de Carlos Martínez (Espanha)
Escola D. António da Costa, Almada
13 Julho 2005
22h00
Espectáculo de honra 2005
A crítica que se segue é relativa à apresentação do espectáculo a 10 de Junho no no Fórum Municipal José Manuel Figueiredo, na Baixa da Banheira. O mesmo espectáculo repete hoje em Almada
Cenas exemplares
por Pedro Manuel
A mímica devia chamar-se minímica.
Por um lado, porque os seus recursos são mínimos, por outro, pela mínima importância que se lhe dácomo ferramenta expressiva do actor (e do espectador) e pela mínima afirmação que tem em relação à maior parte do teatro convencional.
A mímica é uma linguagem teatral, caracterizada pelo gesto e pelo silêncio, que se autonomizou a partir dos funâmbulos e dos clowns, tomando como base as personagens da commedia dellarte, de onde Arlequin e Pierrot são exemplos. No século XX, através da investigação de Jacques Copeau, Etienne Decroux, Barrault e Lecoq, a mímica desenvolve-se no amplo movimento de pesquisa e experimentação teatral sobre a expressividade do gesto e do rosto, encontrando em Marcel Marceau o reconhecimento popular e a estabilização do ícone de mimo.
Em Portugal a mímica não é uma arte autónoma, não há nenhum artista ou grupo que se dedique exclusivamente a esta linguagem, mas tem contribuído para criar espectáculos reconhecidos pela crítica e pelo público, estando presente em diversas formas de teatralização, desde os fortuitos homens-estátua aos animadores de festas de rua e, mais próxima da criação artística, em grupos de expressão circense, associando a mímica à técnica de clown, como é o caso da Companhia de Teatro do Chapitô, da Peripécia Teatro e do Teatro Meridional, assim como da Casa da Comédia, ou do Teatro Este, onde se explora o teatro gestual através da técnica da máscara. Aliás, é através da ideia de teatro gestual ou expressão corporal que a mímica se infiltra por entre as técnicas expressivas das companhias e a formação dos actores ou de iniciação teatral.
No espectáculo Hand Made, Carlos Martinez seleccionou um conjunto de cenas isoladas onde apresenta cenas da vida quotidiana (a Paragem de autocarro, o Avião, a Rosa ideal) assim como pequenas cenas convencionais (o Relógio, os Jogos olímpicos, a História do Capuchinho Vermelho) Com um perfeito domínio técnico, na definição dos gestos, dos tempos e do olhar, Carlos Martinez oferece uma hora de puro entretenimento, uma viagem mais ou menos silenciosa com momentos de grande humor e emoção, rigorosamente elaborados, em constante comunicação com o público, com uma postura descontraída e bem humorada. Um tipo simpático.
Por definição, a mímica dá a ver o invisível, por sugestão dos movimentos e da expressão corporal. Assim, não é só uma técnica de construção de imagens mas de compreensão, de construção de raciocínios. Ver mímica faz pensar, exercita os instintos de fingimento e compreensão. E Carlos Martinez parece ter consciência desse poder da técnica expressiva. Numa das cenas, recupera a imagem do mimo preso numa caixa invisível, apalpando uma saída nas paredes e inventado vários recursos para escapar. A cena não é muito desenvolvida para além da demonstração técnica, do exemplo. Noutra cena, O Espelho, o mimo passa por um espelho. Na base desse espelho estão máscaras com várias expressões. O mimo experimenta uma, depois outra, depois mais duas, depois põe todas ao mesmo tempo e tira-as todas de uma vez. É uma cena exemplar, do ponto de vista do domínio técnico da expressão facial, e um desafio às subtis relações entre a máscara do mimo e a técnica da máscara. Assim, nestas duas cenas, reconhecemos uma preocupação em dar a conhecer a técnica, expor fundamentos, ensinar, mas através do próprio teatro.
No final do espectáculo - vou ser desmancha-prazeres -, Carlos Martinez limpa a máscara branca do rosto, fica com a cara a nu, sem personagem. Seria o fim previsível do espectáculo, como nos espectáculos de máscara, mas o mimo apresenta mais uma cena. A circunstância desta transgressão, fazer mímica sem a máscara, reforça a empatia pelo actor, exposto, mas também desdobra o espectáculo numa lição. Através de uma rigorosa expressividade do mínimo, podemos reconhecer em Hand Made um lado lúdico e um lado pedagógico pondo em prática, pelo silêncio, uma máxima do classicismo verborreico: divertir e instruir.
Hand Made, o espectáculo de honra do Festival de Almada 2004, foi apresentado no Fórum José Manuel Figueiredo, na Baixa da Banheira. Surpresa? A razão deste desvio de Carlos Martinez, também por Santarém, Entroncamento e Nazaré, deve-se à inclusão do espectáculo de honra do Festival de Almada na programação da Artemrede Associação de Teatros e Cine-Teatros Municipais, uma associação de municípios para produção e programação de espectáculos para espaços municipais que, a bom tempo, integrou a proposta de Carlos Martinez, pondo em itinerância um espectáculo internacional, com uma logística mínima.
A este gesto não deve ser alheio a inclusão do novo Teatro Azul, em Almada, na rede de equipamentos da Artemrede. É uma prática a continuar? A Artemrede pode conduzir a uma maior descentralização do Festival de Almada ou de outros Festivais de Música, Dança e Teatro da área da Grande Lisboa? E numa perspectiva mais abrangente, estaremos perante uma oportunidade de criar modelos alternativos de produção de espectáculos através desta e de outras redes de programação de espectáculos? - o caso da Rede de Teatros e Cine-Teatros do Ministério da Cultura, da Sem Rede - Rede Nacional de Programação de Novo Circo ou da REDE - Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea.
Como única certeza, a estrada até à Escola António Costa para ver o artesanato de Hand Made.
Todos os links foram fornecidos pelo autor do texto.
Outras críticas aos espectáculos do 22º Festival de Almada já publicadas:
MANUCURE, de João Grosso, por Tiago Bartolomeu Costa
PODER, pela Companhia de Teatro de Almada, por Pedro Manuel
FARSA QUIXOTESCA, pela companhia Pia Fraus, por Tiago Bartolomeu Costa
NOUS ETIONS ASSIS SUR LE RIVAGE DU MONDE, pela UBU-Compagnie de Creation, por Pedro Manuel
11 M - VOCES CONTRA LA BARBARIE, pela Dante Producciones, por Tiago Bartolomeu Costa
Toda a programação do 22º Festival de Almada pode ser consultada aqui.
Ver dossier OCUPAR O CORAÇÃO - O MELHOR ANJO NO 22º FESTIVAL DE ALMADA
13 Julho 2005
22h00
Espectáculo de honra 2005
A crítica que se segue é relativa à apresentação do espectáculo a 10 de Junho no no Fórum Municipal José Manuel Figueiredo, na Baixa da Banheira. O mesmo espectáculo repete hoje em Almada
Cenas exemplares
por Pedro Manuel
A mímica devia chamar-se minímica.
Por um lado, porque os seus recursos são mínimos, por outro, pela mínima importância que se lhe dácomo ferramenta expressiva do actor (e do espectador) e pela mínima afirmação que tem em relação à maior parte do teatro convencional.
A mímica é uma linguagem teatral, caracterizada pelo gesto e pelo silêncio, que se autonomizou a partir dos funâmbulos e dos clowns, tomando como base as personagens da commedia dellarte, de onde Arlequin e Pierrot são exemplos. No século XX, através da investigação de Jacques Copeau, Etienne Decroux, Barrault e Lecoq, a mímica desenvolve-se no amplo movimento de pesquisa e experimentação teatral sobre a expressividade do gesto e do rosto, encontrando em Marcel Marceau o reconhecimento popular e a estabilização do ícone de mimo.
Em Portugal a mímica não é uma arte autónoma, não há nenhum artista ou grupo que se dedique exclusivamente a esta linguagem, mas tem contribuído para criar espectáculos reconhecidos pela crítica e pelo público, estando presente em diversas formas de teatralização, desde os fortuitos homens-estátua aos animadores de festas de rua e, mais próxima da criação artística, em grupos de expressão circense, associando a mímica à técnica de clown, como é o caso da Companhia de Teatro do Chapitô, da Peripécia Teatro e do Teatro Meridional, assim como da Casa da Comédia, ou do Teatro Este, onde se explora o teatro gestual através da técnica da máscara. Aliás, é através da ideia de teatro gestual ou expressão corporal que a mímica se infiltra por entre as técnicas expressivas das companhias e a formação dos actores ou de iniciação teatral.
No espectáculo Hand Made, Carlos Martinez seleccionou um conjunto de cenas isoladas onde apresenta cenas da vida quotidiana (a Paragem de autocarro, o Avião, a Rosa ideal) assim como pequenas cenas convencionais (o Relógio, os Jogos olímpicos, a História do Capuchinho Vermelho) Com um perfeito domínio técnico, na definição dos gestos, dos tempos e do olhar, Carlos Martinez oferece uma hora de puro entretenimento, uma viagem mais ou menos silenciosa com momentos de grande humor e emoção, rigorosamente elaborados, em constante comunicação com o público, com uma postura descontraída e bem humorada. Um tipo simpático.
Por definição, a mímica dá a ver o invisível, por sugestão dos movimentos e da expressão corporal. Assim, não é só uma técnica de construção de imagens mas de compreensão, de construção de raciocínios. Ver mímica faz pensar, exercita os instintos de fingimento e compreensão. E Carlos Martinez parece ter consciência desse poder da técnica expressiva. Numa das cenas, recupera a imagem do mimo preso numa caixa invisível, apalpando uma saída nas paredes e inventado vários recursos para escapar. A cena não é muito desenvolvida para além da demonstração técnica, do exemplo. Noutra cena, O Espelho, o mimo passa por um espelho. Na base desse espelho estão máscaras com várias expressões. O mimo experimenta uma, depois outra, depois mais duas, depois põe todas ao mesmo tempo e tira-as todas de uma vez. É uma cena exemplar, do ponto de vista do domínio técnico da expressão facial, e um desafio às subtis relações entre a máscara do mimo e a técnica da máscara. Assim, nestas duas cenas, reconhecemos uma preocupação em dar a conhecer a técnica, expor fundamentos, ensinar, mas através do próprio teatro.
No final do espectáculo - vou ser desmancha-prazeres -, Carlos Martinez limpa a máscara branca do rosto, fica com a cara a nu, sem personagem. Seria o fim previsível do espectáculo, como nos espectáculos de máscara, mas o mimo apresenta mais uma cena. A circunstância desta transgressão, fazer mímica sem a máscara, reforça a empatia pelo actor, exposto, mas também desdobra o espectáculo numa lição. Através de uma rigorosa expressividade do mínimo, podemos reconhecer em Hand Made um lado lúdico e um lado pedagógico pondo em prática, pelo silêncio, uma máxima do classicismo verborreico: divertir e instruir.
Hand Made, o espectáculo de honra do Festival de Almada 2004, foi apresentado no Fórum José Manuel Figueiredo, na Baixa da Banheira. Surpresa? A razão deste desvio de Carlos Martinez, também por Santarém, Entroncamento e Nazaré, deve-se à inclusão do espectáculo de honra do Festival de Almada na programação da Artemrede Associação de Teatros e Cine-Teatros Municipais, uma associação de municípios para produção e programação de espectáculos para espaços municipais que, a bom tempo, integrou a proposta de Carlos Martinez, pondo em itinerância um espectáculo internacional, com uma logística mínima.
A este gesto não deve ser alheio a inclusão do novo Teatro Azul, em Almada, na rede de equipamentos da Artemrede. É uma prática a continuar? A Artemrede pode conduzir a uma maior descentralização do Festival de Almada ou de outros Festivais de Música, Dança e Teatro da área da Grande Lisboa? E numa perspectiva mais abrangente, estaremos perante uma oportunidade de criar modelos alternativos de produção de espectáculos através desta e de outras redes de programação de espectáculos? - o caso da Rede de Teatros e Cine-Teatros do Ministério da Cultura, da Sem Rede - Rede Nacional de Programação de Novo Circo ou da REDE - Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea.
Como única certeza, a estrada até à Escola António Costa para ver o artesanato de Hand Made.
Todos os links foram fornecidos pelo autor do texto.
Outras críticas aos espectáculos do 22º Festival de Almada já publicadas:
MANUCURE, de João Grosso, por Tiago Bartolomeu Costa
PODER, pela Companhia de Teatro de Almada, por Pedro Manuel
FARSA QUIXOTESCA, pela companhia Pia Fraus, por Tiago Bartolomeu Costa
NOUS ETIONS ASSIS SUR LE RIVAGE DU MONDE, pela UBU-Compagnie de Creation, por Pedro Manuel
11 M - VOCES CONTRA LA BARBARIE, pela Dante Producciones, por Tiago Bartolomeu Costa
Toda a programação do 22º Festival de Almada pode ser consultada aqui.
Ver dossier OCUPAR O CORAÇÃO - O MELHOR ANJO NO 22º FESTIVAL DE ALMADA
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