PoNTI' 04 (II)
Jogos duplos, espelhos e objectos invisíveis (II)
Traços comuns no fim de semana de inauguração do PoNTI.'04
(continuação)
Die Glasmenagerie + Zerbomt
No aparente programa duplo da SchauspielFrankfurt, Die Glasmenagerie + Zerbombt (15 Novembro, Teatro Helena Sá e Costa), a questão que se poderia colocar de forma imediata tinha a ver com a relação que se estabelecia entre os dois textos, aparentemente anacrónicos. Não se tratava de uma "double bill", antes de um teste à capacidade de contaminação quer das obras dramatúrgicas, quer do próprio espectador em relação a elas.
Zerbomt
O teatro de Armin Petras baseava a relação Tennessee Williams/Sarah Kane (Jardim Zoológico de Cristal / Ruínas)não na justificação de uma certa intemporalidade da representação da violência, mas antes num jogo de espelhos que permitia, curiosamente, contextualizar melhor o texto de Williams que o de Kane. Apostando em mecanismos de alienação ou distância cénica, e utilizando o mesmo cenário (e o seu duplo), a proposta alemã procurava responder à difícil questão da representação da violência em palco, sobretudo encravada entre a teoria grega da não exposição e os novos limites impostos pelo hiper-realismo cinematográfico. Um e outro texto pareciam funcionar em coro quanto à necessidade de introduzir uma violência concreta para sobreviver ao anacronismo estabelecido com a psicologia interior dos textos. Esta encenação (numa espécie de up-grade emocional) não só apelava a uma ironia pós-moderna, devedora de Brecht mas ainda a um constante manipular das convenções teatrais, no que isso revela de apreensão dos conceitos de Herbert Blau quanto à adaptação dos clássicos.
Mais do que uma leitura contemporânea e universal, os dois textos não se confundem, antes permanecem assentes na sua individualidade, fazendo dela a força matriz para o reconhecimento dos pontos em comum. Não se tratava, por isso de Tennessee Williams transvestido de Sarah Kane ou o seu contrário. Ambos os textos se misturavam sim, mas na sua génese. Ou seja, na forma como, devidamente contextualizados no modo e tempo de produção, reflectiram sobre os limites da cedência. No amor, no trabalho, na vida. Algo que permite até aludir a uma moral cristã. Qualquer coisa como "não faças aos outros o que não queres que te façam a ti".
Die Glasmenagerie
Pleno de referências a outros autores e métodos (desde Harold Pinter a Shakespeare e até Rainer Werner Fassbinder), a proposta de Armin Petras surpreendia pela extrema coerência afirmativa e pela forma como através de uma encenação realista (no que se pode chamar de realismo a uma encenação) depressa transformava uma aparente farsa num espectáculo seco e emocionalmente instável.
Num conflicto entre os métodos dos dois autores, Armin Petras estabelecia os propósitos da criação de um terceiro universo, que apostava na reacção do espectador para ser definido. Um universo em que o humor era utilizado para imprimir uma relação emocional com o texto, numa espécie de relativização dos problemas. Afinal, quer a mãe de Laura (no texto de Williams) quer a homem/vítima maior de Sarah Kane pareciam aceitar o mundo tal como lhes era apresentado.
E depois disso, fazer o quê?
[Die Glasmenagerie] | tradução JÖRN VAN DYCK elenco HILKE ALTEFROHNE, SUSANNE BÖWE, OLIVER KRAUSHAAR, ANDREAS LEUPOLD
duração aproximada 1:30
[Zerbombt] | tradução NILS TABERT elenco HILKE ALTEFROHNE, OLIVER KRAUSHAAR, ANDREAS LEUPOLD
duração aproximada 1:15
encenação ARMIN PETRAS cenografia SUSANNE SCHUBOTH | figurinos BERND SCHNEIDER desenho de luz MICHAEL BISCHOFF | dramaturgia SIBYLLE BASCHUNG assistência de encenação KERSTIN LENHART assistência de cenografia e figurinos NORGARD KRÖGER técnicos de palco, luz e som STEVE WAGNER, MARCEL HEYDE, MATTHIAS RÖSSLER adereços USCHI TRELLA | maquilhagem BERNHARD SPRINGER guarda-roupa ULLA BIRKELBACH
produção SCHAUSPIELFRANKFURT
estreia [25SET03] SCHAUSPIELFRANKFURT (schmidtstrasse 12)
Outros espectáculos apresentados no PoNTI'04 e analisados neste blog:
Figurantes (encenação Ricardo Pais, Teatro Nacional S. João, Portugal)
mPalermu + La Scimia (encenação Emma Dante, Teatro Garibaldi, Itália)
Teatro de Papel/Anfitrião (encenação Marcelo Lafontana, Teatro das Formas Animadas de Vila do Conde/Teatro Nacional S. João, Portugal)
Sobre o PoNTI'04 e o Seminário Internacional de Jovens Críticos de Teatro
Jogos duplos, espelhos e objectos invisíveis (II)
Traços comuns no fim de semana de inauguração do PoNTI.'04
(continuação)
Die Glasmenagerie + Zerbomt
No aparente programa duplo da SchauspielFrankfurt, Die Glasmenagerie + Zerbombt (15 Novembro, Teatro Helena Sá e Costa), a questão que se poderia colocar de forma imediata tinha a ver com a relação que se estabelecia entre os dois textos, aparentemente anacrónicos. Não se tratava de uma "double bill", antes de um teste à capacidade de contaminação quer das obras dramatúrgicas, quer do próprio espectador em relação a elas.
Zerbomt
O teatro de Armin Petras baseava a relação Tennessee Williams/Sarah Kane (Jardim Zoológico de Cristal / Ruínas)não na justificação de uma certa intemporalidade da representação da violência, mas antes num jogo de espelhos que permitia, curiosamente, contextualizar melhor o texto de Williams que o de Kane. Apostando em mecanismos de alienação ou distância cénica, e utilizando o mesmo cenário (e o seu duplo), a proposta alemã procurava responder à difícil questão da representação da violência em palco, sobretudo encravada entre a teoria grega da não exposição e os novos limites impostos pelo hiper-realismo cinematográfico. Um e outro texto pareciam funcionar em coro quanto à necessidade de introduzir uma violência concreta para sobreviver ao anacronismo estabelecido com a psicologia interior dos textos. Esta encenação (numa espécie de up-grade emocional) não só apelava a uma ironia pós-moderna, devedora de Brecht mas ainda a um constante manipular das convenções teatrais, no que isso revela de apreensão dos conceitos de Herbert Blau quanto à adaptação dos clássicos.
Mais do que uma leitura contemporânea e universal, os dois textos não se confundem, antes permanecem assentes na sua individualidade, fazendo dela a força matriz para o reconhecimento dos pontos em comum. Não se tratava, por isso de Tennessee Williams transvestido de Sarah Kane ou o seu contrário. Ambos os textos se misturavam sim, mas na sua génese. Ou seja, na forma como, devidamente contextualizados no modo e tempo de produção, reflectiram sobre os limites da cedência. No amor, no trabalho, na vida. Algo que permite até aludir a uma moral cristã. Qualquer coisa como "não faças aos outros o que não queres que te façam a ti".
Die Glasmenagerie
Pleno de referências a outros autores e métodos (desde Harold Pinter a Shakespeare e até Rainer Werner Fassbinder), a proposta de Armin Petras surpreendia pela extrema coerência afirmativa e pela forma como através de uma encenação realista (no que se pode chamar de realismo a uma encenação) depressa transformava uma aparente farsa num espectáculo seco e emocionalmente instável.
Num conflicto entre os métodos dos dois autores, Armin Petras estabelecia os propósitos da criação de um terceiro universo, que apostava na reacção do espectador para ser definido. Um universo em que o humor era utilizado para imprimir uma relação emocional com o texto, numa espécie de relativização dos problemas. Afinal, quer a mãe de Laura (no texto de Williams) quer a homem/vítima maior de Sarah Kane pareciam aceitar o mundo tal como lhes era apresentado.
E depois disso, fazer o quê?
[Die Glasmenagerie] | tradução JÖRN VAN DYCK elenco HILKE ALTEFROHNE, SUSANNE BÖWE, OLIVER KRAUSHAAR, ANDREAS LEUPOLD
duração aproximada 1:30
[Zerbombt] | tradução NILS TABERT elenco HILKE ALTEFROHNE, OLIVER KRAUSHAAR, ANDREAS LEUPOLD
duração aproximada 1:15
encenação ARMIN PETRAS cenografia SUSANNE SCHUBOTH | figurinos BERND SCHNEIDER desenho de luz MICHAEL BISCHOFF | dramaturgia SIBYLLE BASCHUNG assistência de encenação KERSTIN LENHART assistência de cenografia e figurinos NORGARD KRÖGER técnicos de palco, luz e som STEVE WAGNER, MARCEL HEYDE, MATTHIAS RÖSSLER adereços USCHI TRELLA | maquilhagem BERNHARD SPRINGER guarda-roupa ULLA BIRKELBACH
produção SCHAUSPIELFRANKFURT
estreia [25SET03] SCHAUSPIELFRANKFURT (schmidtstrasse 12)
Outros espectáculos apresentados no PoNTI'04 e analisados neste blog:
Figurantes (encenação Ricardo Pais, Teatro Nacional S. João, Portugal)
mPalermu + La Scimia (encenação Emma Dante, Teatro Garibaldi, Itália)
Teatro de Papel/Anfitrião (encenação Marcelo Lafontana, Teatro das Formas Animadas de Vila do Conde/Teatro Nacional S. João, Portugal)
Sobre o PoNTI'04 e o Seminário Internacional de Jovens Críticos de Teatro
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