segunda-feira, março 27, 2006

Prémios da Crítica 2005

Hoje, às 18h30, serão entregues os Prémios da Crítica 2005, atribuídos pela Associação Portuguesa de Críticos de Teatro. Os vencedores foram anunciados em comunicado de imprensa, reproduzido aqui.

O júri, constituído por Maria Helena Serôdio, Paulo Eduardo Carvalho, Sebastiana Fadda e João Carneiro, decidiram atribuir em ex-aequo o Grande Prémio da Crítica 2005 aos espectáculos Um Homem é um Homem, encenação de Luís Miguel Cintra para o Teatro da Cornucópia, e Ubus, encenação de Ricardo Pais para o Teatro Nacional São João. Foram ainda indicadas três menções honrosas que distinguem o dramaturgo Miguel Castro Caldas, o elenco da peça Luz na Cidade, Marco Delgado, Rui Mendes, Nuno Gil e São José Correia, com encenação de João Lourenço para o Teatro Aberto, e o espectáculo Serviço d'Amores, de Maria Emília Correia, apresentado no Teatro Nacional D. Maria II.

Na qualidade de membro da APCT pude fazer chegar ao júri até ao fim de Dezembro de 2005 as minhas indicações, uma para o grande prémio e duas como menções honrosas, que a seguir se reproduzem. Apresento-as não porque não foram contempladas pelo júri, mas porque acho importante que se divulguem. Valem o que valem e obviamente podem (ou devem) ser lidas em complemento à lista, figuras e prémios do ano que neste mesmo blog indiquei no fim de 2005.


Prémio da Critica

Ao fim de dez anos, o Teatro Praga constrói o seu espectáculo mais adulto e comprometido, cumprindo à risca um programa de recusa enquanto questionamento acerca da prática teatral. AGATHA CHRISTIE funciona como jogo de enganos, tal como os livros da autora, num processo de metamorfose onde são questionados valores aparentemente retóricos, como seja o lugar de cada uma das partes e o seu (real) contributo para a construção de um todo artístico. Através de uma estrutura mise-en-abime, discute-se o papel do teatro e da contextualização, em sequências que obrigam a uma escolha "no momento"e, por isso, potenciam a ideia de um espectáculo diferente para cadaespectador (e diferente todos os dias).

Neste policial retórico, os culpados são vários e o final sempre surpreendente. Tudo depende de um processo de ilusão, no fundo, a base do teatro. Trata-se de uma proposta que deve ser vista em relação à envolvente, nomeadamente no conjunto de discursos artisticos geracionais e no que eles representam de renovação da relação objecto-recepção. Pertinente, eficaz e auto-crítico, AGATHA CHRISTIE força a nota numa paisagem artística muitas vezes limitada no discurso criativo. E fá-lo na forma de um espectáculo inquietante que não pode (não deve) ser descontextualizado das condições de produção/criação: estreia no Grande Auditorio da Culturgest, no âmbito do Festival de Almada.

A curiosa mistura de públicos obrigou a uma fundamentação do discurso praguiano, procedendo-se à validação desse mesmo discurso à medida que as recepções iam sendo cada vez mais extremadas. Há neste espectáculo uma vontade de pôr em causa, de querer perguntar, saber mais, evoluir. Há em cada cena uma construção cénica atenta às diversas interpretações. Há, sobretudo, uma enorme vontade (tensão?) em querer saber o lugar que o teatro ocupa na criação contmporânea. E na vida, de uma maneira geral.

Ler crítica na revista Sinais de Cena n°4, já nas bancas.


Menção Honrosa 1
Daniel Worm d'Assumpção (desenhador de luz)

A relação que se estabelece com um espectáculo é feita de sensações muitas vezes difíceis de definir. O ambiente que nos é transmitido, é feito de pequenas contribuições, vindas das mais diversas áreas, no que isso representa de regresso à definição clássica de encenação. Dizer que o teatro é uma arte colectiva é um cliché antigo e pouco eficaz, se dele não extraírmos o que realmente significa. Qual a verdadeira contribuição de uma prática (de uma arte) face a uma outra? Haverá uma mais importante que a outra? Pode o colectivo ser reduzido ao individual?

O desenhador de luz Daniel Worm d'Assumpção tem, ao longo dos anos, ensinado que o colectivo funciona,precisamente, porque os individuais não se anulam, antes se conjugam. Mesmo quando querem passar despercebidos. O trabalho que Daniel Worm tem efectuado, seja em projectos pessoais ou de outros (teatro, dança e ópera, independentes ou institucionais, conceptuais ou clássicos, experimentais ou de repertório) levam-nos a acreditar na capacidade de contribuir para um discurso colectivo que existe ao serviço de um objecto final.

Atento ao pormenor e consciente das interpretações a que cada momento iluminado se sujeita, Daniel Worm constrói verdadeiras paisagens luminosas, que nos ajudam a ser mais cúmplices com o que vemos. Há na honestidade do seu trabalho uma crença que emociona quem vê e que modela um espectáculo. Pensemos no percurso que tem construido, por exemplo, no Teatro da Cornucópia, e percebemos como o modo como entramos dentro de um espectáculo se alteraria se o desenho de luz fosse outro. Trata-se de um discurso pensado como parte desse todo, ao serviço dessa cumplicidade. Em suma, a luz de Daniel Worm cabe nas palavras do crítico e ensaísta Patrice Pavis:« A luz facilita a compreensão».


Menção Honrosa 2

O trabalho da crítica, é também o de observar as alternativas que o próprio tecido cria para combater a escassez de meios. A Galeria Zé dos Bois é um exemplo, dentro da comunidade artística, que tem apostado em pensar o modo como se organizam, fundamentam e constróem discursos artísticos, sobretudo os que fazem da arte/com a arte uma arma interventiva.

No ano 2005, o projecto da ZDB quis apostar, com novos meios e objectivos definidos, num espaço que albergasse objectos que, muitas vezes por incapacidade das instituições que acolhem espectáculos, são incapazes de encontrar respostapara se mostrarem. O espaço NEGÓCIO (uma deliciosa metáfora que põe em causa a relação utópica que temos com a criação - porque é que a arte nãopode ser vista como uma indústria?), que ocupa um antigo armazém na Rua de O Século, tem como propósito estabelecer novas relações entre as instituições e os criadores de artes performativas.

Por isso tem procurado apresentar uma programação onde se inclui o acolhimento de festivais (como o Ao Sul, o Temps d'Images e os Encontros Lisboa, o laboratório que antecede o Festival Alkantara 2006) e estreias de espectáculos, algumas das quais acompanhadas de retrospectivas, permitindo ao público perceber a evolução do discurso dos criadores. Foi o caso do colectivo Mala Voadora que, com a reposição de Os Justos (prémio Maria Madalena Azeredo Perdigão 2004) e a estreia de Philatelie (um dos projectos do curso de Criação Artistica - Encenação da Fundação Calouste Gulbenkian) antecederam a estreia, já em Janeiro, de Projecto de Execução, um trabalho criado em residência no próprio espaço.

É essa intenção de acompanhamento que faz do NEGÓCIO um caso sério na ideia de apresentação de espectáculos. Não se trata somente de abrir as portas, mas de dialogar com os criadores, atitude muitas vezes mais importante. Ao procurar apresentar-se como mais do que um espaço alternativo, o NEGÓCIO dá a Lisboa e à comunidade uma nova oportunidade de se pensar. Ou seja, de se construírem diálogos transversais entre criação, público e críticos.

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