apreciações sobre a exposição de Helena Almeida, no CCB, em Lisboa
Ando em círculos: os ciclos voltam. O trabalho nunca está completo, tem que se voltar a fazer. O que me interessa é sempre o mesmo: o espaço, a casa, o tecto, o canto, o chão; depois o espaço físico da tela, mas o que eu quero é tratar as emoções. São maneiras de contar uma história.
Helena Almeida
A exposição Pés no chão, cabeça no céu de Helena Almeida (HA), patente no CCB até meados de Julho, quer definir e dar a ver o trabalho da artista, apresentando-o como "complexo na sua formulação" e em que "o método de trabalho de HA desagua na utilização de fotografias a preto e branco, imagem de si mesma nas quais parece retratar-se a memória de uma acção, de uma performance." Acontece que, se tivermos em conta a definição encontrada por Victor Schechner, o termo performance provém do francês arcaico e quer dizer o ponto final de uma representação, ou seja, como se se procurasse isolar o momento identificador do objecto proposto. Haveria, assim, um objecto dentro do objecto. E, nesse sentido, o trabalho de HA contraria a ideia de performance porque, precisamente, estabelece uma ideia de ilusão a partir do objecto finalizado que não é o momento em que se carrega no botão na máquina fotográfica, mas antes o trabalho posterior. Assim sendo, o registo, que é parte do processo, é essencial para a total absorção da proposta. A fotografia não serve para registar o momento. Antes é o momento.
Sendo, então, um momento no processo criativo, terá que existir um estudo prévio (ou previsional) em relação ao resultado final. Trata-se, no fundo, de uma nova leitura sobre a base de trabalho que anula a ideia simples de auto-retrato. Não é, portanto, a artista HA a ser retratada, mas antes um corpo que é utilizado. Por isso, aproxima-se mais (até mesmo pela forma decepada como se apresenta) dos desenhos de Julião Sarmento que das fotografias de Jorge Molder. É um processo, de certo modo, biofágico.Um trabalho que assenta no pormenor e no detalhe do corpo, explorando (precisamente por ser a mesma base trabalho desde sempre - o que pressupõe um controlo sobre o violento despojamento da persona artista) e que, por isso, mesmo cria referências, talvez até demasiado forçadas como, por exemplo, em Estudo para dois espaços, de 1977, em as mãos nos portões das casas e jardins assumem formas nosferatianas.
As fotografias geométricas e desenhadas que HA propõe, não se distanciam de um conceito de dança e coreografia (daí se entende a relação do trabalho de João Fiadeiro I am here, criado para acompanhar a exposição), centradas num espaço limitado e onde se joga a "fisicalidade do espaço que acolhe o corpo" com a artista. Assim, na série Dentro de mim, datada de 2000, existe um espelho colado ao corpo da personagem HA que reflecte a parede onde a máquina fotográfica se encontra (e nela, também, mas posteriormente, o espectador). O que esse espelho faz é recentrar a artista no espaço, fechando-a e criando um diálogo desta com a envolvente.
Não sei se a fotografia de HA é um trabalho de recolhimento e de olhar para dentro, mas o que sei é que há um jogo privado e quase infantil, de descoberta do "eu" criador. O artifício das propostas (as fotografias chegam a ser demasiado expostas na sua simplicidade) é trabalhado à frente do espectador, que se deixa envolver numa teia de aranha. Os pés e as mãos e o corpo da artista são alvo de uma metamorfose que se recicla e funciona em loop. E é na tentativa de estabelecimento de um diálogo entre a proposta e a apreensão desta que se dá a liberdade de observar o processo de criação e perceber que as criações artísticas não são finitas, antes revolvem-se.
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