A nossa realidade
Análise a Flatland - para cima e não para Norte
de Patrícia Portela
reposição na Galeria Zé dos Bois 2 a 4 de Maio 2005
Vencedor do Grande Prémio Maria Madalena Azeredo Perdigão 2004
Se considerarmos que, de cada vez que lemos um livro, construímos um universo de referências pessoais a partir daquilo que o autor cria, podemos também afirmar que os espaços existam, os tempos são os nossos e as personagens vivem ao nosso lado. Em Flatland, Patrícia Portela coloca de lado a noção "se quisermos" para nos confrontar com uma realidade viva, que depende do espectador/leitor para existir na sua imensa complexidade.
A autora força-nos a viver com as nossas próprias escolhas - livros, filmes, músicas, espectáculos -, como se nos quisesse expor às nossas próprias influências. Ancorada nesta manipulação da ilusão teatral, Flatland apresenta-se ao espectador como o lugar-último para a liberdade criativa; uma espécie de porta aberta para o mundo real como lugar de coisas inatingíveis que, no limite, já conhecemos.
No entanto, Flatland não se escusa ao dilema inerente a esta dependência. A sua existência acontece enquanto quisermos. No exacto momento em que se apercebe disso, Flatman, o homem bi-dimensional, resgata o espectador e obriga-o a assistir, ad aeternum, à sua realidade. Procede-se a uma inversão de papéis, afastando do espectador a opção de escolha, uma vez que o pedido de Flatman se torna desesperado. Flatland é uma proposta de observação que força o público a reflectir sobre o que o rodeia e o modo como isso o muda. No limite, é a defesa da teoria banal de que a arte não muda o mundo, é mudada por ele.
Com esta proposta de grandes proporções visuais, Patrícia Portela dá-nos a oportunidade de mudarmos o curso da História através de um espectáculo de resistência baseado no uso da palavra escrita, cénica e coreográfica. E um uso que implique um corpo, um som, um cheiro, uma memória. Portanto, a palavra como conceito, uma vez que o conceito é. Flatland destaca-se pela forma como usa uma forte estrutura dramatúrgica, sublinhando a importância da apreensão e provando que há implicações numa exposição - de Flatman, ou do próprio espectador, quando o homem bi-dimensional faz uma citação.
Flatland é, afinal, uma proposta que resgata a consciência do espectador das suas necessidades e instintos básicos, tal como sabemos ser necessário continuar a ler quando as páginas de um livro terminam. Por isso, é uma proposta de leitura que usa uma estrutura teatral para se desenvolver. Voz, corpo, movimento e observação em busca de um final que nos permita seguir em frente.
Patrícia Portela propõe espectáculos quase científicos que recusam a finitude de uma história através da redefinição da importância de cada elemento convocado. Isto pode ser entendido como uma proposta fria e até mais associada ao campo da experimentação das artes visuais, mas curiosamente Flatland é, do ponto de vista teatral, uma proposta muito convencional: a sua busca de liberdade radica num desejo de alcançar uma 3ª dimensão. É o desejo de Flatman e a do próprio espectador que, no final do espectáculo, se apercebe que a realidade tem a forma que lhe quiser dar.
Esta performance multimédia parece salientar que a única forma das artes performativas se tornarem o mais verdadeiras possível, passa por uma consciente manipulação das próprias artes e práticas, de forma a que se possam atingir fronteiras flexíveis e esclarecedoras, em vez de fronteiras estanques.
Uma versão deste texto foi publicada na revista Título Provisório nº1
Flatland II - to be is to be seen está em cena na Galeria Zé dos Bois de 16 a 23 de Maio. Mais informações aqui.
Análise a Flatland - para cima e não para Norte
de Patrícia Portela
reposição na Galeria Zé dos Bois 2 a 4 de Maio 2005
Vencedor do Grande Prémio Maria Madalena Azeredo Perdigão 2004
Se considerarmos que, de cada vez que lemos um livro, construímos um universo de referências pessoais a partir daquilo que o autor cria, podemos também afirmar que os espaços existam, os tempos são os nossos e as personagens vivem ao nosso lado. Em Flatland, Patrícia Portela coloca de lado a noção "se quisermos" para nos confrontar com uma realidade viva, que depende do espectador/leitor para existir na sua imensa complexidade.
A autora força-nos a viver com as nossas próprias escolhas - livros, filmes, músicas, espectáculos -, como se nos quisesse expor às nossas próprias influências. Ancorada nesta manipulação da ilusão teatral, Flatland apresenta-se ao espectador como o lugar-último para a liberdade criativa; uma espécie de porta aberta para o mundo real como lugar de coisas inatingíveis que, no limite, já conhecemos.
No entanto, Flatland não se escusa ao dilema inerente a esta dependência. A sua existência acontece enquanto quisermos. No exacto momento em que se apercebe disso, Flatman, o homem bi-dimensional, resgata o espectador e obriga-o a assistir, ad aeternum, à sua realidade. Procede-se a uma inversão de papéis, afastando do espectador a opção de escolha, uma vez que o pedido de Flatman se torna desesperado. Flatland é uma proposta de observação que força o público a reflectir sobre o que o rodeia e o modo como isso o muda. No limite, é a defesa da teoria banal de que a arte não muda o mundo, é mudada por ele.
Com esta proposta de grandes proporções visuais, Patrícia Portela dá-nos a oportunidade de mudarmos o curso da História através de um espectáculo de resistência baseado no uso da palavra escrita, cénica e coreográfica. E um uso que implique um corpo, um som, um cheiro, uma memória. Portanto, a palavra como conceito, uma vez que o conceito é. Flatland destaca-se pela forma como usa uma forte estrutura dramatúrgica, sublinhando a importância da apreensão e provando que há implicações numa exposição - de Flatman, ou do próprio espectador, quando o homem bi-dimensional faz uma citação.
Flatland é, afinal, uma proposta que resgata a consciência do espectador das suas necessidades e instintos básicos, tal como sabemos ser necessário continuar a ler quando as páginas de um livro terminam. Por isso, é uma proposta de leitura que usa uma estrutura teatral para se desenvolver. Voz, corpo, movimento e observação em busca de um final que nos permita seguir em frente.
Patrícia Portela propõe espectáculos quase científicos que recusam a finitude de uma história através da redefinição da importância de cada elemento convocado. Isto pode ser entendido como uma proposta fria e até mais associada ao campo da experimentação das artes visuais, mas curiosamente Flatland é, do ponto de vista teatral, uma proposta muito convencional: a sua busca de liberdade radica num desejo de alcançar uma 3ª dimensão. É o desejo de Flatman e a do próprio espectador que, no final do espectáculo, se apercebe que a realidade tem a forma que lhe quiser dar.
Esta performance multimédia parece salientar que a única forma das artes performativas se tornarem o mais verdadeiras possível, passa por uma consciente manipulação das próprias artes e práticas, de forma a que se possam atingir fronteiras flexíveis e esclarecedoras, em vez de fronteiras estanques.
Uma versão deste texto foi publicada na revista Título Provisório nº1
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2 comentários:
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