No dia em que começa o Alkantara festival, O Melhor Anjo falou com Mark Deputter, director artístico do festival. Nesta conversa abrem-se pistas para a compreensão da estratégia de programação na qual assenta o festival. Dá-se conta do trabalho desenvolvido e estabelecem-se pontes com o contexto de criação nacional, os circuitos de internacionalização, as políticas de programação, as transferências artísticas e o modo como foi pensado o regresso de um festival que quer deixar marcas na paisagem nacional.
«o festival tem a vocação de alimentar os públicos»
Quatro anos depois o regresso do festival faz-se com imagem e identidade renovada. Esta edição é um ponto de paragem para reflectir sobre o tempo que passou e o que evoluiu nas artes performativas?
Há dois elementos importantes. O primeiro tem a ver com a própria cidade. Queria criar um grande festival que mexesse com toda a cidade. Em 2002 percebi que o festival era um momento único apesar das suas forças e fraquezas. Fraqueza sobretudo porque acontece uma vez e não tem continuidade. Por outro lado tem a força de ser um momento especial que faz vibrar a cidade. Gostava de viver numa cidade que vibrasse com a cultura. Queria fazer um festival que fosse isso. E por isso também é um festival que procurou colaborações com vários espaços e teatros na cidade de Lisboa. O segundo elemento é a internacionalização. Estamos fora dos grandes eixos de circulação, por contingências geográficas, e eu queria muito voltar a ter um fluxo de pessoas estrangeiras, artistas estrangeiros em Lisboa. Mas não só ter estes artistas aqui durante uns dias a apresentar o seu trabalho mas também tentar criar uma presença mais prolongada e uma programação mais aprofundada. Não me interessava só apresentar nomes que acho importante que sejam vistos aqui, até porque tem havido nos últimos anos uma grande presença de companhias estrangeiras em Lisboa. E de facto uma parte importante do projecto que queremos desenvolver far-se-á entre festivais, com projectos, oportunidades de encontro, laboratórios artísticos, residências internacionais, que depois podem resultar numa apresentação no festival. O que é importante neste projecto não é juntar pessoas de vários países, mas pensar a própria estratégia de criação, partilharem entre elas quais os seus métodos e processos, trocar ideias. Foi isso que aconteceu o ano passado, com os Encontros Imediatos 2005-2006, onde criadores portugueses se juntaram a brasileiros, do Egipto, Japão, Alemanha e Espanha, que apresentam agora os resultados finais.
Com esses diálogos e com os nomes que nunca tinham vindo cá e era preciso que viessem, houve a preocupação em trazer coisas que poderiam fazer sentido dentro das linhas que se andam a criar em Portugal?
Em primeiro lugar é para o público, para as pessoas. Mas também há pessoas que convidei que gostaria de voltar a trazer, entre festivais, para um trabalho mas laboratorial. Estou a falar com os Forced Entertainment nesse sentido para que possam trabalhar com pessoas de cá entre festivais. Mas nessa edição, por exemplo, e para além dos Encontros Imediatos 2005-2006, a coreógrafa turca Aydin Teker fez a peça [Akabi, 9 e 10, Teatro Camões] com músicos portugueses [Manuel Mota e Margarida Garcia], por exemplo. Isto é a primeira vez que acontece e é tarde, começou tudo o ano passado, depois de mudarmos de nome mas com o tempo quero criar uma ligação muito mais forte
Nesta edição dá-se igual destaque e importância ao teatro. O que está por detrás desta estratégia?
O teatro, assim como a performance ou as artes visuais, já tinham existido nas edições anteriores. Para nós é uma evolução lógica que tem a ver com aquilo que acontece dentro da comunidade artística onde há ligações às vezes muito mais fortes entre pessoas de um certo tipo de teatro e a dança do que entre um certo tipo de dança e outro. Neste momento estão a acontecer no teatro projectos com importância e com capacidade de serem vistos internacionalmente. O que aconteceu na dança no início dos anos 90 está a acontecer com o teatro, sobretudo nos últimos 5 anos. Temos a ambição de fazer no teatro o mesmo que temos vindo a fazer na dança, ajudar na internacionalização. Mas não se faz isso de um momento para o outro.
Abres para o teatro com propostas que se centram em que linhas, uma vez que se encontram espectáculos que se baseiam no texto (A paixão segundo João, Artistas Unidos, O Senhor Armand, vulgo Garincha, Pedro Carraca) e outros que podem passar por uma relação mais física (Trilogia Flatland, Patrícia Portela) ou mesmo um questionar sobre o que é o teatro hoje (Discotheater, Teatro Praga)? Que teatro contemporâneo nacional estás a querer “definir”?
Não estava à procura de uma linha muito específica porque não queria limitar o teatro ao teatro físico ou a um teatro que esteja muito ligado à dança. Achava importante ter uma programação que fosse bastante alargada e que desse conta das diferenças graduais. É isso que está presente no festival. Há pessoas que em relação à Patrícia Portela dizem que tem mais a ver com dança do que com o teatro. Eu preferia chegar ao ponto em que não era necessário salientar as diferenças entre os dois, sendo este um festival de artes do espectáculo. No total da programação temos isso presente. No plano internacional, por exemplo, há propostas relevantes no teatro de texto, onde o texto é só o ponto de partida. É o caso do Tim Crouch [an oak tree, 15 a 18, Culturgest]. O Rabih Mroué [Who’s afraid of representation?, 5 e 6, Maria Matos] é um teatro relacionado com as artes visuais, tal como o Jan Lauwers [Isabella’s room, 2 e 3, São Luiz] onde a componente visual é fundamental.
É nessas combinações e transferências que se encontra a identidade do festival?
A nossa vontade não é de fazer só o festival, mas este movimento de actividades. É muito importante este elemento de colaboração entre culturas, mas também de relação entre o festival e os criadores. A CulturArte, vinda de Moçambique, com uma coreografia de Panaibra Gabriel [Dentro de mim outra ilha, 10 e 11, Maria Matos] com quem temos uma colaboração de alguns anos, ou o [projecto de formação belga] PARTS, que prolonga a relação que já existia. Há outros projectos com a mesma lógica, como os laços com o Panorama Rio, onde em Outubro/Novembro do ano passado se apresentaram os Encontros Imediatos 2005-2006, ou à Tânia Carvalho [Orquéstica, 8 e 9, Culturgest] a quem demos possibilidade de fazer audições internacionais. São vários os exemplos porque isto é um elemento muito específico deste festival, que será desenvolvido no futuro. Para além disso há uma aposta clara em linguagens que procuram os limites do seu domínio, elaborando uma linguagem própria mas que responde a questões que devem estar presentes em vários criadores contemporâneos. Há vários exemplos: os Forced Entertainment levam o teatro quase ao limite, seja enquanto disciplina (The World in Pictures) seja na literatura (Exquiste Pain). E há o Bruno Beltrão que re-inventa o hip-hop [H2 2005, 10 e 11, CCB], a Aydin Teker que leva o movimento quase para além do limite do corpo humano. São propostas de artistas que vivem a sua arte numa procura que é quase uma obsessão ininterrupta. Artistas que buscam uma re-invenção.
É esse o papel que devem desempenhar os agentes culturais, procurando uma reformulação das relações, numa altura em que se atravessam dificuldades concretas na realização das propostas? Mas ao mesmo tempo não é isso um contributo perverso para a ideia de que tudo se faz independentemente das condições externas, nomeadamente políticas e sociais?
Pois. É um problema e implica um grande esforço, claro. Há um aspecto importante, e é também por isso que o festival é reconhecido, que é a forte presença de criadores nacionais. Num contexto tão difícil este festival tem um papel a desenvolver. Tem esse efeito perverso de criar a sensação de que está tudo a correr bem, que já há muitos criadores nacionais a trabalharem com condições, que é um grande festival, residências em todo o mundo… Parece que há imenso dinheiro, mas não há. Há sobretudo muita boa vontade. A criação de mais uma cortina de fumo perturba-me um bocado. Por sermos uma coisa contínua, termos uma história sobretudo também no plano internacional, o festival torna-se um elemento de perturbação positiva que tem efeitos duradouros. Cria possibilidades para as pessoas serem vistas internacionalmente, e há “n” exemplos de nomes nacionais que a partir do festival passaram a ter uma carreira internacional [Tiago Guedes, Sónia Baptista ou Vitalina Sousa, por exemplo].
Acontece como a colaboração com os vários espaços [18 no total, entre teatros, armazéns, galerias, apartamentos e espaços ao ar livre só para a programação principal] ?
Houve vários casos, desde o Maria Matos que só recentemente se soube que poderia colaborar até ao CCB e à Culturgest onde se falou desde o início sobre o que se poderia apresentar. O convite que lançámos implicava duas coisas: uma discussão sobre o conteúdo dos espectáculos e como é que o festival entrava dentro da programação contínua destes teatros.
Isso significa que a programação foi assinada em conjunto?
À partida a programação é minha mas procurou criar-se uma proposta comum que respondesse tanto aos desejos do festival como às vontades dos espaços. Houve outros espaços que poderiam ter apresentado outras peças, mas também cada espaço é um espaço. Com o S. Carlos, por exemplo, o Alain Platel [vsprs, 16 a 18, Teatro Camões] foi uma proposta nossa que foi aceite com entusiasmo, sobretudo porque significava uma renovação de público, mas que só foi para o Teatro Camões por dificuldades técnicas [o S. Carlos apresenta neste momento O Ouro do Reno, de Wagner]. Mas não tenho dificuldade em perceber porque é que o Romeo Castelluci [Tragedia Endogonidia Bruxelles #4, 14 e 15, CCB] interessa ao Giacomo Scalisi [programador de teatro do CCB], porque tem a ver com o trabalho que ele esta a desenvolver, com um interesse especial no teatro visual e um teatro que consegue dialogar através de uma postura e imaginário muito forte. Também a Tânia Carvalho, co-produção q fizemos com a Culturgest, é um nome que o Gil Mendo [programador de dança na Culturgest] está a seguir à bastante tempo…
A contaminação de que falas para os criadores fará então sentido se estendida nas programações dos espaços, aproveitando as sinergias criadas com o festival, e proporcionando ao público um maior acesso a nomes e espectáculos que circulam lá fora e seria importante serem apresentados aqui.
Espero que sim, que exista, porque eu gostava de ver continuar estas colaborações. A nossa ambição é criar “o” festival de artes performativas na cidade e por isso precisamos destes parceiros para aderir. O aproveitamento é positivo. É uma sinergia onde todos ganham, Alkantara, programadores/espaços e público porque têm acesso a uma grande oferta em tão pouco tempo. Se no meio disto tudo o CCB se aproveita para fazer coisas que seriam mais difíceis e se o S. Carlos se aproveita do festival para apresentar uma proposta mais jovem, arrojada e inovadora, óptimo. Eu sei que para eles é importante criar outra imagem, renovarem-se. E depois há o cruzamento de públicos que eu acho fantástico. Para mim o festival tem a vocação de alimentar os públicos.
É uma estratégia o Alkantara querer ser “o” festival da cidade de Lisboa?
Nas artes performativas acho que estão lançadas as bases para que o festival se instale na cidade de forma regular, sobretudo por causa da intenção da Câmara Municipal de Lisboa em proporcionar ao festival as condições para que aconteça, através de um protocolo por dois anos com o festival e o Ministério da Cultura/Instituto das Artes. Enfim, não há nada escrito, mas há essa vontade de se criar um festival regular que possa ser feito com condições e segurança.
Estamos a falar de que valores?
Temos um orçamento total de 700 mil euros, três vezes menos do que custaria se tivéssemos que pagar tudo. E só os gastos estão calculados em 550 mil euros. Há um apoio bianual do Instituto das Artes de 155 mil euros para 2005-2006, mais 25 mil euros do Prémio Almada 2004, 335 mil dos parceiros co-produtores, 100 mil da CML e 45 mil euros de fundos europeus. Esperando ainda recolher 150 mil euros de bilheteira, que serão distribuídos pelos espaços de apresentação.
Esta abertura é um risco que assumes? Qual a margem de risco que tens?
Se não mudamos as coisas o mundo pára. É um cliché, mas é verdade. Assumimos riscos, claro. Mas… acho que vai correr muito bem [risos]. Para mim o grande passo será o aumento de público. Em 2002 tivemos cerca de 15 mil pessoas, este ano apontamos para as 20 mil. O pior que pode acontecer é não ter público, não é os espectáculos serem arriscados.
«o festival tem a vocação de alimentar os públicos»
Quatro anos depois o regresso do festival faz-se com imagem e identidade renovada. Esta edição é um ponto de paragem para reflectir sobre o tempo que passou e o que evoluiu nas artes performativas?
Há dois elementos importantes. O primeiro tem a ver com a própria cidade. Queria criar um grande festival que mexesse com toda a cidade. Em 2002 percebi que o festival era um momento único apesar das suas forças e fraquezas. Fraqueza sobretudo porque acontece uma vez e não tem continuidade. Por outro lado tem a força de ser um momento especial que faz vibrar a cidade. Gostava de viver numa cidade que vibrasse com a cultura. Queria fazer um festival que fosse isso. E por isso também é um festival que procurou colaborações com vários espaços e teatros na cidade de Lisboa. O segundo elemento é a internacionalização. Estamos fora dos grandes eixos de circulação, por contingências geográficas, e eu queria muito voltar a ter um fluxo de pessoas estrangeiras, artistas estrangeiros em Lisboa. Mas não só ter estes artistas aqui durante uns dias a apresentar o seu trabalho mas também tentar criar uma presença mais prolongada e uma programação mais aprofundada. Não me interessava só apresentar nomes que acho importante que sejam vistos aqui, até porque tem havido nos últimos anos uma grande presença de companhias estrangeiras em Lisboa. E de facto uma parte importante do projecto que queremos desenvolver far-se-á entre festivais, com projectos, oportunidades de encontro, laboratórios artísticos, residências internacionais, que depois podem resultar numa apresentação no festival. O que é importante neste projecto não é juntar pessoas de vários países, mas pensar a própria estratégia de criação, partilharem entre elas quais os seus métodos e processos, trocar ideias. Foi isso que aconteceu o ano passado, com os Encontros Imediatos 2005-2006, onde criadores portugueses se juntaram a brasileiros, do Egipto, Japão, Alemanha e Espanha, que apresentam agora os resultados finais.
Com esses diálogos e com os nomes que nunca tinham vindo cá e era preciso que viessem, houve a preocupação em trazer coisas que poderiam fazer sentido dentro das linhas que se andam a criar em Portugal?
Em primeiro lugar é para o público, para as pessoas. Mas também há pessoas que convidei que gostaria de voltar a trazer, entre festivais, para um trabalho mas laboratorial. Estou a falar com os Forced Entertainment nesse sentido para que possam trabalhar com pessoas de cá entre festivais. Mas nessa edição, por exemplo, e para além dos Encontros Imediatos 2005-2006, a coreógrafa turca Aydin Teker fez a peça [Akabi, 9 e 10, Teatro Camões] com músicos portugueses [Manuel Mota e Margarida Garcia], por exemplo. Isto é a primeira vez que acontece e é tarde, começou tudo o ano passado, depois de mudarmos de nome mas com o tempo quero criar uma ligação muito mais forte
Nesta edição dá-se igual destaque e importância ao teatro. O que está por detrás desta estratégia?
O teatro, assim como a performance ou as artes visuais, já tinham existido nas edições anteriores. Para nós é uma evolução lógica que tem a ver com aquilo que acontece dentro da comunidade artística onde há ligações às vezes muito mais fortes entre pessoas de um certo tipo de teatro e a dança do que entre um certo tipo de dança e outro. Neste momento estão a acontecer no teatro projectos com importância e com capacidade de serem vistos internacionalmente. O que aconteceu na dança no início dos anos 90 está a acontecer com o teatro, sobretudo nos últimos 5 anos. Temos a ambição de fazer no teatro o mesmo que temos vindo a fazer na dança, ajudar na internacionalização. Mas não se faz isso de um momento para o outro.
Abres para o teatro com propostas que se centram em que linhas, uma vez que se encontram espectáculos que se baseiam no texto (A paixão segundo João, Artistas Unidos, O Senhor Armand, vulgo Garincha, Pedro Carraca) e outros que podem passar por uma relação mais física (Trilogia Flatland, Patrícia Portela) ou mesmo um questionar sobre o que é o teatro hoje (Discotheater, Teatro Praga)? Que teatro contemporâneo nacional estás a querer “definir”?
Não estava à procura de uma linha muito específica porque não queria limitar o teatro ao teatro físico ou a um teatro que esteja muito ligado à dança. Achava importante ter uma programação que fosse bastante alargada e que desse conta das diferenças graduais. É isso que está presente no festival. Há pessoas que em relação à Patrícia Portela dizem que tem mais a ver com dança do que com o teatro. Eu preferia chegar ao ponto em que não era necessário salientar as diferenças entre os dois, sendo este um festival de artes do espectáculo. No total da programação temos isso presente. No plano internacional, por exemplo, há propostas relevantes no teatro de texto, onde o texto é só o ponto de partida. É o caso do Tim Crouch [an oak tree, 15 a 18, Culturgest]. O Rabih Mroué [Who’s afraid of representation?, 5 e 6, Maria Matos] é um teatro relacionado com as artes visuais, tal como o Jan Lauwers [Isabella’s room, 2 e 3, São Luiz] onde a componente visual é fundamental.
É nessas combinações e transferências que se encontra a identidade do festival?
A nossa vontade não é de fazer só o festival, mas este movimento de actividades. É muito importante este elemento de colaboração entre culturas, mas também de relação entre o festival e os criadores. A CulturArte, vinda de Moçambique, com uma coreografia de Panaibra Gabriel [Dentro de mim outra ilha, 10 e 11, Maria Matos] com quem temos uma colaboração de alguns anos, ou o [projecto de formação belga] PARTS, que prolonga a relação que já existia. Há outros projectos com a mesma lógica, como os laços com o Panorama Rio, onde em Outubro/Novembro do ano passado se apresentaram os Encontros Imediatos 2005-2006, ou à Tânia Carvalho [Orquéstica, 8 e 9, Culturgest] a quem demos possibilidade de fazer audições internacionais. São vários os exemplos porque isto é um elemento muito específico deste festival, que será desenvolvido no futuro. Para além disso há uma aposta clara em linguagens que procuram os limites do seu domínio, elaborando uma linguagem própria mas que responde a questões que devem estar presentes em vários criadores contemporâneos. Há vários exemplos: os Forced Entertainment levam o teatro quase ao limite, seja enquanto disciplina (The World in Pictures) seja na literatura (Exquiste Pain). E há o Bruno Beltrão que re-inventa o hip-hop [H2 2005, 10 e 11, CCB], a Aydin Teker que leva o movimento quase para além do limite do corpo humano. São propostas de artistas que vivem a sua arte numa procura que é quase uma obsessão ininterrupta. Artistas que buscam uma re-invenção.
É esse o papel que devem desempenhar os agentes culturais, procurando uma reformulação das relações, numa altura em que se atravessam dificuldades concretas na realização das propostas? Mas ao mesmo tempo não é isso um contributo perverso para a ideia de que tudo se faz independentemente das condições externas, nomeadamente políticas e sociais?
Pois. É um problema e implica um grande esforço, claro. Há um aspecto importante, e é também por isso que o festival é reconhecido, que é a forte presença de criadores nacionais. Num contexto tão difícil este festival tem um papel a desenvolver. Tem esse efeito perverso de criar a sensação de que está tudo a correr bem, que já há muitos criadores nacionais a trabalharem com condições, que é um grande festival, residências em todo o mundo… Parece que há imenso dinheiro, mas não há. Há sobretudo muita boa vontade. A criação de mais uma cortina de fumo perturba-me um bocado. Por sermos uma coisa contínua, termos uma história sobretudo também no plano internacional, o festival torna-se um elemento de perturbação positiva que tem efeitos duradouros. Cria possibilidades para as pessoas serem vistas internacionalmente, e há “n” exemplos de nomes nacionais que a partir do festival passaram a ter uma carreira internacional [Tiago Guedes, Sónia Baptista ou Vitalina Sousa, por exemplo].
Acontece como a colaboração com os vários espaços [18 no total, entre teatros, armazéns, galerias, apartamentos e espaços ao ar livre só para a programação principal] ?
Houve vários casos, desde o Maria Matos que só recentemente se soube que poderia colaborar até ao CCB e à Culturgest onde se falou desde o início sobre o que se poderia apresentar. O convite que lançámos implicava duas coisas: uma discussão sobre o conteúdo dos espectáculos e como é que o festival entrava dentro da programação contínua destes teatros.
Isso significa que a programação foi assinada em conjunto?
À partida a programação é minha mas procurou criar-se uma proposta comum que respondesse tanto aos desejos do festival como às vontades dos espaços. Houve outros espaços que poderiam ter apresentado outras peças, mas também cada espaço é um espaço. Com o S. Carlos, por exemplo, o Alain Platel [vsprs, 16 a 18, Teatro Camões] foi uma proposta nossa que foi aceite com entusiasmo, sobretudo porque significava uma renovação de público, mas que só foi para o Teatro Camões por dificuldades técnicas [o S. Carlos apresenta neste momento O Ouro do Reno, de Wagner]. Mas não tenho dificuldade em perceber porque é que o Romeo Castelluci [Tragedia Endogonidia Bruxelles #4, 14 e 15, CCB] interessa ao Giacomo Scalisi [programador de teatro do CCB], porque tem a ver com o trabalho que ele esta a desenvolver, com um interesse especial no teatro visual e um teatro que consegue dialogar através de uma postura e imaginário muito forte. Também a Tânia Carvalho, co-produção q fizemos com a Culturgest, é um nome que o Gil Mendo [programador de dança na Culturgest] está a seguir à bastante tempo…
A contaminação de que falas para os criadores fará então sentido se estendida nas programações dos espaços, aproveitando as sinergias criadas com o festival, e proporcionando ao público um maior acesso a nomes e espectáculos que circulam lá fora e seria importante serem apresentados aqui.
Espero que sim, que exista, porque eu gostava de ver continuar estas colaborações. A nossa ambição é criar “o” festival de artes performativas na cidade e por isso precisamos destes parceiros para aderir. O aproveitamento é positivo. É uma sinergia onde todos ganham, Alkantara, programadores/espaços e público porque têm acesso a uma grande oferta em tão pouco tempo. Se no meio disto tudo o CCB se aproveita para fazer coisas que seriam mais difíceis e se o S. Carlos se aproveita do festival para apresentar uma proposta mais jovem, arrojada e inovadora, óptimo. Eu sei que para eles é importante criar outra imagem, renovarem-se. E depois há o cruzamento de públicos que eu acho fantástico. Para mim o festival tem a vocação de alimentar os públicos.
É uma estratégia o Alkantara querer ser “o” festival da cidade de Lisboa?
Nas artes performativas acho que estão lançadas as bases para que o festival se instale na cidade de forma regular, sobretudo por causa da intenção da Câmara Municipal de Lisboa em proporcionar ao festival as condições para que aconteça, através de um protocolo por dois anos com o festival e o Ministério da Cultura/Instituto das Artes. Enfim, não há nada escrito, mas há essa vontade de se criar um festival regular que possa ser feito com condições e segurança.
Estamos a falar de que valores?
Temos um orçamento total de 700 mil euros, três vezes menos do que custaria se tivéssemos que pagar tudo. E só os gastos estão calculados em 550 mil euros. Há um apoio bianual do Instituto das Artes de 155 mil euros para 2005-2006, mais 25 mil euros do Prémio Almada 2004, 335 mil dos parceiros co-produtores, 100 mil da CML e 45 mil euros de fundos europeus. Esperando ainda recolher 150 mil euros de bilheteira, que serão distribuídos pelos espaços de apresentação.
Esta abertura é um risco que assumes? Qual a margem de risco que tens?
Se não mudamos as coisas o mundo pára. É um cliché, mas é verdade. Assumimos riscos, claro. Mas… acho que vai correr muito bem [risos]. Para mim o grande passo será o aumento de público. Em 2002 tivemos cerca de 15 mil pessoas, este ano apontamos para as 20 mil. O pior que pode acontecer é não ter público, não é os espectáculos serem arriscados.
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