segunda-feira, dezembro 19, 2005

Revista do Ano 2005 (I): as escolhas de Pedro Manuel

Mãe Preta
ESTE (Estação Teatral da Beira Interior)
Casa da Comédia



Um monólogo interpretado com o recurso às técnicas de máscara, criando um espectáculo simples e directo, onde uma mãe narra a luta diária por alimentar o filho. Um exemplo de teatro expressivo, concebido no interior de Portugal, sobre uma realidade africana, mas com uma consciência e sensibilidade humanas.

Endgame – Revisitado
Primeiros Sintomas/ Teatro Meridional
Sala-Estúdio do Teatro da Trindade




Um espectáculo que levanta o texto de Beckett de forma descomplexada, próxima da encenação original, mas suportada por um elenco coeso e uma encenação pautada, onde a aridez do diálogo se torna jogo teatral, expondo o seu humor latente, destacando-se a relação cúmplice das personagens de Miguel Seabra e Diogo Infante, Clov e Hamm.

encenação de Cristina Carvalhal
Teatro da Comuna



Encenação arrojada do romance de Gombrowicz, caracterizada por um manifesto interesse em explorar linguagens teatrais, a partir de temas tão filosóficos quanto existenciais. Um espectáculo que articulava o elenco, a dramaturgia e uma cenografia exposta de forma calculada, cena por cena, numa dinâmica experimental mas amadurecida.

de Patrícia Portela
Galeria Zé dos Bois
(reposição)


Um espectáculo invulgar na paisagem portuguesa, apoiando-se na tecnologia vídeo para questionar a presença real dos intérpretes, com um discurso lúdico e irónico sobre a presença das personagens, aproximando os espectadores de um acontecimento tão verdadeiro quanto ficcional. Uma criação despreocupada com a classificação genérica e empenhada na criação de um gesto artístico, mais do que num objecto.

Teatro da Cornucópia
Teatro do Bairro Alto



O que parecia ser um enredo simples, sobre a vida de Galy Gay, transforma-se num espectáculo que mantém um ritmo seguro e vivo ao longo das três horas, numa encenação lúdica, descontraída e directa, reforçada pela forte componente musical, pela concepção visual e pela particular direcção de actores, apostada numa interpretação artificial, e por uma orquestra de actores que transmitem a energia de um momento de partilha.

de Miguel Pereira
Culturgest



A concepção de coreografia aplicada a um corpo comum, o corpo de baile, encontra-se com o movimento do corpo singular, cuja derradeira identidade reside na nudez. Deste encontro resulta um espectáculo que cria uma contínua correspondência dos gestos entre os intérpretes, que se extrema na criação de duplos, nas cadeiras e entre si próprios, perdendo o corpo singular no movimento global.

de Carlos Martínez
Fórum Municipal José Manuel Figueiredo


Com um perfeito domínio técnico, na definição dos gestos, dos tempos e do olhar, Carlos Martinez oferece uma hora de puro entretenimento, uma viagem mais ou menos silenciosa com momentos de grande humor e emoção, rigorosamente elaborados, em constante comunicação com o público, com uma postura descontraída e bem humorada.

Théâtre Odeon
Teatro da Trindade



Aquele que era o cabeça de cartaz do festival de Almada acabou por simbolizar o próprio festival: dividiu opiniões. Apesar de tudo, trata-se de uma reposição conseguida de um texto que minimiza o clássico de Shakespeare para maximizar a sua expressividade. O espectáculo seguiu esta linha através de dispositivo cénico simples mas com uma forte presença, a mesa, em torno da qual se agitavam personagens marcadas pela ambiguidade. Sendo um dos melhores espectáculos do Festival de Almada deste ano, não deixa de confirmar uma certa irregularidade da qualidade das propostas, se compararmos este espectáculo com outros, entre os quais algumas produções portuguesas.

de Pina Bausch/Wuppertal Tanztheater
Teatro Municipal S. Luiz



Outra reposição, mas com um estranho sabor de familiaridade. Um espectáculo sobre o território da intimidade, povoada de figuras e cenas que fazem divergir os sentidos do espectáculo através da concepção pluridisciplinar das cenas. A lógica de criação de cenas, e o seu alinhamento, não parece ter perdido em nada as ligações à sensibilidade dos espectadores, o que confirma a sua actualidade.

de Meg Stuart/Damaged Goods
Centro Cultural de Belém



Um exercício simples que ultrapassa a simples exposição da técnica de projecção sobre uma mesa de areia. Esta projecção sobre um corpo granular permite a fragmentação da imagem dos corpos dos intérpretes. Mas o breve espectáculo cria a ambiência obsessiva dos espectáculos de Meg Stuart, através das relações entre corpos, não entre personagens, e entre as imagens e os seus manipuladores. Um exemplo de criação artística pela apropriação de uma técnica.

Teatro O Bando/ Cia D’Artes do Brasil
Teatro O Bando



O espectáculo é um manifesto poético sobre a opressão, a morte e a revolta, figurado nas últimas horas de um general moribundo num país sul-americano. Esta criação marca o regresso do Bando às máquinas de cena e a técnicas de direcção de actores que estabelecem condições para o jogo teatral, neste caso, pelas noções de personagem intermédia (os mortos) e possessão. Um texto violento, visceral e orgânico, animado por um elenco dinâmico onde se destaca a personagem do General Barahona.


A lista de espectáculos segue as datas de apresentação. As escolhas, bem como os textos, as fotos e os links são da responsabilidade do autor.

Pedro Manuel é Mestrando em Estudos de Teatro na Faculdade de Letras de Lisboa. É actor e encenador, colaborando com a companhia Arte Viva, no Barreiro. Estreou recentemente o espectáculo País Imaginário, do qual foi actor, encenador e autor, na sua companhia Vigilâmbulo Caolho. Escreve regularmente neste blog críticas de espectáculos.

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