o espectador é levado a concluir que a proposta a que assiste pertence a um outro tempo que não o teatral e a uma outra realidade que não a da ilusão cénica. Talvez à da fotografia, que assenta num desejo de partilha nunca consumado (é essa uma das hipóteses de discurso que os dois propõem). Afinal, intérpretes e espectadores serão sempre duas forças em confronto.

Image hosted by Photobucket.com

A aposta em mostrar a preparação aproxima-se de uma recusa da ideia de que quem cria não se projecta no que apresenta. Os intérpretes estabelecem assim uma cumplicidade com quem também se prepara. No caso, para assistir ao espectáculo. Uma e outra parte, iguais em nome de uma experiência que se quer partilhada, mais do que apresentada. Assim, o espectáculo reclama a presença e a atenção de quem vê de formas nem sempre evidentes, mas que pretendem questionar as razões que levam alguém a optar ver um espectáculo de teatro. E, no limite, perceber que importância esse espectáculo têm. Why can I be me aparenta, por isso, ser construído em função do espectador, uma vez que os criadores se batem pela ideia de um público activo, manifestante e actuante. Um público que perceba que não existe criação sem uma audiência e vice-versa.

Why can I be me é um projecto de questionamento que resulta de uma investigação feita por dois estudantes de teatro. Esta condição é vincada pelos próprios que insistem assim numa contextualização do seu trabalho, logo das referências que os atravessam no momento em que se apresentam. E o facto de o afirmarem (ou centrarem) permite enquadrar Why can I be me num universo de teorias nem sempre ajustadas à realidade ou quanto muito a necessitar de porém à prova os seus limites/fronteiras.

E não o faz de forma simples ou a querer protecção, mas antes num explicitar da violência, fruto não só da necessidade de levar à abstracção os movimentos em nome de uma verdade do 'gesto' (o corpo, mais do que a palavra é o primeiro "objecto" teatralizável) mas também de desenvolver um discurso crítico e pensado sobre o peso de cada uma das teorias. Estas duas linhas de força apresentam-se em Why can I be me através de dispositivos cénicos que confundem cultura pop com classicismo criando assim um universo próprio que tem tanto do folclore de Kusturica como da agrura de João César Monteiro.

Logo no início os dois actores envolvem-se numa coreografia sexualmente ímplicita e cujas interpretações permitem viajarmos entre danças tribais, peixes fora de água, necessidades de equilíbrio, pura abstracção e, devido ao leite no qual escorregam, uma desesperante necessidade de reconhecerem no mundo 'de fora' o conforto do útero. Por isso, quando mais à frente do espectáculo e após algumas discussões sobre o peso do teatro e das convenções, regressam a essa sequência, quase que é possível afirmar que a leitura mudou e agora dizem 'cresce e aparece'.

Image hosted by Photobucket.com

É, por isso, uma proposta barroca e exagerada que procura a forma concreta das coisas. Em última instância, a verdade. E essa, entendem os criadores, só pode vir com a saturação. O espectáculo é, dessa forma, uma espécie de grito dentro do espartilho que é o pensamento a ser formatado. E não há movimento, gesto, acção ou intenção que se resigne a ser o que querem que seja.

Este exercício de estilo trabalha uma erotização do acto criativo, no sentido em que quanto maior for a liberdade de criação, maior será o prazer (e o retorno). Why can I be me é, portanto, uma proposta de busca do prazer, o que , em dois estudantes de teatro é, não só um bálsamo mas uma preocupação. Significa, tão somente, que o universo em que se preparam para entrar é já demasiado denso, formatado, regulado e, no limite, recusável. Mas porque o querem perceber (só assim o podem combater/comtaminar/invadir/envenenar), John Romão e Maria João Machado 'oferecem-se ao sacrifício'. E sujeitam-se, por isso, a tudo aquilo que possam vir a considerar uma afronta.

Why can I be me é um espectáculo eminentemente teórico já que se desenha sobre a forma de um pensamento solto e em busca de definição. O que pode ser considerado angustiante deve, no entanto, ser visto como uma proposta que não permite a extinção. Porque dela derivaria a cedência ao formato, à regra e a tudo aquilo que impede o teatro e as artes de uma maneira geral de se comportarem como um espaço de questionamento sobre o mundo. É por isso que os criadores não pretendem fazer esta busca sozinhos e apostam num processo de sedução junto do espectador. Sedução essa que passa pela surpresa. Nomeadamente quando projectam um vídeo acabado de gravar que mostra as reacções do público a um número de playback feito por um travesti (Óscar Reis)

Image hosted by Photobucket.com

Durante a actuação deste travesti - distante da imagem de glamour que normalmente reconhecemos -, o público é levado a sentir que aquele limite de exposição é o que John Romão e Maria João Machado procuram, uma vez que mais do que se confundirem sexos, histórias e universos referenciais, o travesti é uma espécie de símbolo máximo da 'personagem'. Contudo, o jogo teatral está colocado na plateia, já que é ela que se expõe. E durante o mesmo tempo da canção utilizada, somos confrontados com o nosso comportamento. Deixamos, portanto, de ser anónimos espectadores para passarmos à condição de decisores. O que, em última instância, somos sempre que escolhemos ir ver um espectáculo.

Why can I be me é, portanto, sobre o que fazer com o acumular de referências e sobre as opções que se devem tomar. Tudo em nome de um cruzamento entre dois universos que se querem cúmplices e influenciáveis. Esta proporta que não apela à facilidade é, por isso, o mais honesta possível se considerarmos que parte de uma vontade de questionar a razão de ser de determinados gestos e atitudes. Mais do que uma proposta sobre o quotidiano (teatral ou não), Why can I be me é uma busca de um sentido para saber a importância que as coisas têm. E, em última instância, nada é inocente. Como no princípio.

Outros espectáculos da 9ª Mostra de teatro de Almada analisados neste blog:

The Scum Show, Inestética - Companhia Teatral
Punchwork, Ninho de Víboras

Próxima produção Murmuriu
Saia Daqui, de Maria João Machado
Casa Conveniente, Lisboa
28 Março
Semana da Juventude da Câmara Municipal de Lisboa
Workshop de Produção Criativa
O papel do produtor no processo de criação

Espaço Evoé
Abril e Maio 2005
Com Tiago Bartolomeu Costa

Temas para discussão:

O papel do produtor no processo de criação
Breve olhar sobre a história da produção de artes performativas
Identificação das responsabilidades, direitos e deveres da produção

Dossier de Projecto
Montagem Financeira, Orçamentação e Imprevistos
Organização de Estruturas

Relação Estado/Sociedade - Cultura;
Mecenato, Patrocínios e Apoios

Estratégia de Marketing/Plano de Promoção
Recepção do Espectáculo

As sessões consistem em exercícios práticos através dos quais os formandos questionarão as suas práticas. Serão apresentados exemplos para discussão e alerta de elementos que possam contribuir para um melhor projecto. Toda a documentação será prestada pelo formador, excepto quando solicitada.

20,25 e 27 de Abril e
2,4,9,11,16,18 e 23 de Maio das 19h30 às 20h
Valor: 100€


Tiago Bartolomeu Costa é produtor de teatro tendo trabalhado em estruturas indepentendes (ex: Útero), instituições (ex: Casa da Música) ou em projectos pontuais (ex: Ricardo Aibéo, Susana Vidal). É formado em Produção pela Escola Profissional de Imagem e fez a Especialização em Estudos de Teatro na Faculdade de Letras de Lisboa. Desenvolve análise de espectáculos e investigação na área da história da produção de teatro em Portugal, tendo artigos publicados em jornais e revistas da especialidade. É membro do conselho consultivo do Festival Divadelná Nitra, na Eslováquia.

Mais informações:
Espaço Evoé
Rua das Canastas, nº40 (ao Campo das Cebolas)
Tlf: 21 888 08 38
E-mail: evoe@evoe.pt

O lugar dos outros

Hoje na Cinemateca The Misfits. Nunca a solidão foi tão dura.

Image hosted by Photobucket.com

Recomendação aprés André.
Perdoar Helena

Image hosted by Photobucket.com
Teatro Taborda
24 de Março a 24 de Abril
Qua a Sáb: 22h | Dom: 19h

Há um encenador que horas antes da estreia cancela o espectáculo e abandona a actividade. Há um actor cuja vida rola sem regresso. Há a migração clandestina detectada dentro dos textos do teatro grego, uma verdadeira infiltração. As Tragédias estão cheias de estrangeiros que chegam de toda as parte: mensageiros, amas, serviçais, transeuntes, jovens guerreiros, campesinos… Há a última viagem dos grous pelos céus do sul. O mundo, o nosso mundo, quando se move parte em busca de quê?

Perdoar Helena de José Tolentino Mendonça Com Alhelí Guerrero, Pedro Martinez, John Romão Cenografia e figurinos Sara Amado Luz José Álvaro Correia Música Sérgio Delgado Dramaturgia Jacinto Lucas Pires Encenação Marcos Barbosa Uma produção .lilástico/ Artistas Unidos

Informações Úteis: Info: 218 805 100


informações retiradas do site dos Artistas Unidos e da Agenda Cultural de Lisboa
Alguns Lugares

Quando te deitas a ouvir o teu coração, não ouves mais nada?
Espectáculo de Álvaro Correia

Casa Conveniente
de 23 de Março a 23 de Abril

Image hosted by Photobucket.com
Image hosted by Photobucket.com


Direcção: Álvaro Fonseca Texto de Luís Fonseca Com: Ana Ribeiro, Diogo Bento Imagem gráfica e vídeo: Francisco Rocha Direcção de produção: Sílvia Jorge
de 23 de Março a 23 de Abril
de 3º a Sábado
sessões: às 21h00 e às 22h00
Preço: 10 euros, 7,5 cartão de estudante.
Duração: 1h

Casa Conveniente
Rua Nova do Carvalho, 11 (ao Cais do Sodré)
Tel: 213420635
Reservas: 96 9304938


Sobre o espectáculo, hoje no Jornal de Notícias.
Daddy Daddy
uma performance de Miguel Bonneville

23 e 24 Março 2005
20h00
Espaço da Eira 33
Rua Camilo Castelo Branco, 33 - 1º -Lisboa
Entrada Gratuita

Image hosted by Photobucket.com

DADDY DADDY é uma carta.
DADDY DADDY é uma dedicatória.
DADDY DADDY é um pedido de atenção.
DADDY DADDY é uma construção de identidade.
DADDY DADDY é o meu pai a dançar ao som do Julio Iglesias, é o meu pai depois da guerra, é a separação, é o divórcio, é o que fica, as memórias, os traços principais, os clichés, a minha relação com ele, a relação de uma geração com outra geração, os conflitos, a diferença de interesses, o que se espera - o que se dá e recebe, o que se quer dar e o que se quer receber.
DADDY DADDY sou eu.
DADDY DADDY são todos os pais.
DADDY DADDY é: o meu pai NÃO é melhor que o teu, é: o meu pai NÃO é polícia, é: o meu pai NÃO é meu pai, NÃO é teu pai, NÃO é pai.
O que é que se espera de um filho? O que é que um pai espera de um filho? O que é que um pai pensa quando é pai? O que é que um filho espera de um pai? Precisa de um pai? É irrelevante? É preciso respeitar um pai por ele ser pai? Ter medo? Há diferença? Faz diferença? Um pai pode ser humano? Deve?
Pode ser um monstro?
DADDY DADDY: sou um entre muitos outros.

23 e 24 Março 2005 20h00
Espaço da Eira 33, Rua Camilo Castelo Branco, 33 - 1º -Lisboa
Entrada Gratuita
Contacto: 966188659
incluído na Semana da Juventude da Câmara Municipal de Lisboa



terça-feira, março 22, 2005

Dia Mundial da Água

É hoje. Porque ela não vêm todos os dias.

segunda-feira, março 21, 2005

Poética do Quotidiano: especial casas (XII)

a minha
desde meio de Outubro 2004

Image hosted by Photobucket.com

Acaba hoje a série especial casas. Mas em vez de mostrar o exterior da casa, opto por vos convidar a sentarem-se no sofá, que é o que faço às visitas depois de lhes oferecer um chá. Esta casa, que fica agora onde quiserem que fique, ainda não têm uma música própria. Neste momento canta a Dinah Washington, num cd trazido de Portobello Road, em Londres. Antes tocou o Philipp Glass. E todos os outros que passaram pelas anteriores casas. Guardo os cd's numa das gavetas da estante da sala e as memórias das casas em espaços diferentes, interiores e exteriores, umas mais expostas que outras, umas mais importantes que outras.

O que é uma casa e o que vale? Para cada uma delas uma parte da história e a história toda. Esta ainda começou. É a minha poética do quotidiano.
Teatro em construção

Recensão à revista Sinais de Cena nº2, Dezembro 2004

Image hosted by Photobucket.com

O novo número da revista da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro (APCT), Sinais de Cena (Dezembro 2004), desenha-se sob o signo da arquitectura, no seu sentido mais lato. A arquitectura do espaço (cenografia), dos elementos e corpos (encenação) e da memória. Parece assim fazer esticar a máxima que Nuno Carinhas, um dos cenógrafos entrevistados por Paulo Eduardo Carvalho («Dramaturgias do espaço», p. 27-29), utiliza para a cenografia: "deveria ser tão essencial que seria impossível passarmos sem ela".

Através destas linhas mestras, os críticos e investigadores que assinam o 2º número da revista editada em Fevereiro deste ano procedem à organização de um olhar sobre o processo criativo, alicerçando-se em práticas que devem trabalhar em conjunto para o resultado final. Se por um lado, e como lembra o teórico francês Patrice Pavis («De onde vem e para onde vai a encenação?», p. 59-68), "quisermos conhecer a actual situação do teatro precisamos observar o modo como a encenação o concretiza", é fulcral reconhecer que "a ilusão dramática é gerada, em grande medida pelo imaginário e pelas sugestões - de contexto, de abstração, de realismo, de época - que o cenário evidencia ou induz, de forma mais ou menos afirmativa no seu próprio discurso, mais ou menos dialética relativamente ao trabalho de encenação" (p.9). Esta última afirmação, assinada por Mónica Guerreiro e Miguel-Pedro Quadrio e inscrita no texto introdutório ao dossier de cenografia teatral que construiram para a coordenação deste segundo número da Sinais de Cena, parece indicar que a revista da APCT se quer como observadora do acontecimento teatral e até como instigadora de um discurso que apresente e fixe tendências que a efemeridade do acto de observação não reconhece.

Na verdade a cenografia é uma das práticas responsáveis pela 'memorização' de uma proposta teatral, logo do conjunto de ocasos que contribuem para a realização/apresentação dos espectáculos. Desta forma aquilo que os críticos fazem não é mais que resgatar para primeiro plano uma prática que condiciona, até de formas dificilmente explicáveis, a percepção/recepção de um espectáculo de teatro. Maria Helena Serôdio, directora da Sinais de Cena, fala de uma exploração de "outros lugares e outras perspectivas, observando, afinal, refracções de uma mesma realidade vasta e complexa, que exige, justamente porque o é, desdobramento de processos e uma permanente transversalidade de relações" (p.7).

No dossier dedicado à cenografia teatral, os coordenadores deste número pensam o trabalho de António Lagarto («Lógicas Visuais», Paulo Eduardo Carvalho, p.10-12), Cristina Reis («O espelho de Cristina», Miguel-Pedro Quadrio, p. 13-15), Eric da Costa («Disrupção a três dimensões», Vanda Piteira, p. 16-17), João Mendes Ribeiro («Essencialidade, austeridade, silêncio», Mónica Guerreiro, p. 18-21), José Manuel Castanheira («Persistências e adaptações», Luis Francisco Rebello, p. 22-23), Manuel Graça Dias e José Egas Vieira («Um trabalho em equipa para se ir sempre mais longe», Selda Soares, p. 24-26) e o já referido Nuno Carinhas. As opções atravessam diversas tendências, práticas, estéticas, filosofias e até diferentes condições de produção numa tentativa de acompanhar essa "sugestão cartográfica de movimentos e percursos até à enésima repetição" (p. 18).

Os artigos sobre os cenógrafos, mais do que percursos biográficos procuram compreender os limites de uma prática que, numa primeira leitura se coloca ao serviço de um todo. São por isso olhares de fora que pensam "o lugar e a importância das suas intervenções na criação teatral contemporânea" (p.9). De salientar ainda as bibliografias citadas em alguns artigos que contribuem para uma biblioteca tão urgente como necessária sobre o espaço e a arquitectura teatral em Portugal.

No que diz respeito à encenação, a Sinais de Cena apresenta vários artigos que reflectem formas de encarar o trabalho de encenação. Para além do texto de Patrice Pavis referido anteriormente, são incluídos dois artigos sobre formas de considerar o papel da encenação na construção de um dispositivo que envolva não só quem recebe, mas, e sobretudo quem faz. Uma vez que, como defende Pavis a encenação é "tida como responsável pela dificuldade que o teatro tem em nos afectar" (p.63).

Alexandre Kelly, do grupo britânico Third Angel, apresenta-nos um resumo do que foi a sua experiência com um conjunto de criadores portugueses no ano passado na Gulbenkian onde trabalhou o conceito de devised theatre: "uma forma reactiva de trabalhar, que acolhe a sorte: o acidente, o acaso, o inesperado ou o imprevisível" («Ensinando encenando devising», p. 69-71). João Maria André («A dor, as suas encenações e o processo criativo», p. 72-78) reflecte sobre a utilização do corpo e o testar dos seus limites e resistências na arte e, sobretudo, na performance e na body art. Um ensaio que procura contextualizar o trabalho de criadores que transformam o modo como recebemos/reagimos a objectos que por mais que tentemos encontrar outra definição são, na sua essência, teatro. Porque, como como sintetiza Patrice Pavis em relação à encenação, estes três textos/olhares/universos/perspectivas mais não são que o identificar de uma arquitectura sobre "a arte de exprimir qualquer coisa, de compreender a mensagem e o ruído, tornando-se preferencialmente na arte de fazer emergir o silêncio para um espectador à espera de sentido." (p. 68).

Os três artigos permitem ainda perceber que a Sinais de Cena se quer como receptáculo de artigos sobre o teatro e as artes performativas, recuperando assim intervenções, comunicações e outros que se vão fazendo sobre a área.

O que podemos identificar como terceiro núcleo deste número da Sinais de Cena prende-se com o que acima referi como arquitectura da memória: o recuperar de situações, nomes, passados e percursos que permitiram/permitem a construção de uma história do teatro em português. Mais do que as críticas que são incluídas na revista (que pela diferença entre a data de estreia e publicação se tornam menos críticas e mais revisitações, permitindo um diálogo com os objectos ausente das pressões dos tempos de apresentação, leia-se juízos de valor que podem permitir a opção de assistir ao espectáculo), são de destacar a entrevista de fundo a Manuela de Freitas («Uma actriz que é 'tudo ou nada'», Sebastiana Fadda e Rui Cintra, p. 41-53), o portefólio sobre a companhia O Bando («Imagens que fizeram história», Ana Pais, p. 30-40) e a investigação amplamente documentada foto e bibliograficamente sobre o extinto Teatro Avenida, em Lisboa, da responsabilidade de Nuno Costa Moura («Hoje e sempre, fora dos eixos», p. 121-128). Percursos que permitem contextualizar um teatro português que se quer menos efémero e mais actuante, no que isso representa de reconhecimento de um presente devedor de um passado.

A revista Sinais de Cena apresenta-se assim mais organizada e definida, procurando junto do público-leitor (que se sabe não ser só o académico/artístico) um lugar para um pensamento mais aprofundado sobre o que se faz e o modo de fazer. Por isso a atribuição da coordenação dos números a pessoas específicas permitirá a construção de objectos mais atractivos, porque direccionados ou, no limite, a permitirem-se a uma organização por quem lê.

E nesse aspecto não é de descurar o cruzamento de diversos nomes desde críticos a investigadores e criadores, com as mais diversas estéticas e posições sobre o papel da crítica, da investigação e da observação do fenómeno teatral. Um trabalho que permite também o reforçar dos laços que foram sendo estabelecidos com alunos que fizeram o Curso de Especialização e Mestrado em Estudos de Teatro na Faculdade de Letras, através do Centro de Estudos de Teatro, colaborador na edição da Sinais de Cena. Contudo, ainda que o público especializado possa saber quem escreve o quê, porque a Sinais de Cena se quer aberta a um público mais vasto (razão pela qual se encontra à venda) seria interessante, e certamente útil, podermos identificar os autores dos artigos através de breves notas biográficas, que mais não fosse indicassem o local onde praticam crítica/análise de espectáculos e investigação. Não só permitiria a referida identificação, mas contribuiria para um estreitar de laços entre quem procura mais informação sobre o teatro e as artes performativas e quem o pensa. Sobretudo porque sendo o espaço dedicado à crítica cada vez mais pequeno (e afinal uma das razões de ser da Sinais de Cena), faz todo o sentido 'transportar' públicos e formar outros.

Na mesma linha da 'conquista de públicos', convêm salientar que há aspectos que impedem a Sinais de Cena de se evidenciar e anular o efeito de pertença a uma academia nem sempre vista com a justiça do seu trabalho. Nomeadamente no que diz respeito ao grafismo. Ainda que se compreenda que a revista é feita com o esforço, dedicação e entrega de todas as partes, no que isso representa de ausência de apoios, certamente existirão alternativas para trabalhar a imagem e a qualidade das fotografias apresentadas, bem como apostar numa actualização das mesmas, no caso dos biografados/entrevistados e portefólio

Este tipo de observações reconhecem no entanto a pressão a que se sujeitam estes objectos, fruto de ultrapassagens das capacidades das instituições, dos colaboradores e dos objectos de estudo. Por isso mesmo, pensando e sabendo a importância de uma revista como a Sinais de Cena, espera-se que a forma não tráia o conteúdo. Contra a efemeridade e a indiferença, portanto. Em nome, obviamente, de um enriquecimento dos estudos teatrais. E do teatro que se quer fazer e questionar.

Título: Sinais de Cena n.º 2 - Dezembro 2004
Edição: Centro de Estudos de Teatro
Distribuição: Campo das Letras
Preço: 12 €

Sobre o 1º número da Sinais de Cena ver aqui.

Agradece-se a colaboração da Campo das Letras na disponilização da revista para recensão. Nem todos os links correspondem aos artigos indicados, antes servem de contextualização.



domingo, março 20, 2005

Barroco a negro e sangue
com as Valquírias ao fundo e o napalm pelo nariz acima

Image hosted by Photobucket.com

Apocalipse Now Redux
Hoje, RTP 1, 22h55
Chove

Finalmente.
Poética do Quotidiano: especial casas (XI)

Telheiras
Setembro - meio Outubro 2004
Johann Sebastian Bach, Choral - Préludes et fugues
Wilhelm Kempff


Image hosted by Photobucket.com

sábado, março 19, 2005

O lugar do morto

Análise à proposta de devised theatre Execução Pública, encenação de Pedro Gil
Caves do Liceu Passos Manuel, Lisboa
16 a 25 Fevereiro 2005

Image hosted by Photobucket.com

Podemos considerar que determinadas propostas que se apresentam durante o processo de criação não devem ser analisadas, sob prejuízo de serem criadas expectativas que se confundem com espectáculos já finalizados (se acreditarmos que os espectáculos são finalizados no momento em que estreiam). Execução Pública não é um espectáculo, mas antes uma proposta de trabalho que se quer desenvolvida e aprofundada. Concebe uma construção apoiada no conceito de devised theatre, o que a liberta de algumas metas que se exigem aos espectáculos já 'fechados'. Mas porque o objectivo do devised theatre é pensar os objectos, considera-se relevante um discurso que pense a proposta de Pedro Gil.

Este conceito de devised theatre começa a ganhar algum peso em Portugal, nomeadamente junto de criadores que recusando a ideia de construção colectiva, se permitem a trabalhar uma proposta a partir dos fundamentos clássicos (encenador, dramaturgia, subtexto, interpretação, outras disciplinas), deles retirando somente os aspectos positivos. Ou seja, aqueles que lhes permita fazer evoluir para um esboço de espectáculo que mais do que afirmar, questiona.

Execução Pública - uma proposta que reclama a aprendizagem que Pedro Gil, o encenador, fez com o grupo inglês Third Angel no âmbito de um curso de encenação e devising na Gulbenkian, entre Julho e Setembro 2004 [ver Sinais de Cena, nº2, pp.69-71] - propõe-se discutir/interrogar o tema da condenação à pena de morte através de um dispositivo nada simples e que, inevitavelmente, se vira contra si: o cruzamento de discursos que problematizem a questão e façam foco na história que os interliga. Portanto, Execução Pública quer-se como estrutura bilateral.

Os níveis de discurso apresentados começam de dentro para fora, ou se quisermos do universal para o particular e depois, no sentido inverso. É o inevitável caminho de temas maiores que as propostas e demasiado expostos à inerente fragmentação. A utilização de temas disruptores através de dispositivos teatrais não só devolvem ao teatro o seu lugar de questionador das 'razões do mundo', mas também implicam todas as expressões (artísticas, sociais, políticas, culturais, morais...) num pensamento globalizante. Execução Pública parece querer procurar dar um contributo a esta questão, sem no entanto se compreender a razão, para lá da necessária e sempre útil discussão abstracta.

Contudo, este cruzamento de níveis de discurso não permite uma clarificação dos objectivos da proposta. Se já seria de esperar que tal acontecesse com um tema tão superior como é o da pena de morte, mais difícil se torna quando a opção passa por colocar a proposta num contexto que facilmente (e por defeito) identificamos como Portugal. Mesmo que o espectáculo comece com uma recusa daquilo que poderia ser lido - Horácio Manuel vai definindo vários exemplos de condenações à pena de morte, numa tentativa de libertar o espectáculo de comparações e evocações -, não temos capacidade real de estabelecer qualquer aproximação, a não ser pela individual indignação. Uma vez que em Portugal essa prática não existe, a tentativa de Pedro Gil torna-se frágil, pouco definida e, sobretudo, ingénua. O que não quer dizer que não se devam discutir os temas, mas antes perceber de onde partem. E para uma proposta que se expõe numa fase evolutiva, seria mais estimulante percebermos de onde partiram e que posição têm sobre isso e não tanto um fechar de portas em busca de um 'mundo menos doloroso'.

Execução Pública parece querer fazer passar a ideia de que a realidade pode ser evitada e, sobretudo, modificada. Ou seja, que em tudo há uma outra solução e para todos uma 'salvação'. Esta proposta quase que assume uma certa veia religiosa, no sentido em que força o Homem a ver os seus limites e os seus julgamentos. O que mais do interessante e estimulante é perigoso e falacioso. E como tratamos de um tema fracturante, no momento em que o condenado (Pedro Gil) afirma que todos merecem uma segunda oportunidade e não um julgamento imediato, depressa nos lembramos que se Hitler tivesse sido aceite na Escola de Belas Artes de Viena talvez não tivesse sido o que foi. Será assim tão fácil? Execução Pública parece acreditar que sim.

E acredita que sim porque transforma a história do condenado numa evocação dos tempos de infância e adolescência com o amigo/advogado (Romeu Costa) onde se procura dar conta das fragilidades a que esse condenado esteve exposto. Portanto, mais do que tudo, o condenado foi a primeira vítima. Do sistema escolar (que parece justificar a utilização das caves do Liceu Passos Manuel como espaço de representação), da ausência de suporte familiar, da ostracização a que o próprio sistema judicial remete os condenados. Ora, para esta temática, argumentos tão simples revelam uma incapacidade de controlar todas as dimensões da proposta, remetendo-a a um repetir de chavões e lugares comuns.

Isso aliado a um excesso de banda sonora, fazem de Execução Pública uma proposta barroca e quase na fronteira da anulação do que se espera de uma proposta de devised theatre: um espaço em branco, preparado para receber.

Ainda que possamos encontrar em Execução Pública essa vontade de questionamento anteriormente mencionado, não chega a ser suficiente para aguentar uma proposta que se estende no tempo sem necessariamente apresentar um climax ou uma conclusão. No momento em que o condenado é colocado na cadeira electrica, só lamentamos que não o tenha sido mais cedo e o facto de ele empurrar o amigo para a cadeira só nos faz não ter qualquer tipo de simpatia pela figura que tentou provar ser.

Volto a afirmar que o conceito de devised theatre prevê a indefinição e a obra em aberto. Mas certamente só avança com fundamentos muito sólidos e um ponto de vista que, mesmo redundante, se permite questionado. Em Execução Pública somos expostos a uma proposta que não se assume finalizada mas se comporta como tal. E isso não só a fragiliza como anula qualquer vontade de regressar à proposta.

Resta assinalar o trabalho de concepção plástica de Pedro Silva que, num esforço de não imposição sobre um tema difícil e facilmente propenso à demagogia, se apresenta simples e essencial, antes sugerindo e não definido. O chão de linóleo branco, a cortina que separa o público do espaço e os adereços parecem cumprir a função essencial do devised theatre: acolher "a sorte, o acidente, o acaso, o inesperado ou o imprevisível" (Alexandre Kelly in Sinais de Cena: idem)