Still life
Análise à proposta de Gustavo Sumpta para o 11º LAB
Espaço Re.Al
19 Março 2005
18h00
A proposta de Gustavo Sumpta assenta num pensamento psicológico sobre a dança e o movimento, em que o corpo funciona antes como mais um elemento e não tanto o instigador da acção. Por isso, será impossível dissociar o que o corpo do performer faz da forma como se relaciona e identifica com a matéria morta que são os materias que usa.
No lugar do performer encontramos, por isso, Gustavo Sumpta-o homem, um pouco na ideia do que Rui Catalão defende na folha de sala: 'o actor, o intérprete e o performer são apenas as etapas - dir-se-ia sacrificiais, ou pelo menos bastante tormentosas - porque ele teve de passar para chegar ao trabalho final, que é o trabalho acabado (ou melhor: apresentado).'. Será por isso que o criador se passeia por entre os espectadores, recusando assim uma separação entre o antes e o durante. Ou, se quisermos, levando ao limite a apresentação do trabalho como uma extensão natural da sua vida. Sem fronteiras, sem barreiras, sem juízos.
O próprio espaço é descarnado da sua função de laboratório. Foi-lhe retirado o linóleo, expondo, assim os estrados e uma ideia de construção. O que o criador apresenta é, no limite, uma proposta que procura preencher um espaço que se oferece como lugar de experimentação. E suportando-se num equilíbrio de forças que mais do que cedência, antes propõe um trabalho de co-criação.
Esta é, por isso, uma proposta de observação em que importa mais saber perceber que o que fazemos pode ter uma dimensão coreográfica inerente, mas que essa não é a única leitura possível. Assim, todos os gestos simples e metódicos que Gustavo Sumpta apresenta confluem para um discurso que pensa o auto-controlo e a precisão coreográfica.
Será por isso que podemos considerar que os materiais mortos que utiliza (embalagens de mortalhas e traves de madeira) não são mais que materializações de ideias e pensamentos que conseguiram ultrapassar a passividade dos gestos e a neutralidade do olhar.
Nesta proposta de 'gesto pelo gesto', o performer entrega-se a uma coreografia do pensamento que se permite a uma variedade de interpretações sobre o que apresenta. Dessa forma, cada mortalha que retira da caixa estará associada ao que estiver a pensar. E isso deixa quem vê na posição de desenvolver considerações e a querer ver intenções sobre a forma como as deixa cair no chão, para onde olha, quanto tempo demora entre cada gesto... O que quer que seja que Gustavo Sumpta pense entre cada gesto, prende-se mais com um discurso global sobre a função de uma coreografia do que com uma justificação efémera e finita.
No segundo momento desta proposta sobre a resistência, o criador segura uma tábua entre a parede e uma marca no chão que a prende. Ao subir pela tábua acima e depois descer, pegar noutra, passá-la para a marca seguinte e assim sucessivamente, Gustavo Sumpta desenha no espaço uma ideia de percurso interrompido. Seja porque esperamos essa interrupção através da queda ou porque nunca caminha em todo o comprimento da tábua.
De qualquer forma, os movimentos ficam internamente ligados à resistência das tábuas. Estabece-se assim uma co-criação (co-dependência?) com um imaterial, para com ele desenvolver um processo de descoberta do seu controlo e capacidade de domínio sobre o corpo e os seus próprios objectos. Ao longo destes movimentos repetidos e mecânicos, vamos sentindo o avançar dos esforços e a forma como parece querer recusar qualquer tipo de emoção e envolvimento com o que faz.
Gustavo Sumpta parece querer encontrar entre os objectos que utiliza um refúgio para o corpo e o pensamento, fazendo das obras um espaço de reflexão sobre a importância de cada elemento no resultado final. Mas isso não significa uma qualquer separação entre quem vê e quem faz. Antes devolve ao espectador uma naturalidade na observação, despojada de interpretações. O performer procede assim a um trabalho sobre a forma como transmitimos/recebemos uma ideia. E de tão individual que é que se torna pessoal e intransmissível. Como o olhar. E a vida.
Outras propostas apresentadas no 11º LAB e analisadas neste blog:
Cláudia Dias
Tiago Guedes
Mário Afonso
Próxima apresentação:
Ana Borralho e João Galante
30 Abril 2005
18h00
Análise à proposta de Gustavo Sumpta para o 11º LAB
Espaço Re.Al
19 Março 2005
18h00
A proposta de Gustavo Sumpta assenta num pensamento psicológico sobre a dança e o movimento, em que o corpo funciona antes como mais um elemento e não tanto o instigador da acção. Por isso, será impossível dissociar o que o corpo do performer faz da forma como se relaciona e identifica com a matéria morta que são os materias que usa.
No lugar do performer encontramos, por isso, Gustavo Sumpta-o homem, um pouco na ideia do que Rui Catalão defende na folha de sala: 'o actor, o intérprete e o performer são apenas as etapas - dir-se-ia sacrificiais, ou pelo menos bastante tormentosas - porque ele teve de passar para chegar ao trabalho final, que é o trabalho acabado (ou melhor: apresentado).'. Será por isso que o criador se passeia por entre os espectadores, recusando assim uma separação entre o antes e o durante. Ou, se quisermos, levando ao limite a apresentação do trabalho como uma extensão natural da sua vida. Sem fronteiras, sem barreiras, sem juízos.
O próprio espaço é descarnado da sua função de laboratório. Foi-lhe retirado o linóleo, expondo, assim os estrados e uma ideia de construção. O que o criador apresenta é, no limite, uma proposta que procura preencher um espaço que se oferece como lugar de experimentação. E suportando-se num equilíbrio de forças que mais do que cedência, antes propõe um trabalho de co-criação.
Esta é, por isso, uma proposta de observação em que importa mais saber perceber que o que fazemos pode ter uma dimensão coreográfica inerente, mas que essa não é a única leitura possível. Assim, todos os gestos simples e metódicos que Gustavo Sumpta apresenta confluem para um discurso que pensa o auto-controlo e a precisão coreográfica.
Será por isso que podemos considerar que os materiais mortos que utiliza (embalagens de mortalhas e traves de madeira) não são mais que materializações de ideias e pensamentos que conseguiram ultrapassar a passividade dos gestos e a neutralidade do olhar.
Nesta proposta de 'gesto pelo gesto', o performer entrega-se a uma coreografia do pensamento que se permite a uma variedade de interpretações sobre o que apresenta. Dessa forma, cada mortalha que retira da caixa estará associada ao que estiver a pensar. E isso deixa quem vê na posição de desenvolver considerações e a querer ver intenções sobre a forma como as deixa cair no chão, para onde olha, quanto tempo demora entre cada gesto... O que quer que seja que Gustavo Sumpta pense entre cada gesto, prende-se mais com um discurso global sobre a função de uma coreografia do que com uma justificação efémera e finita.
No segundo momento desta proposta sobre a resistência, o criador segura uma tábua entre a parede e uma marca no chão que a prende. Ao subir pela tábua acima e depois descer, pegar noutra, passá-la para a marca seguinte e assim sucessivamente, Gustavo Sumpta desenha no espaço uma ideia de percurso interrompido. Seja porque esperamos essa interrupção através da queda ou porque nunca caminha em todo o comprimento da tábua.
De qualquer forma, os movimentos ficam internamente ligados à resistência das tábuas. Estabece-se assim uma co-criação (co-dependência?) com um imaterial, para com ele desenvolver um processo de descoberta do seu controlo e capacidade de domínio sobre o corpo e os seus próprios objectos. Ao longo destes movimentos repetidos e mecânicos, vamos sentindo o avançar dos esforços e a forma como parece querer recusar qualquer tipo de emoção e envolvimento com o que faz.
Gustavo Sumpta parece querer encontrar entre os objectos que utiliza um refúgio para o corpo e o pensamento, fazendo das obras um espaço de reflexão sobre a importância de cada elemento no resultado final. Mas isso não significa uma qualquer separação entre quem vê e quem faz. Antes devolve ao espectador uma naturalidade na observação, despojada de interpretações. O performer procede assim a um trabalho sobre a forma como transmitimos/recebemos uma ideia. E de tão individual que é que se torna pessoal e intransmissível. Como o olhar. E a vida.
Outras propostas apresentadas no 11º LAB e analisadas neste blog:
Cláudia Dias
Tiago Guedes
Mário Afonso
Próxima apresentação:
Ana Borralho e João Galante
30 Abril 2005
18h00
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