segunda-feira, maio 16, 2005

A nossa realidade

Análise a Flatland - para cima e não para Norte
de Patrícia Portela
reposição na Galeria Zé dos Bois 2 a 4 de Maio 2005

Vencedor do Grande Prémio Maria Madalena Azeredo Perdigão 2004

Image hosted by Photobucket.com

Se considerarmos que, de cada vez que lemos um livro, construímos um universo de referências pessoais a partir daquilo que o autor cria, podemos também afirmar que os espaços existam, os tempos são os nossos e as personagens vivem ao nosso lado. Em Flatland, Patrícia Portela coloca de lado a noção "se quisermos" para nos confrontar com uma realidade viva, que depende do espectador/leitor para existir na sua imensa complexidade.

A autora força-nos a viver com as nossas próprias escolhas - livros, filmes, músicas, espectáculos -, como se nos quisesse expor às nossas próprias influências. Ancorada nesta manipulação da ilusão teatral, Flatland apresenta-se ao espectador como o lugar-último para a liberdade criativa; uma espécie de porta aberta para o mundo real como lugar de coisas inatingíveis que, no limite, já conhecemos.

No entanto, Flatland não se escusa ao dilema inerente a esta dependência. A sua existência acontece enquanto quisermos. No exacto momento em que se apercebe disso, Flatman, o homem bi-dimensional, resgata o espectador e obriga-o a assistir, ad aeternum, à sua realidade. Procede-se a uma inversão de papéis, afastando do espectador a opção de escolha, uma vez que o pedido de Flatman se torna desesperado. Flatland é uma proposta de observação que força o público a reflectir sobre o que o rodeia e o modo como isso o muda. No limite, é a defesa da teoria banal de que a arte não muda o mundo, é mudada por ele.

Com esta proposta de grandes proporções visuais, Patrícia Portela dá-nos a oportunidade de mudarmos o curso da História através de um espectáculo de resistência baseado no uso da palavra escrita, cénica e coreográfica. E um uso que implique um corpo, um som, um cheiro, uma memória. Portanto, a palavra como conceito, uma vez que o conceito é. Flatland destaca-se pela forma como usa uma forte estrutura dramatúrgica, sublinhando a importância da apreensão e provando que há implicações numa exposição - de Flatman, ou do próprio espectador, quando o homem bi-dimensional faz uma citação.

Flatland é, afinal, uma proposta que resgata a consciência do espectador das suas necessidades e instintos básicos, tal como sabemos ser necessário continuar a ler quando as páginas de um livro terminam. Por isso, é uma proposta de leitura que usa uma estrutura teatral para se desenvolver. Voz, corpo, movimento e observação em busca de um final que nos permita seguir em frente.

Patrícia Portela propõe espectáculos quase científicos que recusam a finitude de uma história através da redefinição da importância de cada elemento convocado. Isto pode ser entendido como uma proposta fria e até mais associada ao campo da experimentação das artes visuais, mas curiosamente Flatland é, do ponto de vista teatral, uma proposta muito convencional: a sua busca de liberdade radica num desejo de alcançar uma 3ª dimensão. É o desejo de Flatman e a do próprio espectador que, no final do espectáculo, se apercebe que a realidade tem a forma que lhe quiser dar.

Esta performance multimédia parece salientar que a única forma das artes performativas se tornarem o mais verdadeiras possível, passa por uma consciente manipulação das próprias artes e práticas, de forma a que se possam atingir fronteiras flexíveis e esclarecedoras, em vez de fronteiras estanques.

Uma versão deste texto foi publicada na revista Título Provisório nº1

Flatland II - to be is to be seen está em cena na Galeria Zé dos Bois de 16 a 23 de Maio. Mais informações aqui.

2 comentários:

Anónimo disse...

What a great site
Domain cash vault Kylie minogue lingerie ad

Anónimo disse...

Wonderful and informative web site. I used information from that site its great. London incorporation 1984 subaru gl tech 35 phendimetrazine