Análise às apresentações informais de Filipa Francisco e Cláudia Müller
Encontro Lisboa 2005
NEGÓCIO
19 Agosto 2005
21h30
sala cheia
Encontro Lisboa 2005
NEGÓCIO
19 Agosto 2005
21h30
sala cheia
Cristina Müller
Concebo os meus trabalhos como histórias da minha experiência física.
Robert Whitman
O 2º grupo de apresentações informais do Encontro Lisboa 2005, cruzou o trabalho da portuguesa Filipa Francisco (Leitura de listas..., 2003) e da brasileira Cláudia Müller (Dois do seis de setenta, 2003). Ambas construíram propostas que tentavam inscrever no movimento e na relação corpo-espaço, uma história pessoal, fosse esta ficcionada ou visivelmente verdadeira. Esta ideia de trabalhar a biografia no corpo, relaciona-se não só com a vontade de inscrição física de uma memória, mas também com a potenciação do corpo como entidade concreta. Um caminho de dois sentidos, que nem sempre se cruzam.
No caso de Filipa Francisco trata-se da busca de um espaço para o corpo enquanto instrumento de manipulação do quotidiano, da vivência e da reflexão organizada sobre essa mesma vivência. Leitura de listas... (45 minutos), procura ser tão simples e metódico quanto o resultado final de uma lista (porque intencionalmente finita) proporciona. Ou seja, é um espectáculo cumulativo, de coreografia reduzida e apostado numa cumplicidade entre o espectador e os itens listados. Memórias de infância, recusas, afazeres profissionais, desvios filosóficos, tradicionais listagens de filmes, discos, canções ou observações irónicas, são a matéria que a coreógrafa combina, numa proposta algo previsível e superficialmente envolvente.
O maior handicap de Leitura de listas... não está, por isso, na construção e organização de um todo pessoal e pretensamente biográfico, mas no modo como Filipa Francisco hermetiza a proposta. A relação que estabelece com o espectador, chegando mesmo a procurar convencê-lo de que a escolha arbitrária de uma lista se prende com uma cumplicidade momentânea, não consegue ultrapassar a sensação de preparação e controlo de toda a proposta. Assim, essa escolha de um caderno, que por vezes se apresenta como um novo desafio (sobretudo quando a essa leitura associa movimento, sai do espaço ou constrói uma ambiência sonora e visual), remete sempre para a frieza e bidimensionalidade das próprias listas.
A ideia preliminar - um trabalho algo informal e up-to-date sobre o próprio processo criativo - parece, assim, ser anulada em nome de uma proposta de conversão de um conjunto de aleatoriedades e coincidências em esquemas formatados, que só a observação atenta força a uma organização. Não obstante, o universo que a criadora escolheu para trabalhar, é suficientemente rico para abrir possibilidades de interpretação e, sobretudo, validar a realização dessas mesmas listas. Parece, no entanto faltar um lado humano, mesmo que normativo, de modo a que esta proposta pudesse ser vista como mais do que um exercício criativo (quando denunciava ser crítico) sobre processos de experimentação e mapeamento de obsessões.
Já em Dois do seis de setenta (20 minutos), Cláudia Müller parte do corpo para construir uma coreografia da dor e da sobre-exposição biográfica. A proposta faz-se de dois segmentos narrativos, um em que a coreógrafa explora uma ideia de libertação e deslocação do corpo no espaço. E outro em que re-inscreve na pele as marcas de acidentes que sofreu. No primeiro segmento, ao fazer do chão e das peças de roupa adversários, a coreógrafa executa um trabalho de minuciosa e angustiante violência. O espaço que a rodeia, com os espectadores espalhados pelas paredes, torna-se demasiado pequeno e é trabalhada uma ideia de claustrofobia. Quase sempre deitada no chão, os gestos são bruscos, animalescos e desesperantes. A sensualidade inerente a um corpo que se despe é aqui substituída por um discurso ausente de delicadeza. Mesmo que, de uma maneira geral, a violência seja sobejamente coreográfica. Mas se na primeira parte o trabalho ergonómico e metamorfoseante da criadora pode impressionar não tanto pela destreza coreográfica, mas pelo modo como desenvolve possibilidades de confronto entre memória e espaço, no segundo segmento Cláudia Müller não resiste a uma figuração dessa memória.
Porque ao escrever datas e locais, ou simplesmente fazer círculos nas marcas e cicatrizes, Cláudia Müller já não está no território da criação de um efeito seja de distanciamento dos eventos reais, seja de evolução dos pressupostos coreográficos. O facto de partir de matéria que se convenciona considerar verdadeira, obrigaria ao desenvolvimento de um outro nível dramatúrgico. O corpo (duplamente) marcado deixa de ser um dispositivo instigador para passar a concentrar toda uma memória, passando então a importar o modo (e a razão) como se percepcionam confrontos com essa mesma memória. A pele, que deveria funcionar como fronteira para o peso que as marcas têm, torna-se espaço para uma exposição inconsequente, porque superficial. A dupla identificação deveria criar novas relações, não só com a memória, mas também com o futuro. E o que Cláudia Müller oferece, numa atitude falhada de ex-machinaé a hipótese de confronto entre as marcas do público e as suas. Fixa, assim, uma ideia de marca e cicatriz que têm menos a ver com uma aprendizagem, mas mais com uma obsessão.
Se considerarmos que o trabalho de Filipa Francisco e Cláudia Müller (bem como o de Cristina Blanco, Andrea Sonnberger, Gustavo Ciríaco e Ana Borralho/João Galante, apresentados anteriormente no âmbito do Encontro Lisboa 2005) pressupõe a criação de diálogos entre corpo, o espaço mas, sobretudo, a criação de teias, redes e pontos de contacto, devemos ter em conta que a coreografia dependente da memória, obriga a uma consciencialização do modo como se organizam discursos performáticos. António Pinto Ribeiro abre o seu ensaio por exemplo a cadeira (Edições Cotovia, 1997), exactamente com aquilo que pode ser um aviso para esta relação memória/ficção corpo/realidade: "um corpo não é uma entidade abstracta, um receptáculo onde se podem colocar atributos tais como alto, baixo, forte, magro; não é uma esfera a que se circunscreve o ser num determinado tempo, mas é uma energia, onde se inscrevem circulações, substâncias, forças, pigmentações, comportamentos resultantes de treinos, de técnicas e de linguagens a que está permanentemente sujeito. Esta é uma constatação essencial e uma alteração radical no modo de colocar o problema do corpo no final deste século". (p.7).
Ver outros textos produzidos sobre o Encontro Lisboa 2005:
No Body Never Mind 002, de Ana Borralho/João Galante
Apresentações informais de Cristina Blanco, Andrea Sonnberger, Gustavo Ciríaco
Desvios e traduções (palestra)
1 comentário:
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