sábado, janeiro 29, 2005

Fim de semana

Este blog fecha para fim de semana e vai a Coimbra. Até depois, camaradas.



Mais um dia...

... mais uma sondagem. Desta vez o PS já ganha com maioria absoluta e o BE volta a ficar em 5º. As sondagens (enquanto for possível fazê-las) já não valem o que valem. Valem tudo.

Que coisa pá. Ainda se falassem dos programas políticos. Agora isto das sondagens já cansa. Afinal as pessoas dizem que vão votar neste ou naquele baseadas em quê? No tamanho das p... dos egos?

sexta-feira, janeiro 28, 2005

Helena Almeida

A fotógrafa vence o prémio BESPhoto 2004.



Sobre a exposição Pés no Chão, Cabeça no Céu, ver aqui.
Sobre o espectáculo de João Fiadeiro, I am here, ver aqui.
Faça você mesmo

Quando o João O. me disse que ia postar uma coisa no Renas que eu ia adorar, achei que era qualquer coisa contra uma qualquer companhia de teatro, ou um insulto ao Santana Lopes, ou melhor, um contrato maravilhoso que me permitiria ir para Berlim. Nada disso... era coisa muito melhor.

Assim, postou qualquer coisa como um questionário-confesso e atirou-me (a mim e a outras três almas) contra a parede. Fica aqui a resposta ao desafio e a minha oportunidade de fazer o mesmo.

1. HAVE YOU EVER USED TOYS OR OTHER THINGS DURING SEX?

Não. Foi sempre tudo muito normal. Intenso, mas normal. Mas já se enganaram no meu nome e eu já adormeci durante a coisa. Isso conta?

2. WOULD YOU CONSIDER USING DILDOS OR OTHER SEXUAL TOYS IN THE FUTURE?

O mais possível. Até já pedi conselhos ao Pedro efe. Para a semana vou tratar disso. É que ainda não recebi o salário mensal.

3. WHAT IS YOUR KINKIEST FANTASY YOU HAVE YET TO REALIZE?

Ser amarrado. Isso ou acabar de vez com alguns subsidiodependentes.

4. WHO GAVE YOU THIS DILDO?

O darling João O. e o Cachucho

Os meus nomeados são:

Pedro efe
Farpas
Pastelinho de Belém
Mindtrap

consta que não podem quebrar a corrente ou há consequências.
Volte-face (versão revista)

O Marco aka Douro Boy era, afinal, coisa recriada. Chama-se Tiago Videira e tem um novo blog, chamado Musicólogo. Ele até já tinha comentado neste meu blog e agradecido todo o apoio que lhe tinha dado, mas eu não me conseguia lembrar de onde o conhecia, ou que apoio lhe tinha dado. E hoje que regressei ao Douro Boy, para saber que tinha acontecido ao rapaz de Pinhão que se batia pela sua sexualidade, descubro que foi tudo uma recriação. A história do "Marco" foi condensada em meses, em vez dos anos que durou. Mas há outras que continuam.

Parabéns Tiago. Vais já para a lista da direita.
É favor ler, de fio a pavio, o drama em Pinhão.
Maravilhoso.
Scottish Instinct

Via Pedro Efe, chega-me o último anúncio da William Lawson. Nico Vandersmissen, Sharon Stone e um cruzar de pernas... So many things, so little time.




Download aqui
Oficialmente

Se o governo não tivesse sido demitido, razões não faltavam para o ser todos os dias. A ler, hoje no PÚBLICO (link não disponível) o comentário da editora Bárbara Reis ao desmazelo da Ministra da Cultura, Maria João Bustorff, acerca do fim das investigações sobre o roubo das jóias da coroa em Haia.

Um e-mail também é informação oficial

por Bárbara Reis

Maria João Bustorff, ministra da Cultura e provável deputada pelo PSD do futuro parlamento, emitiu um comunicado na quarta-feira, em resposta à notícia do PÚBLICO da suspensão das investigações do roubo das jóias da coroa portuguesa, para dizer que "o Ministério da Cultura não foi informado oficialmente". O escudo do "oficial" serviu apenas ao Ministério da Cultura para não dizer nada sobre o que era uma notícia importante: os holandeses deram a investigação como fechada, ou seja, deram as jóias como perdidas, não há pistas a seguir.

Mas o que é uma "informação oficial"? Um documento lacrado enviado por um mensageiro num cavalo branco? Há anos que a informação institucional se tornou mais informal e fluida. "Uma comunicação oficial até pode ser um e-mail", disse ontem, sem hesitar, o diplomata Botelho de Sousa, director do gabinete de Informação e Imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Portugal não vai recuperar o castão e bengala de D. José I com 387 brilhantes nem o diamante de 135 quilates com nada do que a ministra Burtorff possa dizer. Mas não faria mais sentido dizer aos portugueses - a quem as jóias, afinal, pertencem - qualquer outra coisa, nem que fosse que o Estado lamenta que as investigações não tenham tido sucesso e que, nestes dois anos, o Ministério repensou apolitica de empréstimo das jóias da coroa e aprendeu lições? Nada disto, claro, é surpreendente, é estratégia dos três "c" - ficamos "calados" porque os jornalistas são uns "chatos" que só levantam questões "cretinas" - é regra nas instituições portuguesas. Se o roubo tivesse sido na China, o contraste não era tão óbvio. Mas foi em Haia e quando se passeia nas cidades holandesas, vê-se sempre o que se passa dentro das casas - e em Portugal a regra são as cortinas fechadas.

A 3 de Dezembro de 2002 - dia a seguir ao roubo - as duas conferências de imprensa dadas em Lisboa e em Haia sobre o roubo não podiam ter sido mais diferentes. Na de Lisboa, estavam o então ministro da Cultura Pedro Roseta, a directora do Palácio Nacional da Ajuda (há mais de 20 anos) Isabel Silveira Godinho e o então presidente do Ippar, Luís Calado, e nada de concreto foi dito porque, justificaram, seguiam instruções da Interpol. Em Haia, porém, Bert Molsbergen, director do museu onde o roubo se deu, informou a imprensa, entre outras coisas, que as jóias portuguesas eram - de todas as roubadas - as mais valiosas, e revelou o valor do seguro português: 6,5 milhões de euros.

Dois anos depois, com nova ministra na Cultura, nada mudou. A Holanda anunciou o fim da investigação e disse que informou o Estado português há dois meses, e Bustoríf não comentou a notícia quando o PÚBLICO ligou (desde as 9h30 até às 20h30). E, três dias depois, insiste que não tem nada para dizer. Porque não sabe "oficialmente".


Notícia no PÚBLICO que contextualiza o comentário de Bárbara Reis.
A arquitectura deve desenhar apenas o essencial

Custa a acreditar que o mesmo homem que desenhou os absurdos interiores dos Armazéns do Chiado em Lisboa, tenha pensado a maravilha que é o Estádio Municipal de Braga, Prémio Secil de Arquitectura 2004. O prémio é entregue hoje. Custa a crer, ainda, que precisámos do Euro 2004 para o fazer.






Sobre Eduardo Souto Moura
Imagens do processo de contrucção
Imagens do filme de Edgar Pêra sobre o Estádio Municipal de Braga
Sporting Club de Braga
Ensaio

A ler com atenção o estudo de João Canavilhas, da Universidade da Beira Interior, sobre os blogues políticos

Blogues políticos em Portugal: O dispositivo criou novos actores?

via Portugal dos Pequeninos

O ciclo da vida

A ver e ouvir

http://koti.welho.com/alaari/lodger/

quinta-feira, janeiro 27, 2005

Auschwitz



direitos reservados: Pedro Vieira

60 anos é muito pouco tempo para se esquecer.
Triste país

o nosso.
Que não activa o estado de emergência para as regiões afectadas pela seca. Mas deixa-se entreter por folclores de rezas e procissões. Triste país o nosso que tem que apelar a deuses invisíveis para o salvar da ingerência dos governantes.
Seis seguidas


Pieter Wiespelwey
6 suites para violoncelo, Bach

para uma tarde de escrita
esgotado em Portugal :D
Blogs eleitorais

Quem quiser fazer um belo post sobre os blogs dos partidos políticos, disponibilizados pelo sapo (PS, PSD, PP, PCP), pode enviar para o mail do anjo (o_melhor_anjo_@aeiou.pt) e publicar-se-à. A mim, falta-me o tempo, mas não queria deixar passar em branco a oportunidade.
Agradece-se.
A teia da aranha

(Análise ao espectáculo .mostra, encenação Maria Gil, a partir de motivos de Gao Xingjian)



A proposta de Maria Gil constrói-se a partir de uma urgência criativa e de uma necessidade de testar certas propostas junto do público e dos próprios criadores. Trata-se de permitir ao processo de criação um tempo de paragem e reflexão, contribuindo assim para o desenvolver de algo mais definido, menos "sujo" e mais próximo do que quer dizer. Chamam-lhe devise-show.

Não se tratando de um objecto definitivo, .mostra pretende, contudo, ser um objecto que valha por si e, ao mesmo tempo, ponte para outra coisa maior. Até radicalmente oposta. O que o conjunto de criadores (encenadora, dramaturgia, actores, músicos, videasta, cenógrafo, figurinista) apresenta, procura entender o significado de determinados pretextos na construção de um objecto artístico, esticando os limites desses mesmos pretextos.

Essa coisa maior é a adaptação do texto Au bord de la vie (Na Margem da Vida, tradução de Diogo Bento), do Prémio Nobel da Literatura 2000, Gao Xingjian, a acontecer no final de 2005. .mostra pretende partir não do texto em si, mas das ideias que o próprio texto sustenta. E, sobretudo, aquelas que forem ao encontro do universo pessoal e referencial da criadora e parceiros de investigação. No caso concreto, a condição da "mulher em ruptura", tema suficientemente ambíguo para permitir o barroco e a abundância, logo a necessidade desta "paragem".

Desenvolvendo-se como um exercício de manipulação textual e visual, o conjunto de proponentes testa uma reflexão sobre a influência da mulher no seu próprio quotidiano. Perceber, no fundo, o que há de si em cada gesto que faz, permitindo uma construcção a partir do interior do pensamento feminino.

Nesse sentido, o trabalho plástico de Pedro Silva obriga actores, violoncelista e público a partilharem um espaço mínimo. Espaço esse que é lugar para um discurso de auto-contemplação, como são todos os que abordam a temática do amor (seja o excesso ou a falta). O espaço da Galeria Bento Martins é assim cortado em quatro partes, divididas por um corredor branco. Sara de Castro (num registo demencialmente comovedor) serve de cicerone no seu próprio cérebro, conduzindo o espectador pelas "zonas" devidamente cenografadas. Em cada uma dessas zonas, o espectador é confrontado com estados de espírito que podem ajudar a uma definição da situação em que essa mulher se encontra. Uma situação plena de fantasmas, recorrências, alusões e memórias sobrepostas. Um universo confuso e pouco definido. Sobretudo sufocante.

Em cada um dos espaços, Pedro Silva coseu as paredes e o chão com fio vermelho, criando uma ideia de teia de aranha que pode remeter para o trabalho pictórico-libertador de Frida Kahlo, mas que está mais próximo de uma leitura feminista castradora. Assim, metaforiza-se sobre a ideia da aranha estar presa na sua própria teia. Ideia ainda presente na manipulação do texto de Gao Xingjian misturado com outros de Luíza Neto Jorge, Mário Cesariny e dos próprios criadores. O conjunto de textos que serve este devise-show assenta numa ideia de procura de um estado de equilíbrio anterior a este "ponto de ruptura"; um momento onde se pudesse reconhecer o controlo desta mulher sobre as situações, sobre os outros... sobre si mesma. No caso do texto de Gao Xingjian, a mulher em causa falava sozinha e sobre si sempre na terceira pessoa, a proposta neste espectáculo é o de dividir o discurso entre a mulher e o marido (ou o seu fantasma; ou a memória que ela têm dele), obrigando-a, assim, a um confronto com o seu próprio discurso. Transforma-se em observador e observada. É a aranha e a mosca.

É, por isso, um trabalho que reflecte uma ideia de fé e de missão, já que pressupõe-se procurar a libertação desta mulher. Algo que a salve de si mesma. Daí não ser a despropósito que a actriz esteja descalça e encaminhe os espectadores como se de uma procissão se tratasse. Sobretudo na parte final, quando se percorre o corredor branco do início, ao ritmo da canção-tema que se repetiu ao longo da apresentação.

Claramente apostando no incómodo que pode ser a excessiva proximidade entre público e intérpretes, .mostra desenvolve-se num exercício de confrontação e auto-exposição que não aparenta fuga possível. Nem para a mulher nem para os espectadores. Esteticamente envolvente, a proposta ressente-se de uma necessidade de auto-justificação, sobretudo pelo excesso de texto, que oprime os outros elementos (cenografia, figurinos, vídeo e música). E esse factor reflecte-se na forma circular e repetida em que se desenvolvem as acções em cada uma das "zonas". É possível prever-se, com antecedência o que vai acontecer.

Mas, atendendo a que é uma proposta em desenvolvimento, .mostra prenuncia um cuidado e uma fragilidade que podem tornar a aposta da encenação do texto de Gao Xingjian num objecto singular. É, para já, um bom ponto de partida.

.mostra

direcção Maria Gil apoio dramatúrgico Diogo Bento interpretação Sara de Castro e Tiago Barbosa música Marco Batista e Marina Hasselberg figurinos Catarina Varatojo cenografia Pedro Silva videasta e sonoplastia Pedro Paiva desenho e operação de luz Paulo Cunha apoio técnico Rita Trindade design gráfico Pedro Alves produção Maria Gil co-produção teatromosca

GALERIA BENTO MARTINS [Ed. Junta Freguesia Carnide] 12 Janeiro 2005 às 22h, 13, 14 e 15 Janeiro sessões às 21h e 23h Casa de Teatro de Sintra 28 Janeiro 2005 22h e 23h30


Poética do quotidiano: especial coming out (I)



O Gonçalo, do FishKid, enviou a sua colaboração para a edição especial da poética do quotidiano inteiramente dedicada à questão do coming out. O prazo de entrega acabava ontem, mas decidi estender a iniciativa ad infinitum. As regras de participação, bem como as razões e objectivos da iniciativa podem ser lidas aqui.

Coming-out's… Assunto difícil, para um puto encafuado no armário…
Depois de pensar, achei que, a falar, tinha que ser sobre o pouco por que já passei (e que mesmo assim parece tanto!) e sobre o resto que vou conhecendo!

Vem assim, primeiro, aquela que me parece a mais fundamental etapa por que passei… Assumir-me a mim mesmo! Olhando para trás, vejo sinais claros da minha orientação sexual desde criança, nas brincadeiras e jogos que fazia! Na altura não o via assim, claro, e quando comecei a achar que podia ser "diferente", entrei em negação… Sabia que era gay, mas só o aceitei depois do meu primeiro namoro!
Mas ainda faltava muito… E uma coisa eu começava a perceber: neste percurso, o elemento mais essencial é, possivelmente o apoio que temos! Assim, conforme começava a conhecer um pouco mais "o meio LGBT" e conhecia pessoas "como eu", comecei também a fazer amigos e a perceber a importância destes!

Assim, achei estar na hora de me assumir a uma amiga minha, em quem sabia poder confiar… Tentei… Mas tudo pareceu, subitamente, tão difícil… Não consegui! Mas também não desisti! Podia não ser directamente, mas com Queer as Folk, Rufus Wainwright e o "Salto Mortal" (Marion Zimmer Bradley), acabei por lhe dar pistas para, sozinha, chegar ao que eu não lhe conseguia dizer…

Não é que não se possa viver sem se ser assumido… A vida acaba é por não saber ao mesmo! Não poder falar de gajos bons… =P Não poder desabafar quando estamos em baixo:/ Não poder falar à vontade…

Aos poucos, espero conseguir continuar, não me ficar por este pouco que consegui e que, mesmo assim, me sabe já tão bem^^ Não sei como vai correr, só sei que, com quem valer a pena, vai de certeza correr tudo bem;)

(dedicado ao Verdadeiro Eu e à gUidita "com muitos bjs de quem os adora^^")


pUtoFisH a.k.a. Gonçalo

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Pensar e escrever as artes performativas


Sinais de Cena


Artinsite

Os últimos meses de 2004 acrescentaram ao pensamento e reflexão sobre as artes performativas, dois novos espaços no plano editorial. Nomeadamente revistas: Artinsite (Julho 2004), editada pela Transforma - Associação Cultural, uma estrutura de produção e criação sediada em Torres Vedras e Sinais de Cena (Junho 2004), apresentada pela Associação Portuguesa de Críticos de Teatro (APCT).

Estas duas propostas chegam com a vontade de iniciarem um discurso crítico e atento sobre o que se faz e pensa, dirigido não só a quem cria, mas também a quem recebe. As duas revistas, porque permitem diferentes pontos de vista, podem ser lidas em conjunto. Não só porque dessa leitura conjunta resultará uma abordagem mais abrangente do que se vai passando no plano cultural, mas porque permite uma confrontação entre quem faz e quem analisa. Assim, a revista Artinsite propõe um "espaço de confluência de teorias e práticas, oriundas dos mais diversos campos do pensamento e práticas da contemporaneidade" (p.4), procurando "contribuir para fixar discursos e práticas, numa zona de cruzamento entre a criação artística contemporânea, os estudos artísticos e as ciências sociais" (p.6). Já Sinais de Cena aposta num "espaço editorial próprio para o debate teórico, a investigação histórica, o juízo crítico, a problematização da relação do teatro com outras formas de arte e repercursões na própria qualidade das artes cénicas" (p.9).

Ambas funcionam como extensões do trabalho dos seus editores, sendo mais aguda e urgente a necessidade da APCT, já que o espaço para a crítica e o estudo teatral escasseia nos jornais e menos ainda nos outros meios de comunicação social. Sinais de Cena é, assim, e ao contrário da Artinsite, um objecto útil sobretudo para a pesquisa documental e para a compreensão do papel e responsabilidades de quem pensa e observa o teatro. A revista editada pela Transforma funciona mais como um contributo para uma discussão no presente do futuro das artes performativas. Uma e outra completam-se no estabelecimento de pontes entre os objectos teatrais, o quotidiano, a urgência criativa e a procura de linhas estruturais para a compreensão do teatro que se faz em português.

A revista Artinsite procura uma proposta de fixação de projectos ou de processos, no que isso representa de estabelecimento de um diálogo, em primeiro lugar, consigo mesmo enquanto criadores/produtores, mas também com quem observa/reflecte/recebe/participa. Neste primeiro número convêm destacar os casos de "Protocolo", de Vasco Araújo, (pp. 88-99), uma "intervenção visual e literária" (p.5) a partir do livro «A Rapariga Dinamarquesa», de David Ebershoff, que já tinha sido experienciada pelo próprio criador em 2003 numa instalação homónima e toma aqui um formato diarístico; do dossier dedicado ao projecto "Relvinha cbr_x" (pp.30-73), uma intervenção multidisciplinar num bairro social em Coimbra e que com a inclusão na revista Artinsite força um conjunto de regras inerentes ao trabalho de site-specific. Nomeadamente a reflexão no momento e observação dos efeitos imediatos do gesto no local. A aposta neste dossier leva os criadores da revista a porem à prova um dos leit-motivs do site-specific enunciados pelo artista plástico Richard Serra: "to remove work is to destroy work".

Desta forma, a revista funciona como um objecto externo consciente da sua incapacidade de percepcionar todas as dimensões do objecto teatral desenvolvido, propondo antes uma reconstrução baseada num cruzamento entre expectativas e conquistas, como se quisesse ser uma hipótese de agente aglutinador. Não pretende entrar dentro do projecto ou fazer parte dele, mas antes absorver a experiência. Para um futuro tratamento. De salientar ainda a proposta "Mapas" (pp. 127-145), um desafio conjunto da Transforma e da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, centrado no trabalho de um criador. No caso, o coreógrafo/bailarino Miguel Pereira que vê assim o seu percurso artístico contaminado por uma tentativa de "promoção do diálogo entre as diversas disciplinas [...], debruçando o seu olhar sobre as práticas artísticas que, pelo seu carácter experimental, traduzem uma atitude crítica e reflexiva acerca dos diversos contextos com os quais se relacionam" (p.130).

Mas enquanto a Artinsite propõe reflexões que correspondem a uma série de novas questões (ou apropriação de outras ciências) para o estudo e abordagem das artes performativas, a Sinais de Cena promove uma fixação de práticas e discursos, centradas, sobretudo, nos objectos teatrais e dando-lhes uma dimensão finita. Ou seja, aborda o teatro numa perspectiva de análise e crítica, organizando um universo e um tecido, nem sempre visível. Apostanto num equilíbrio entre os estudos de teatro, o levantamento de bibliografia recentemente editada ou a crítica de alguns espectáculos, a revista serve ainda como um novo fôlego para o relançamento da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro (APCT). Por isso, uma grande parte da revista é ocupada com os ensaios críticos sobre o percurso artístico dos distinguidos pelos prémios da crítica em 2003 e atribuídos no final do 1º semestre do ano passado (pp. 11-37). Dá-se, assim, em casa própria, espaço para a compreensão das razões, motivos e linhas estruturantes que compõem o discurso de alguns dos membros da APCT. Logo, as abordagens com que poderemos contar nos números seguintes.

Podemos considerar como hipótese de um certo diálogo entre as duas revistas, o caso dos novos projectos que vão surgindo no plano teatral, no que isso reflecte de afirmação (ou tentativa de) desses projectos. De alguma forma o texto de Cláudia Madeira sobre a hibridez performativa (Artinsite, "E no céu, de hoje, que nuvens há?", pp. 102-107) observa essa necessidade de se começarem a identificar e fixar alguns comportamentos e discursos, não em nome de uma catalogação, mas antes um lançar de propostas de discussão. Nesse aspecto atente-se, nomeadamente, a análise crítica de Mónica Guerreiro ao trabalho de Rogério Nuno Costa (Sinais de Cena, "A Dramaturgia do eu na vida de todos os dias", pp.84-86) e a reflexão deste criador (Artinsite, "Objecto sensível em 9 partes", pp. 118-127) acerca de uma das suas linhas estruturantes: o regime de criação site-specific como "leitura entre o lugar, o objecto e o espectador" (Artinsite, p.6). Oferece-se ao espectador-leitor uma hipótese de reforço de crença na ilusão teatral, nomeadamente através do estabelecimento de alguns fios condutores na obra de Rogério Nuno Costa, não como sentido de perda de inocência, mas capacidade de reconhecimento dos vários níveis de leitura propostos pelo criador. O mesmo se passa com o caso do trabalho de Miguel Pereira ou a entrevista feita por Maria Helena Serôdio, João Carneiro e Mónica Guerreiro a Pedro Penim sobre o Teatro Praga (Sinais de Cena, "A responsabilidade máxima do actor", pp.49-59), todos eles citados por Cláudia Madeira.

O exemplo destas duas revistas (ambas a procurarem ainda o seu modelo, no que isso revela de frágil mas estimulante) serve bem a necessária discussão sobre o sentido da existência de suportes formais para a fixação de objectos inerentemente efémeros. Contribui-se, assim, (espera-se) para uma real discussão do papel e responsabilidade de todos na construção de um imaginário cultural colectivo. Sobretudo se quisermos considerar que a utilização de um suporte não efémero pode implicar uma contradição nos processos criativos dos próprios objectos (a questão da efemeridade, por exemplo) e a imposição dos discursos de quem observa/recolhe/edita/pensa a arte performativa. Mas devem, ainda assim, proceder à observação de um tecido teatral e performativo, nem sempre atento aos pontos comuns que procedem à urgência criativa. Em parte responsabilidade dos próprios criadores, presos a uma individualidade nada benéfica. E é através dessa "armadilha" desenvolvida pelos criadores que quem edita revistas deve saber perceber o que é uma influência (ou relação de dependência) entre quem produz um discurso criativo e quem fixa uma realidade teórica. Mais não seja para evitar as desvantagens frágeis de propostas epigonais. Mesmo que isso implique o sacríficio de quem as faz. Que é bastante atendendo ao mercado em que se inserem.

Título: Artinsite nº 1 - verão 2004
Edição: Transforma - Associação Cultural, 216 pág.
Preço: 7.50€

Título: Sinais de Cena nº1 - Junho 2004
Edição: Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, 138 pág.
Preço: 12 €


A lei dos amantes (58) / Poética do quotidiano (LXVII)

Home alone

Depois de arrumar tudo deixou-me, ensimesmado, no sofá solitário da sala.
Sibilou:
-Começou a chover. Já arrumei quase tudo. O resto… O resto não me faz falta. Fica cá.

courtesy of Francisco (Daedalus)
Harry Potter

Pela mão dos meninos do De Puta Madre, chega-se ao Moscow in Paris. E chegados lá, encontramos isto



may his soul rest in peace.
PoNTI' 04 (III)

Jogos duplos, espelhos e objectos invisíveis (III)

Traços comuns no fim de semana de inauguração do PoNTI '04
(Conclusão)

Teatro de Papel/Anfitrião



A última proposta oferecida pelo Po.N.T.I. '04/13º Festival da UTE, Teatro de Papel/Anfitrião (16 Novembro, Salão + ou - Nobre, Teatro Nacional S. João), remete nitidamente para outro espectáculo Anfitrião ou Júpiter e Alcmena que seria apresentado dias depois (24 e 25 Novembro, Teatro Nacional S. João), não só porque se trata da "versão original" desse, mas ainda porque desenvolve uma estimulante ponte entre os dois. Afinal, qual é o verdadeiro anfitrião, pergunta Alcmena quando se vê confrontada. Tal como nós, espectadores, sem sabermos qual dos dois seguir. Porque o texto de António José da Silva foi feito para o seu teatro de bonifrates e o TNSJ permite o confronto.

Contudo, um e outro são autónomos. Porque este texto se reporta aos espectáculos apresentados no fim de semana de inauguração do festival, e mesmo que se tenha visto o outro, aquando da estreia , importa aqui dar conta do brilhante exercício de ilusão que o Teatro das Formas Animadas de Vila do Conde desenvolve. Trata-se, afinal, de um teatro dentro do teatro. Não só porque a história do Judeu trata de enganos e representações, mas porque ao espectador é oferecida a oportunidade de se olhar como espectador-outro. No teatrinho de madeira que instalaram no Salão + ou - Nobre do TNSJ, surgem formas animadas, sons e efeitos que transportam quem vê para um universo meio onírico e fantasioso, afinal, ao nível das personagens de Anfitrião.

Ainda que se compreenda a necessidade de respeito pelo texto, mais não seja porque o público a que destina seja predominantemente infantil (coisa que não respeita o princípio original da existência do texto), acusa excesso de palavras que, acompanhadas por sotaques a fazerem as vezes de diferenças de personagem, imprimem ao espectáculo um peso e uma violência que deixa o espectador esgotado. Ainda assim, a velocidade e a técnica são impressionantes e deixam de lado qualquer possibilidade de análise mais séria. Afinal, também os espectadores (e os críticos) se deixam levar pelo engano de Júpiter e crêem no que assistem, sem questionar. Ou então procuram ser inocentes.

Seria curioso comparar se com esta apresentação de Anfitrião, as personagens feitas pelos bonecos se aproximam mais do texto de António José da Silva, ou seja se cumprem melhor os propósitos que os colegas de carne e osso. Há quase o desejo de pedir que na confusão final, bonecos e actores se misturarem para mostrar, afinal, qual é o verdadeiro Anfitrião.

Teatro de Papel/Anfitrião
co-produção >> TNSJ, TFA – TEATRO DE FORMAS ANIMADAS DE VILA DO CONDE para o PoNTI‘04
a partir de >> ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA (O JUDEU) criação, encenação e interpretação >> MARCELO LAFONTANA, VICTOR MADUREIRA, ANDREIA GOMES dramaturgia >> MARCELO LAFONTANA, JOSÉ COUTINHAS cenografia, marionetas e adereços >> LUÍS DA SILVA música original >> EDUARDO PATRIARCA desenho de luz >> RUI DAMAS projecto de construção do Teatro de Papel >> ANA LOUREIRO construção de marionetas e elementos cénicos >> OFICINA TFA montagem de luz e som >> PEDRO CARDOSO costureira >> NATIVIDADE BRAGA

duração aproximada [1:00]

TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO (SALÃO + OU – NOBRE) 22 OUT [21:30] 23 OUT [10:00 + 12:00] 24 OUT [10:00 + 12:00] 19 NOV [11:00 + 16:00] 20 NOV [16:00] 21 NOV [11:00] 26 NOV [11:00 + 16:00] 27 NOV [16:00] 28 NOV [11:00] 03 DEZ [11:00 + 16:00] CASA DAS ARTES DE VILA NOVA DE FAMALICÃO (PEQUENO AUDITÓRIO) 26 OUT [11:00 + 17:30] CÂMARA MUNICIPAL DE MATOSINHOS (SALÃO NOBRE) 27 OUT [21:30] FÓRUM DA MAIA (GRANDE AUDITÓRIO) 28 OUT [11:00 + 14:00] CASA MUSEU TEIXEIRA LOPES/VILA NOVA DE GAIA 29 OUT [15:00 + 18:00]

Informações sobre Teatro de Papel/Anfitrião disponíveis no link Fora de Cena, do Teatro Nacional S. João

Outros espectáculos apresentados no PoNTI'04 e analisados neste blog:

Figurantes, encenação Ricardo Pais (Teatro Nacional S. João, Portugal)
mPalermu e La Scimia, encenação Emma Dante (Teatro Garibaldi, Itália)
Die Glasmenagerie + Zerbombt, encenação Armin Petras ( SchauspielFrankfurt, Alemanha)

Sobre o PoNTI'04 e o Seminário Internacional de Jovens Críticos de Teatro

Políticas culturais

No Barnabé, o João MacDonald, desconstrói os programas culturais dos partidos políticos para estas eleições. E propõe mesmo um nome para Ministro: Pedro Burmenster. A ler com atenção, aqui.

terça-feira, janeiro 25, 2005

PoNTI' 04 (II)

Jogos duplos, espelhos e objectos invisíveis (II)


Traços comuns no fim de semana de inauguração do PoNTI.'04
(continuação)

Die Glasmenagerie + Zerbomt

No aparente programa duplo da SchauspielFrankfurt, Die Glasmenagerie + Zerbombt (15 Novembro, Teatro Helena Sá e Costa), a questão que se poderia colocar de forma imediata tinha a ver com a relação que se estabelecia entre os dois textos, aparentemente anacrónicos. Não se tratava de uma "double bill", antes de um teste à capacidade de contaminação quer das obras dramatúrgicas, quer do próprio espectador em relação a elas.


Zerbomt

O teatro de Armin Petras baseava a relação Tennessee Williams/Sarah Kane (Jardim Zoológico de Cristal / Ruínas)não na justificação de uma certa intemporalidade da representação da violência, mas antes num jogo de espelhos que permitia, curiosamente, contextualizar melhor o texto de Williams que o de Kane. Apostando em mecanismos de alienação ou distância cénica, e utilizando o mesmo cenário (e o seu duplo), a proposta alemã procurava responder à difícil questão da representação da violência em palco, sobretudo encravada entre a teoria grega da não exposição e os novos limites impostos pelo hiper-realismo cinematográfico. Um e outro texto pareciam funcionar em coro quanto à necessidade de introduzir uma violência concreta para sobreviver ao anacronismo estabelecido com a psicologia interior dos textos. Esta encenação (numa espécie de up-grade emocional) não só apelava a uma ironia pós-moderna, devedora de Brecht mas ainda a um constante manipular das convenções teatrais, no que isso revela de apreensão dos conceitos de Herbert Blau quanto à adaptação dos clássicos.

Mais do que uma leitura contemporânea e universal, os dois textos não se confundem, antes permanecem assentes na sua individualidade, fazendo dela a força matriz para o reconhecimento dos pontos em comum. Não se tratava, por isso de Tennessee Williams transvestido de Sarah Kane ou o seu contrário. Ambos os textos se misturavam sim, mas na sua génese. Ou seja, na forma como, devidamente contextualizados no modo e tempo de produção, reflectiram sobre os limites da cedência. No amor, no trabalho, na vida. Algo que permite até aludir a uma moral cristã. Qualquer coisa como "não faças aos outros o que não queres que te façam a ti".


Die Glasmenagerie

Pleno de referências a outros autores e métodos (desde Harold Pinter a Shakespeare e até Rainer Werner Fassbinder), a proposta de Armin Petras surpreendia pela extrema coerência afirmativa e pela forma como através de uma encenação realista (no que se pode chamar de realismo a uma encenação) depressa transformava uma aparente farsa num espectáculo seco e emocionalmente instável.

Num conflicto entre os métodos dos dois autores, Armin Petras estabelecia os propósitos da criação de um terceiro universo, que apostava na reacção do espectador para ser definido. Um universo em que o humor era utilizado para imprimir uma relação emocional com o texto, numa espécie de relativização dos problemas. Afinal, quer a mãe de Laura (no texto de Williams) quer a homem/vítima maior de Sarah Kane pareciam aceitar o mundo tal como lhes era apresentado.

E depois disso, fazer o quê?

[Die Glasmenagerie] | tradução    JÖRN VAN DYCK elenco    HILKE ALTEFROHNE, SUSANNE BÖWE, OLIVER KRAUSHAAR, ANDREAS LEUPOLD
duração aproximada    1:30

[Zerbombt] | tradução    NILS TABERT elenco    HILKE ALTEFROHNE, OLIVER KRAUSHAAR, ANDREAS LEUPOLD
duração aproximada    1:15

encenação ARMIN PETRAS cenografia    SUSANNE SCHUBOTH | figurinos    BERND SCHNEIDER desenho de luz    MICHAEL BISCHOFF | dramaturgia   SIBYLLE BASCHUNG assistência de encenação    KERSTIN LENHART assistência de cenografia e figurinos    NORGARD KRÖGER técnicos de palco, luz e som    STEVE WAGNER, MARCEL HEYDE, MATTHIAS RÖSSLER adereços    USCHI TRELLA | maquilhagem   BERNHARD SPRINGER guarda-roupa    ULLA BIRKELBACH
produção    SCHAUSPIELFRANKFURT
estreia    [25SET03] SCHAUSPIELFRANKFURT (schmidtstrasse 12)

Outros espectáculos apresentados no PoNTI'04 e analisados neste blog:

Figurantes (encenação Ricardo Pais, Teatro Nacional S. João, Portugal)

mPalermu + La Scimia (encenação Emma Dante, Teatro Garibaldi, Itália)

Teatro de Papel/Anfitrião (encenação Marcelo Lafontana, Teatro das Formas Animadas de Vila do Conde/Teatro Nacional S. João, Portugal)

Sobre o PoNTI'04 e o Seminário Internacional de Jovens Críticos de Teatro
PoNTI' 04 (I)

Após a apresentação do texto sobre o espectáculo FIGURANTES, e com a publicação no novo número do jornal do Teatro Nacional S. João (Porto) dedicado ao último PoNTI' 04/13ª Festival da UTE, de um outro texto sobre os espectáculos La Scimia e mPalermu, dá-se conta de todos as análises feitas no âmbito do Seminário Internacional de Jovens Críticos de Teatro. Encerra-se, assim, este dossier, disponível para consulta na coluna da direita. Disponibiliza-se, neste post, o referido texto, intitulado O atravessar do espelho no jornal, mas que aqui se apresenta com um título comum aos três posts.

Jogos duplos, espelhos e objectos invisíveis (I)

Traços comuns no fim de semana de inauguração do Po.N.T.I. '04

No fim de semana de inauguração do Po.N.T.I. '04/13º Festival da UTE apresentaram-se, aos espectadores, estimulantes jogos de memória e relações, criando uma teia entre os espectáculos que, se não os torna mais fortes, pelo menos, recusa a ideia de efemeridade normalmente atribuída ao teatro. Um jogo de espelhos e reflexos que, como dizia José Luis Borges, revelam muito mais a quem ousa aproximar-se deles. Quase nos fazem cair lá dentro. Tomemos como exemplo, o exercício de memória/reflexão proposto pelo programa duplo do Teatro Garibaldi (Itália), mPalermu (13 Novembro, Teatro Carlos Alberto) e La Scimia (14 Novembro, Rivoli - Teatro Municipal) , ambos encenados por Emma Dante.


La Scimia

Aparentemente convencional, o teatro de Emma Dante utiliza-se de processos biofágicos para aplicar uma exposição e se contradizer. De um lado temos a empatia criada com o espectador através da utilização do corpo como elemento dramatúrgico. Do outro a dificuldade em ultrapassar os tempos teatrais dados pela saturação dessa técnica. Num difícil equilíbrio entre objectividade e subjectividade, os dois espectáculos funcionam como lados de uma mesma moeda; até como diferentes representação da mesma realidade. Tanto mPalermu como La Scimia apropriam-se da convenção teatral, baseando-se na necessidade de acrescentar algo à realidade, devolvendo depois o objecto num aspecto quase irreconhecível. Ou universal, se quisermos. No fundo, o problema da família Carollo, em mPalermu, é o problema de um território encravado num país anacrónico... no fundo, de todas as micro-realidades sufocadas pelas suas particularidades.

E nesta leitura, que depressa se transforma numa parábola sobre a perda de identidade, há um desejo expresso de explodir e recusar a diversidade e singularidade como mero folclore cultural. Antes se aposta num trabalho de reflexão comportamental que insiste num envolvimento com o público baseado em gestos, movimentos e acções facilmente reconhecíveis. Ou seja, "olha-te ao espelho não para veres o que vês, mas o que recusas". E o sentido de libertação dessa outra ofegante realidade para a qual os empurram (a família Carollo, os habitantes de Palermo, os espectadores) toma um sentido especial de revolta e contrariedade quando se escuta a 5ª Sinfonia de Beethoven. Essa que o compositor dedicou a Napoleão quando ele era uma espécie de herói e logo renegou a dedicatória quando reconheceu o vilão. Assim, também mPalermu caracteriza aquelas personagens como gente que, mais do que dividida, se sente traída e abandonada. Inocentemente abandonada.



mPalermu

Já em La Scimia o que está em causa, mais do que ver o que o espelho mostra é o reconhecimento dessa imagem. Trabalhando uma ideia (bastante frágil e óbvia, aliás) do conflicto sexo/religião como um cartoon, Emma Dante desafia o espectador a reconhecer nos clichés a força das convicções. Para isso coloca em confronto três níveis de fé/crença: o do homem (que se divide pelos dois padres e as duas beatas), o do animal e o do espectador. Ou seja, o racional, o irracional/ausência de noção de fé e o da dúvida. Nesta abordagem aos limites da entrega religiosa é notória a importância que se dá às convicções de cada uma das partes, sendo que facilmente se sobrepõem. A figura do macaco funciona, então, como elemento de teste ou resistência, já que obriga a uma clarificação. É-se crente por natureza ou imposição? "O pecado inventou-o o homem", diz um dos padres, antes de rasgar o hábito e se entregar à força do animal que, sacrilegamente, subiu ao altar e se prostrou como Cristo.

Neste exercício de profanação, Emma Dante reage contra a opressão religiosa italiana e procura forçar a busca do Homem italiano para lá da religião, das imposições, das regras sociais, da indefinição, do ser-se porque sim. Ainda que se possa considerar que o trabalho de encenação aposta no uso da comédia para trabalhar esses conceitos, é fácil perceber que só através da exposição ao absurdo de tais convenções se atingem os resultados pretendidos. Cumpre-se, assim, a ideia de que a tragédia é a comédia com tempo, num registo que tem tanto de Meyerhold quanto de Brecht. Uma espécie de bonecos manipulados que devem ser obrigados a não aceitar sem questionar.

Os espectáculos mPalermu e La Scimia apresentam-se como um objecto único ciente da sua dimensão antropológica, ao mesmo tempo que tentam operar uma nova relação com o facilmente identificável da realidade italiana. Elementos comuns como a nudez, o corpo como elemento dramatúrgico, o texto a ser utilizado como ponto de partida para a discussão (imediatamente tornado abstracto, seja pela criação de uma nova linguagem ou pela apresentação de dialectos ausentes de tradução para o espectador estrangeiro) funcionam como teste para essas definições. Ora provocando ou integrando. Como se no fundo, não existissem diferenças. Daí se poder dizer que o teatro de Emma Dante é "convencional". Afinal, não deveria ser o teatro sempre assim?


mPalermu encenação    EMMA DANTE elenco    GAETANO BRUNO, SABINO CIVILLERI, TANIA GARRIBBA, MANUELA LO SICCO, SIMONA MALATO direcção técnica    CRISTIAN ZUCARO co-produção   TEATRO GARIBALDI (Palermo), UNION DES THÉÂTRES DE L’EUROPE, COMPAGNIA SUD COSTA OCCIDENTALE (Palermo)
estreia/opening    [11NOV01] TEATRO DELLE BRICIOLE (Parma)
administração de digressão    SANDRA GHETTIadministração    ORNELLA VANCHERI

La Scimia [O Símio] a partir de    TOMMASO LANDOLFI encenação   EMMA DANTE texto    ELENA STANCANELLI cenografia    MELA DELL’ERBA desenho de luz    TOMMASO ROSSIelenco    GAETANO BRUNO, SABINO CIVILLERI, MANUELA LO SICCO, MARCO FUBINI, VALENTINA PICELLO técnico   IGNACIO BORRAS LOZANO co-produção    CRT – CENTRO DI RICERCA PER IL TEATRO (Milão), TEATRO GARIBALDI (Palermo), UNION DES THÉÂTRES DE L’EUROPE, LA BIENNALE DI VENEZIA, COMPAGNIA SUD COSTA OCCIDENTALE (Palermo)
estreia   [28SET04] TESE DELLE VERGINI (La Biennale di Venezia)

Outros espectáculos apresentados no PoNTI'04 e analisados neste blog:

Figurantes, encenação Ricardo Pais (Teatro Nacional S. João, Portugal)
Die Glasmenagerie + Zerbombt, encenação Armin Petras ( SchauspielFrankfurt, Alemanha)
Teatro de Papel/Anfitrião (encenação Marcelo Lafontana, Teatro das Formas Animadas de Vila do Conde/teatro Nacional S. João, Porto)

Sobre o PoNTI'04 e o Seminário Internacional de Jovens Críticos de Teatro





segunda-feira, janeiro 24, 2005

Caixote do lixo

A arte tem destas coisas. às vezes acaba no caixote do lixo. Não deixa de ser uma leitura possível.

O Francisco dá conta de um caso no Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz: uma empregada de limpeza deitou para o lixo uma parte de uma obra em exibição. A obra de arte consiste num lavatório quebrado num dos lados e nos fragmentos espalhados pelo solo. Foram estes pequenos – e artísticos – cacos que a modesta funcionária postou no caos de uma qualquer lixeira figueirense.

No Diário de Notícias, de hoje, lê-se que três alemães que trabalham na recolha do lixo em Frankfurt foram "condenados" a frequentar um curso de Apreciação de Arte, depois de acidentalmente destruírem e incinerarem uma escultura de Michael Beutler, instalada numa rotunda daquela cidade.

Gostava de saber que diriam estes senhores do trabalho pictórico do colectivo argentino Mondongo (dobrada, em português), que trabalham com fiambre, bolachas, queijo ou restos de comida e compõem obras que vão desde retratos dos Reis de Espanha à pornografia. A descobrir mais aqui, ou na Casa da América, em Madrid.



Série Negra, 2004
Bolachas doces sobre madeira
100 x 90 cms




Série Roja 05, 2004
Plasticina sobre madeira
100 x 100 cms





Xanadu, 2004
Enchidos fumados e queijos sobre madeira
200x 250 cms


A lei dos amantes (57)

Ver aqui
O que eu não quero dizer...

Só dois políticos fabricados nos meios de comunicação social é que perderiam o tempo a desviar os assuntos que interessam para a falaciosa questão dos debates na televisão. O resultado de anos e anos de invasão, contaminação e transgressão dos limites de quem se propõe a votos é este: "eu não falo porque ele não fala".

Prova-se, assim, que se governa para os sound-bytes, as frases feitas e para o poder da imagem. Nunca a coisa assumiu contornos tão nítidos. E a caixa que mudou o mundo substitui a relação directa com os eleitores e a capacidade (a necessidade mesmo, a vontade, até) de fazer chegar ao número de eleitores possível as ideias e os conceitos para alterar o estado das coisas.

Refugiando-se numa ideia de não-debate, tanto PS como PSD refugiam-se, assim, de ataques e possíveis falhas, como se viu no caso de Francisco Louçã.

E o maior perdedor é, para já, José Socrates. Pode apontar-se o exemplo de Cavaco Silva, que também recusou debater. Mas no tempo de Cavaco a pressão mediática não tinha o efeito que tem hoje. Ou lhe dávamos a importância que hoje se dá.

Nunca a imagem teve tanto poder. E nos casos concretos, acabou mesmo por aniquilar a palavra. Esta campanha promete ser a mais surda de todas.

sábado, janeiro 22, 2005

A lei dos amantes (56)

Começar de novo
Populismos



Os últimos dias têm sido pródigos em informações inúteis e comentários abusivos que em nada dignificam uma campanha eleitoral tão importante como a que está em causa neste momento em Portugal.

O comentário de Francisco Louçã sobre a vida pessoal de Paulo Portas, mais não faz do que manifestar uma atitude burguesa e digna do pior liberalismo, que remete o Bloco de Esquerda e o seu dirigente para o gueto da má-formação e da falta de argumentos. Consegue, ainda, a proeza de pôr a defender a privacidade de Paulo Portas por quem não é seu fã. O que disse o dirigente bloquista é o resultado de uma atitude pouco digna de quem se bate pela consideração da opinião pública e tem contra si a fama de um radicalismo exacerbado, por vezes pouco condicente com os tempos da sociedade portuguesa. Francisco Louçã contribui, assim, para o descrédito do Bloco de Esquerda, já que permite uma comparação nada feliz com outros partidos que usam ataques pessoais para chegar aos seus objectivos. Ao se tornar "um entre iguais", o BE força o assumir de uma realidade que em nada o favorece. E pior, dá margem a Paulo Portas para desconstruir o discurso bloquista durante a campanha.

Outra notícia que entra na campanha é a da alegada relação entre José Sócrates e Diogo Infante, devidamente exposta na capa do jornal Tal & Qual, após notícia de um jornal brasileiro. O assunto que corria há várias semanas à boca pequena, toma agora dimensões de exposição num país alheio a qualquer nível de cultura e respeito pela vida pessoal de cada um. Este tipo de informações desnecessárias e ocas de razão, contribuem para o alimentar de uma invasão bulldozariana de terceiros na vida de cada um. Não está em causa o carácter, a dignidade ou a confiança do candidato do Partido Socialista, mas antes com quem ele mantém uma relação amorosoa? Alguém tem alguma coisa a ver com isso?

Que país é este que permite que tamanha afronta à privacidade de cada um seja exposta como se de uma piada se tratasse.? O país não ganha nada com isto. Mas talvez só se possa dar razão ao Bordalo Pinheiro. Portugal não se merece.


sexta-feira, janeiro 21, 2005

PSDL universitário

E em relação às propinas disse que pretendia propor aos alunos uma fixação do valor das propinas em 800 €, que poderiam ser a custo zero ao longo da licenciatura, mas amortizadas a partir do momento em que entrasse no mercado de trabalho. Para uma responsabilização de cada um. O que significava que, para quem não aceitasse, poder elevar a propina até aos 1500€.
PSDL cultural

No programa de apresentação do governo (que se espera não vir a ser), o inefável Santana Lopes falou durante quase uma hora. Ao minuto 46 disse: "em relação à cultura, queremos destacar uma medida que é aquela que vai fazer com que 1% dos orçamentos superiormente adjudicados, servirão para o restauro do património desses mesmos equipamentos". Mais tarde, e depois de outros temas, vários enganos, trocas de frases e um bailado de tira-óculos-põe-óculos, disse "queremos ainda acabar em 2008 com a rede de leitura pública". Acabar, leia-se, terminar a rede.
Dois lados da mesma moeda

A ler no Portugal dos pequeninos, uma observação sobre os "jogos florais" da ex-coligação e a letra do novo hino do PPD/PSDL. A questão é: e não se pode exterminá-los?
Serviços mínimos

Porque estou com visitas em casa, falta-me o tempo para escrever sobre o que quero. E não é assim tão pouco. Desde observações sobre a Lisboa turística aos tempos das relações; da conferência espanhola que deu o dito por não dito ao espalhanço do Bloco de Esquerda e ao encontro de teatro no feminino; da arte e das suas manifestações às campanhas para os Oscars; da homofobia reinante às análises de espectáculos... Há para todos os gostos... não há é tempo. Ora queiram desculpar.
Retirada em bloco

Para pena de todos, decidiram cancelar a actividade blogosférica, os blogs As Ruínas Circulares, Blogo, logo existo e Douro Boy. Assim sendo, retirei os respectivos blinks da coluna da direita. É estranha esta relação que estabelecemos com os bloggers desconhecidos e os seus blogs. Tornam-se parte do dia. Formam o nosso próprio blog. Mas há coisas que, às vezes, nos ultrapassam. E nesses dias o 'delete' é o botão mais próximo.
Que pena!
Para o Montaigne, em jeito de resposta

Caro,

agradeço a atenta e polémica participação. Obviamente que o meu interesse também vai para outros objectos estruturais. E até escrevo sobre eles, mas com menos regularidade. É que me falta o tempo (às vezes o engenho e a arte) para tantas coisas. Mas procurarei ser mais abrangente.

quarta-feira, janeiro 19, 2005

HIV/SIDA

No dia histórico em que a Conferência Episcopal Espanhola anunciou que o uso do preservativo é um mal menor para o combate ao flagelo que é o vírus do HIV/SIDA, e quando a campanha da ILGA começa a percorrer o país contra a indiferença, O Melhor Anjo dá apresenta abaixo as moradas dos Centros de Acoselhamento e Detecção Precoce do VIH/SIDA.

As consultas são gratuitas, anónimas e confidenciais. Para quê ter dúvidas, quando se pode ter a certeza? Já foste fazer o teu teste de despiste?

Aveiro
Centro de Saúde de Aveiro
Praça Rainha D. Leonor
3810 Aveiro
Tel: 234 378 650
Horário: 2ª á 6ª, das 14h às 17h

Beja
Centro de Diagnóstico Pneumológico de Beja
Rua Rainha D. Amélia, nº 2
7800 Beja
Tel: 284 311320 (ext 227)
Horário: 3ª Feira, das 14h às 17h; e 5ª feira, das 9h às 16h

Braga
Largo das Carvalheiras, nº 52
4700-027 Braga
Tel: 253 271684
Horário: 2ª,4ª,6ª feira, das 9h às 13h

Bragança
Instituto Português da Juventude
Rua Oróbio de Castro
5 300 Bragança
Tel: 273 333989
Horário: 2ª,4ª feira, das 10h às 19h; 3ª feira, das14h às 19h; 5ª feira, das 10h às 16h

Castelo Branco
Centro de Diagnóstico Pulmonar
Rua Amato Lusitano, nº 25
6000-150 Castelo-Branco
Tel: 272 324973/4
Horário: 2ª à 6ª Feira das 14h às 17h30

Coimbra
Edifício BCG
Av. Bissaya Barreto
3000-076 Coimbra
Tel: 239 487 400
Horário: 2ª,4ª feira, das 13h às 17h30; 3ª,5ª,6ª feira, das 9h às 13h

Évora
Hospital Espírito Santo de Évora
Largo Sr. da Pobreza
7000-811 Évora
Tel: 266 740 100 Ext:1188
Horário: 3ª feira, das 9h às 15h; 6ª feira, das 13h às 19h

Faro
CAD Fixo
Extensão do Centro de Saúde
Rua Brites de Almeida, nº6-3ºesq
8000-234 Faro
Tel: 289 812 528
Horário: 2ª a 5ª feira, das 14h às 18h30

CAD Móvel
Tel: 289 812 528

Guarda
Centro de Saúde da Guarda
Parque de Saúde da Guarda
Av. Rainha D. Amélia
6301-858 Guarda
Tel: 271 22 34 22
Horário: 2ª,3ª,4ª feira, das 9h30 às 12h30 – 14h às 16h30

Leiria
Centro de Saúde Gorjão Henriques
Rua General Norton de Matos
2410-272 Leiria
Tel: 244 816 483
Horário: 2ª,4ª,5ª,6ª feira , das 9h às 20h; 3ª feira, das 13h às 18h

Lisboa
Centro de Saúde da Lapa
Rua de São Ciro, nº 36
1200-831 Lisboa
Horário: 2º,4ª feira, das 12h às 18h30; 3ª,5ª,6ª feira, das 9h às 15h30

Fundação Nossa Senhora do Bom Sucesso
Av. Dr. Mário Mourinho – Restelo
1400-136 Lisboa
Tel: 213 031 427
Horário: Todos os dias das 9h30 às 14h

Cad Móvel
Tel: 962000506

Portalegre
Av. do Brasil, nº 11
7300-068 Portalegre
Tel: 245 302200 - Extensão 407
Horário: 3ª,6ª feira, das 14h30 às 17h

Porto
Rua da Constituição, nº 1656
4250-169 Porto
Tel: 22 8317518
Horário: 2ª,4ª feira, das 14h às 20h; 3ª,5ª,6ª das 8h30 às 14h

Santarém
Hospital Distrital de Santarém
Av. Bernardo Santareno
Tel: 243 300 232
Horário: 3ª,4ª feira, das 16h às 20h

Setúbal
Extensão de Saúde de Vale de Cobro
Centro de Saúde de S. Sebastião
Av. das Descobertas
2910 Setúbal
Tel: 265 708000
Horário: 3ª feira, das 16h às 19h; 5ª feira, das 9h às 12h

Almada
Extensão de Saúde Rainha D. Leonor
Av. Rainha D. Leonor, nº 2, piso 6
2800 Almada
Tel: 21 2728808
Horário: 5ª feira, das 16h às 19h; 2ª feira, das 9h às 12h

Barreiro
Extensão de Saúde Eça de Queiroz
Centro de Saúde do Barreiro
Rua Eça de Queiroz, nº 38
2830 Barreiro
Tel: 21 2069600
Horário: 4ª feira, das 16h às 19h, 6ª feira, das 9h às 12h

Viana do Castelo
Serviço de Saúde Pública do Alto Minho
Rua da Caminha, nº 124
4900-468 Viana do Castelo
Tel: 258 807247
Horário: 3ª e 5ª Feira: das 9h às 12h30 e das 14h às 17h30

Vila Real
Rua Gonçalo Cristovão, nº 2
5000 Vila Real
Tel: 259 378953
Horário: 2ª,4ª,6ª feira, das 10h às 12h; 3ª,5ª feira, das 14h às 16h

informações retiradas do site da Comissão Nacional de Luta contra a SIDA






















Montaigne

Atendendo a que O Melhor Anjo tem tido a preciosa colaboração nos comentários de Montaigne, acha-se, por bem, dar conta de algumas luzes sobre o pensador. Talvez assim se contextualizem melhor os seus comentários. Que se agradece e do qual se espera mais.

"I have never seen a greater monster or miracle than myself."



Montaigne is a great French Renaissance thinker who took himself as the great object of study in his Essays. In studying himself Montaigne is studying mankind. He attempted to weigh or 'assay' his nature, habits, his own opinions and those of others. He is searching for truth by reflecting on his readings, his travels as well as his experiences both public and private. Montaigne's writing style is light and untechnical. He was also a striking representative of Renaissance skepticism and fideism. Essentially fideism is a strategy which uses skepticism in order to clear the ground for the entrance of Catholicism.

terça-feira, janeiro 18, 2005

Poética do Quotidiano (LXVI)

O prémio de hoje para para o surpreendente As Ruinas Circulares, de João Pedro da Costa e do derFred. Desta vez, o João propõe que se cantem (de pulmões abertos, imagina-se) êxitos dos anos 80. Ele já começou com os Modern Talking e o Your my heart, you're my soul. E, no momento em que o prémio esta a ser atribuido, já vai em 26 comentários. Os gostos variam e vão desde o Maria Magdalena ao Stevie Wonder, do Elton John ao Lionel Ritchie. Vale de tudo, menos Phil Collins. O karaoke segue no Ruínas Circulares
Eu sou mais eu

Análise à proposta de Cláudia Dias para o 11º LAB
Espaço Re.Al, 15 Janeiro 2005



Com o regresso dos LAB, a Re.Al. procura "fomentar a espera em detrimento da procura" e promover "o esquecimento para que as coisas possam acontecer 'sem querer'". Assim, com a primeira apresentação do trabalho em evolução de Cláudia Dias, proporcionaram ao público (sobretudo críticos, pensadores e outros criadores), uma oportunidade para o estabelecimento de um diálogo. Tornam assim os objectos finitos em objectos comunicantes, criando um espaço de experimentação de linguagens e propostas que vivem e se alimentam do confronto. Por isso mesmo, as propostas dos LAB não são coisas encerradas em si mesmas e pretendem provocar o diálogo entre quem vê e quem faz. É por isso, também, que nada do que se vê tem uma só leitura. E nada do que se escreve também. Antes se processam ideias em nome de uma coisa pour avenir.

Cláudia Dias propõe uma viagem a um universo pessoal e biográfico, não tanto numa posição biofágica, mas mais de libertação. Ou seja, com este exercício, a proposta parece ser a recusa de encerramento no seu mundo confortável e identificado, para partir dele e procurar um outro, quase tão confortável. Porque, inevitavelmente será ilusoriamente confortável. Procede, assim, a um trabalho de exposição pessoal ausente de qualquer reflexão sobre as sensações que teve na altura dos factos, mas antes explora os efeitos dessas sensações nos dias de hoje. Só aparentemente é que este é um trabalho de memória. E só aparentemente, também, é que se pode considerar um anacronismo. É, por isso, um exercício profundamente urbano, no que isso representa de individualidade estéril e monótona. Um urbano ausente de emoções e a necessitar de uma outra forma de organização, mais centrada numa nova definição do lugar e responsabilidades de cada um na contrucção de um imaginário colectivo. Portanto, podemos considerar que este exercício procede a uma reavaliação da nostalgia e empatias emocionais com os lugares, os nomes e as coisas quotidianas, procurando encontrar uma forma de libertação dessas "amarras" e definição do caminho a seguir. Cláudia Dias propõe, assim, reflectir sobre o que fazer com o que se têm.

Nesse sentido, este trabalho de reflexão sobre a forma como nos vemos e interpretamos o quotidiano, toma uma dimensão antropológica. Se por antropologia quisermos entender o efeito/relação "torna-viagem" (para usar a ideia do poema de Alexandre O'Neill) que estabelecemos com o que nos rodeia. A coreógrafa utiliza-se de objectos banais e perfeitamente identificáveis para construir uma persona que rapidamente alude a uma ideia de mulher-mutante e recorda o trabalho pictórico do artista italiano do século XVI, Arcimboldo. Porque, da mesma forma que o milanês equilibrava frutas e legumes para compor figuras humanas, atribuindo-lhes uma dimensão alegórico-harmónica, Cláudia Dias procura forçar a individualização de cada um de nós através da manipulação dos objectos que nos tornam iguais: pensos higiénicos, pastas de dentes, fio dental, pastilhas, cigarros, fósforos, lenços de papel, microfone, fita-cola, garrafa de água. Precisamente para testar a coerência dessa harmonia. Para perceber se ainda existimos debaixo de tantas camadas.

Este olhar transporta ainda uma necessidade de se assumir predominantemente como um olhar feminino. No sentido em que se deve procurar estabelecer uma relação organizada, reflexiva e subterrânea com o mundo. Um olhar distante mas atento, um olhar quase maternal. É, assim, uma proposta que coloca a mulher no centro do seu próprio universo e com ela estabelece um diálogo de identificação e reconhecimento. Cláudia Dias parece assumir essa dimensão feminina, obrigando-se a vestir uma personagem (ela própria) para depois se destruir. Contribui assim para um reequilibrio do passado com o presente, não em nome de uma limpeza dos erros ou enaltecimento das virtudes, mas antes numa tentativa de construção de algo novo, algo puro, algo centrado em si. Um "si" omnipotente, omnipresente. Um Deus, que aprenda a louvar-se, antes de louvar outros deuses. Será por isso que, depois de ter construído um mapa do local onde se formou emocionalmente - a Margem Sul -, destrói esse mapa de dejectos, deitando sobre ele a água suja que permanecia na garrafa presa ao sexo. Uma espécie de morte do pai. Uma libertação que pode ser lida como castração.

Rui Catalão, que escreveu a folha de sala do exercício, reconhece no trabalho da artista "uma progressão dramática, [que] no seu caso, equivale à acumulação de estados psicológicos constrastantes, que o espectador percepciona como tapetes que desaparecem debaixo dos pés, sem que os tapetes deixem de ser visíveis". Cláudia Dias vai estabelecendo um diálogo com o público assente numa proposta de ocupação de espaço e manipulação de objectos e de corpo. Permite-se a um pensar sobre o lugar da dança como encontro de presenças e escusa-se a um dançar solitário. Feito de silêncios, este exercício obriga a uma confrontação do público com hipóteses de compreensão. O facto da proponente ir narrando uma série de episódios isolados que compõe a sua memória afectiva obriga quem vê a procurar nas pausas, nos gestos curtos e no controlo da respiração os espaços de libertação necessários a quem se expôs. Esse silêncio. É, por isso, uma proposta passiva-agressiva que combate a ideia de que muitas palavras são excesso de ruído. Pelo contrário, aqui, todas as palavras procuram caminhar para uma só: "libertação".

Libertação essa que assume contornos manifestamente feministas. Não só propondo a leitura electriana da garrafa de água suja, mas também ao colocar no corpo, presos com fita-cola, os objectos que trazia dentro de um saco de supermercado, Cláudia Dias procura exercitar uma ideia de dupla auto-mutilação. Primeiro quando os coloca e tapa articulações, peito, olhos, costas ou umbigo e depois quando os arranca. Dá, assim, ao espectador a imagem viva de sofrimento que este já tinha projectado no momento em que a viu colar ao corpo os objectos. Porque se trata de uma metaforização acerca das anulações que vamos procedendo no dia a dia, a artista parece querer perguntar o que acontece quando nos retiram o quotidiano. Que existe afinal em nós que se quis esconder? E que podemos nós fazer para o recuperar?

Este exercício de imaginação, termina numa transformação de Cláudia Dias num ser indígena, como se quisesse significar que é necessário um regresso ao início. Mas que esse início está no meio de nós.

O que quer que se siga, procurará, certamente, aprofundar uma relação de espelho e confronto entre o objecto apresentado e o público que o assiste, numa tentativa de fixação de um discurso dançante sobre o lugar de cada um de nós enquanto colectivo. Mas, sobretudo, com a intenção de discutir o que se pode fazer com isso.


Cláudia Dias
Residência artística de 06 Dezembro 2004 a 15 Janeiro 2005
Apresentação pública 15 de Janeiro 2005 18h00
Colaboração artística Márcia Lança Coaching Olga Mesa (artista convidada), João Fiadeiro e João Queiroz

Próxima apresentação
Tiago Guedes
05 Fevereiro 18h00
Espaço Re.Al
Escola Superior de Teatro e Cinema

Em boa hora, a Escola Superior de Teatro e Cinema lança um Boletim Informativo, dando conta das propostas de abertura à comunidade pensante e actuante. Eis o que sugerem para este mês de Janeiro

Dia 18 - Workshop sobre O MÉTODO SUZUKI E A DANÇA BUTOH - orientação de Nuno Gil (até dia 21 de Janeiro de 2005)
18h30 - 20h30 sala 108 do Departamento de Teatro
Uma organização da Associação de Estudantes da ESTC


Dia 20 - Lançamento do Livro de Virgínia Victorino e a Vocação do Teatro: Percurso de um Sucesso de Júlia Lello
18h30 Salão Nobre do Teatro Nacional D. Maria II
A Prof.ª Eugénia Vasques fará a apresentação da obra
Com a presença de Carmen Dolores e Maria Emília Correia para a leitura de excertos da peça A VOLTA
Uma organização conjunta do Teatro Nacional D. Maria II e da Escola Superior de Teatro e Cinema


Dia 27 - 1.ª apresentação do 3.º ano orientado pelo Prof. Rogério de Carvalho
11h sala 112


Dia 28 - apresentação do 3.º ano orientado pelo Prof. João Brites
10h Grande Auditório

- 2.ª apresentação do 3.º ano orientado pelo Prof. Rogério de Carvalho
15h sala 112

- Inauguração de uma exposição de Pintura
Foyer da Biblioteca

- Acolhimento da Orquestra Sinfónica da Escola Superior de Música
18h Grande Auditório


Dia 31 - Início do Curso Livre de Luminotecnia de Cena (até 16 de Março)
18h - 21h Grande Auditório
Inscrições abertas

Mais informações:
Escola Superior de Teatro e Cinema
Av. Marquês de Pombal, 22B - 2700-571 Amadora
T. 21 498 94 00/52 F.21 498 94 01
Já não era sem tempo da ILGA fazer uma coisa destas



A campanha sai por estes dias para a rua, as rádios, os jornais e a televisão.

courtesy of Renas e Veados, Farpas e Bitaites e ILGA
Estreia

Homeless - Manifesto

Útero apresenta
Homeless / Manifesto


de 18 a 27 de Janeiro
Praça do Rossio pelas 21h30

Local de encontro: à frente do Teatro Nacional D. Maria II

(desse local será encaminhado para o espectáculo)

Reservas: 96 573 29 82 / 96 547 01 59


Home Less / Manifesto é a nova intervenção do Útero, da autoria de Miguel Moreira, Paulo Castro e Sara de Castro, constituída por várias partes e formatos.

Entre os dias 18 e 27 de Janeiro o público é convidado a encontrar-se às 21h30, em frente ao Teatro Nacional D. Maria II, onde será informado das regras a serem seguidas. Ser-lhe-à entregue o vídeo de candidatura de Miguel Moreira a Director do Teatro Nacional D. Maria II (realizado com a participação de Romeu Runa) e assistirá, nesse mesmo local, à leitura do Manifesto.

Seguirá então, guiado por Miguel Moreira, até ao local da segunda intervenção. Será uma marcha na qual o Útero convida o espectador a reflectir sobre os males do mundo de hoje. "Uma marcha que no interior espelha a nossa revolta perante este mundo que é nosso. Que reflecte sobre a urgência de uma intervenção clara e inequívoca na sociedade".

A segunda parte do espectáculo decorre numa casa em construção perto do teatro, espaço onde três personagens (interpretadas por Miguel Moreira, Paulo Castro e Sara de Castro) discutem entre elas o modo mais claro de intervir nesta Lisboa Decadente.

Esta intervenção começou a ser delineada quando o Útero pensou fazer um trilogia a partir de Basquiat, Baselitz e Max Ernst. De uma entrevista a Basquiat onde lhe perguntaram qual a razão de criar, ele respondeu ser 80% por raiva que nasce a nossa necessidade de questionar o mundo inquieto que nos revolta.

Nasce, assim, a vontade de dar voz à revolta e à injustiça.

Em Março, serão editadas entrevistas a vários artistas à frente do Teatro Nacional D. Maria II (na altura da reposição deste espectáculo).



Home Less / Manifesto de e com Miguel Moreira, Paulo Castro e Sara de Castro Apoio cenográfico Joana Simões Direcção Miguel Moreira


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