excertos das críticas publicadas neste blog aos espectáculos apresentados nos Encontros Lisboa 2005-2206, dos mesmos criadores presentes nesta edição do Alkantara
De olhos sempre abertos e braços esticados ao longo do corpo, os dois performers nunca cruzam o olhar, nem se fixam nos espectadores. Operam uma ideia de abstracção, sendo que o controlo a que forçam o rosto e o corpo não é o mesmo nos sons que executam. O corpo depressa se tornará num mecanismo de produção de formas de pensar os limites da exposição. Parecem provocar-se ao ponto de sugerirem uma anulação física. Quase como se ao espectador fosse pedido para esquecer a forma e pensar o conteúdo. […] Mesmo que, a espaços, seja violento, grotesco, animal e quase necrófilo, é também de uma delicadeza emocional, na qual perpassa a ideia de uma máscara que uniformiza o outro e o torna igual a si. Daí se poder dizer que o par é uma estranha unidade num corpo bicéfalo. E que a total e completa junção de dois corpos em um não surge através da mimese mas da complementaridade. Ou seja, quase como se procurassem, depois da pele marcada, a marcação do interior. E uma marcação objectiva, indicativa e pessoal, tal como nas civilizações antigas em que o vencedor se marcava com o sangue do vencido. […] Nesse sentido, propõe-se aqui não uma dissecação do corpo enquanto instrumento sexual, mas uma idealização. Ou seja, que corpo nú se apresenta? Que corpo se quer performatizado/performatizável? Aqui, esse corpo será objecto não de uma exposição por estar nú (o nú é só uma das variantes do figurino), mas por procurar uma forma.
Ana Borralho e João Galante, com Atsushi Nishijima apresentam No Body Never Mind 003 de 05 a 09 Junho na Culturgest
excerto de crítica a Leitura de Listas, de Filipa Francisco
No caso de Filipa Francisco trata-se da busca de um espaço para o corpo enquanto instrumento de manipulação do quotidiano, da vivência e da reflexão organizada sobre essa mesma vivência. […] A escolha de um caderno, que por vezes se apresenta como um novo desafio (sobretudo quando a essa leitura associa movimento, sai do espaço ou constrói uma ambiência sonora e visual), remete sempre para a frieza e bidimensionalidade das próprias listas. A ideia preliminar - um trabalho algo informal e up-to-date sobre o próprio processo criativo - parece, assim, ser anulada em nome de uma proposta de conversão de um conjunto de aleatoriedades e coincidências em esquemas formatados, que só a observação atenta força a uma organização.
excerto de crítica a Leitura de Listas, de Filipa Francisco
No caso de Filipa Francisco trata-se da busca de um espaço para o corpo enquanto instrumento de manipulação do quotidiano, da vivência e da reflexão organizada sobre essa mesma vivência. […] A escolha de um caderno, que por vezes se apresenta como um novo desafio (sobretudo quando a essa leitura associa movimento, sai do espaço ou constrói uma ambiência sonora e visual), remete sempre para a frieza e bidimensionalidade das próprias listas. A ideia preliminar - um trabalho algo informal e up-to-date sobre o próprio processo criativo - parece, assim, ser anulada em nome de uma proposta de conversão de um conjunto de aleatoriedades e coincidências em esquemas formatados, que só a observação atenta força a uma organização.
O que Cláudia Müller oferece, numa atitude falhada de ex-machina é a hipótese de confronto entre as marcas do público e as suas. Fixa, assim, uma ideia de marca e cicatriz que têm menos a ver com uma aprendizagem, mas mais com uma obsessão.
Os trabalhos de Cristina Blanco, Andrea Sonnberger e Gustavo Círiaco mostraram-se como plataformas para o entendimento de um corpo reactivo, que integra e pensa e envolvente. Não tanto no sentido de produzir novas envolventes, mas antes com a vontade de pensar ‘o que chega’ a uma coreografia.
Se considerarmos que o trabalho de Filipa Francisco e Cláudia Müller (bem como o de Cristina Blanco, Andrea Sonnberger, Gustavo Ciríaco e Ana Borralho/João Galante, apresentados anteriormente no âmbito do Encontro Lisboa 2005) pressupõe a criação de diálogos entre corpo, o espaço mas, sobretudo, a criação de teias, redes e pontos de contacto, devemos ter em conta que a coreografia dependente da memória, obriga a uma consciencialização do modo como se organizam discursos performáticos. António Pinto Ribeiro abre o seu ensaio por exemplo a cadeira (Edições Cotovia, 1997), exactamente com aquilo que pode ser um aviso para esta relação memória/ficção – corpo/realidade: “um corpo não é uma entidade abstracta, um receptáculo onde se podem colocar atributos tais como alto, baixo, forte, magro; não é uma esfera a que se circunscreve o ser num determinado tempo, mas é uma energia, onde se inscrevem circulações, substâncias, forças, pigmentações, comportamentos resultantes de treinos, de técnicas e de linguagens a que está permanentemente sujeito. Esta é uma constatação essencial e uma alteração radical no modo de colocar o problema do corpo no final deste século”. (p.7).
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