Durante uma semana O Melhor Anjo publicou cinco perspectivas sobre o papel do programador. A ideia de falar com cinco programadores diferentes (Diogo Infante, Jorge Salavisa, Francisco Frazão, Marta Furtado e Giacomo Scalisi) procurou abrir uma janela sobre os modelos de programação existentes. As escolhas feitas não são a realidade, são parte dela. Claro que poderia ter incluído aqui outros nomes, mas há limitações que me ultrapassam e impedem algo mais abrangente neste momento. Em Lisboa os mais evidentes são o do Teatro da Trindade, o Teatro Nacional, a Comuna, o Teatro Taborda, a Casa dos Dias da Água, o Teatro Camões e, claro, o Festival Alkantara, que em Junho regressa em força. Também poderia ter procurado chegar à fala com outros espaços fora da capital, como o Teatro Nacional S. João, no Porto, a Transforma, em Torres Vedras, o Citemor, em Montemor-o-velho, o Teatro Viriato, em Viseu, o Festival de Almada, o Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, o Rivoli – Teatro Municipal, também no Porto, o Espaço do Tempo, em Montemor-o-novo, ou o Centro de Artes Performativas do Algarve. Isto para não falar na Arte em Rede, que programa os espaços de uma dezena de teatros na região de Lisboa e Vale do Tejo ou alguns teatros municipais e distritais que começam a apresentar alguma programação, como é o caso de Faro, Guarda, Aveiro, Évora, Vila Nova de Famalicão, Bragança e Vila Real. Isto já para não falar de companhias que cedem os seus espaços para que outros possam ocupar os espaços nos “buracos” da programação.
O que me interessou pensar e questionar foi, exactamente, o lugar dos espaços institucionais e o papel dos seus programadores, uma vez que são estes, preferencialmente os sítios onde as condições de produção são menos afectadas. O que Diogo Infante diz acerca do papel destas instituições (uma espécie de garante para a apresentação de textos de referências e espectáculos com outro nível de produção que os independentes não podem apresentar) deve obrigar a uma reflexão sobre o modo como esses mesmos lugares pervertem as "regras institucionais". Partir de Lisboa para pensar o resto do país não é um provincianismo, mas antes uma forma de obrigar a própria capital (e os que nela trabalham) a refectir sobre o modo como se relacionam com o que fora dela existe.
Porque, elencando os nomes dos espaços podemos até pensar que tudo vai bem no que diz respeito à criação, produção e programação. E de certa forma está. Não há fome que não dê em fartura e por aí fora… Mas a verdade é que a reflexão sobre o lugar do programador de teatro que ultrapasse a mera ideia de acolhimento é coisa que só nos últimos anos começou a ser alvo de pensamento e reflexão. Há muitos espaços com problemas concretos: fechados, fazerem só acolhimento, serem irregulares na apresentação de espectáculos ou pontuais e concentrados, como os festivais, etc. E há outros cuja preocupação se centra mais na apresentação de novos projectos, acreditando contribuir para uma realidade mais plural, criativa, interventiva e urgente.
Se, por um lado é interessante verificar, no caso concreto destes cinco discursos apresentados esta semana, há a vontade assumida pelos programadores de alimentar um elenco de estreias, numa produção furiosa de espectáculos que, em muitos aspectos, lança uma espessa cortina de fumo sobre a realidade que é frágil, por outro o papel dos teatros privados ou semi-privados, seja municipais ou nacionais, é potenciado, quando assistimos à falência dos modelos. Seja de apoios sustentados e regulares (veja-se o caso dos apoios pontuais do Instituto das Artes/Ministério da Cultura, que não só não abriram em 2004 como o concurso aberto para 2006 ainda não viu anunciados os resultados, para além de se saber que algumas estruturas apoiadas em programas plurianuais tomaram de assalto os concursos pontuais), ou do próprio Teatro Nacional D. Maria II.
A estes espaços “alternativos” cabe, de certa forma, o garante de uma produção regular nas companhias, seja através de encomendas, co-produções ou simples acolhimentos. A falta de recursos financeiros e a precariedade das condições de trabalho (para as quais as próprias estruturas e criadores contribuem em larga medida através da aceitação dos regulamentos de atribuição de apoios ou da integração em manifestações culturais de fachada) leva ao desenvolvimento de um ciclo vicioso de apresentações que são, salvo raras excepções, muito curtas. No espaço de um mês podemos assistir a (e atiro um número ao ar sabendo não estar longe da realidade) quatro estreias em quatro teatros diferentes, cuja carreira pode não passar dos dois dias (alguns casos na Culturgest) ou duas a três semanas (há vários exemplos no S. Luiz).
Esta procura pelo novo pode revelar-se contraproducente porque, como diz Diogo Infante, o público é lento e demora a reagir aos espectáculos. Como pode um sistema aguentar esta corrente de estreias, como se houvesse sempre ideias e a produção de espectáculos pudesse acontecer só porque sim; como se fosse suficiente uma carreira curta para um espectáculo crescer e fundamentar; como se houvesse espaços para circulação; como se todas as companhias possuíssem um local para prolongar as apresentações?
É por isso que para que o retrato ficasse completo seria necessário ter falado com os responsáveis pelos espectáculos programados. Sobretudo com aqueles que passaram por mais do que um espaço, como por exemplo o Teatro Meridional (Para além do Tejo (2004) e À Espera de Godot (2006), co-produção do CCB e À Manhã (2006) co-produção com o São Luiz), Sensurround (Documental e Autobiográfico (2004), encomendado pelo Museu de Serralves e apresentado no CCB (2005), Sobreviver (2006), co-produção com o S. Luiz), o Teatro Praga (Alice no Armário (2004), co-produção com o CCB, Agatha Christie (2005), co-produção com a Culturgest, Eurovision (2005/2006), co-produção com a ZDB), os Artistas Unidos (A Fábrica do Nada (2005), co-produção com a Culturgest, Music-Hall (2005), co-produção com o CCB, entre outros), Mónica Calle/Casa Conveniente (Um dia virá (2002), co-produção com o CCB, Julieta – cartas a um amor fragmentário (2005), co-produção com a Culturgest). Dessa forma poderíamos cruzar o discurso dos programadores com as propostas apresentadas e responder à pertinente questão de quem serve o quê?
É claro que podemos sempre defender que os teatros são espaços de passagem e que uma co-produção significa, exactamente, uma partilha de esforços, incluindo de apresentação. Mas a verdade é que muitos dos espectáculos existem da forma que existem porque as condições de criação e produção se alteram substancialmente quando entra um parceiro cujas posses são bastante superiores ao orçamento de uma companhia. E isso é profundamente perverso. Ou pode ser, já que esse carácter especial (que tem várias frentes que vão da visibilidade ao orçamento) pode permitir a criação de grandes projectos. Veja-se o caso da companhia O Bando que em 2004 estreou Ensaio sobre a Cegueira, em co-produção com o Teatro Nacional S. João, mas cujo equilíbrio do orçamento só foi garantido com a colaboração da Culturgest que comprou três espectáculos. A apresentação em três locais (Porto, Lisboa e Palmela) sustentou o projecto, mas a reposição, já no verão passado, teve que ser feita em colaboração com outro teatro, o Trindade.
Podemos ainda pensar no caso dos Artistas Unidos que estão presentes em quase todos os espaços, seja através da estrutura-mãe, seja por pequenos projectos que por ela gravitam. Ou se considera que o seu trabalho serve qualquer filosofia (o que no plano formal faz todo o sentido visto que a sustentação teórica de que o teatro é, sobretudo, um trabalho de texto e actor, ecoa em qualquer uma das programações – umas mais que outras, claro), ou teremos que considerar que este sistema de criação e produção encontrou nas co-produções um modelo de sustentação rentável e com resultados visíveis. Passou a ser raro o espaço que não programou, programa ou vai programar os Artistas Unidos. Deve aliás ser a única companhia que mais circula pelos vários espaços, não só em Lisboa, mérito lhes seja reconhecido.
Se, por um lado é interessante verificar, no caso concreto destes cinco discursos apresentados esta semana, há a vontade assumida pelos programadores de alimentar um elenco de estreias, numa produção furiosa de espectáculos que, em muitos aspectos, lança uma espessa cortina de fumo sobre a realidade que é frágil, por outro o papel dos teatros privados ou semi-privados, seja municipais ou nacionais, é potenciado, quando assistimos à falência dos modelos. Seja de apoios sustentados e regulares (veja-se o caso dos apoios pontuais do Instituto das Artes/Ministério da Cultura, que não só não abriram em 2004 como o concurso aberto para 2006 ainda não viu anunciados os resultados, para além de se saber que algumas estruturas apoiadas em programas plurianuais tomaram de assalto os concursos pontuais), ou do próprio Teatro Nacional D. Maria II.
A estes espaços “alternativos” cabe, de certa forma, o garante de uma produção regular nas companhias, seja através de encomendas, co-produções ou simples acolhimentos. A falta de recursos financeiros e a precariedade das condições de trabalho (para as quais as próprias estruturas e criadores contribuem em larga medida através da aceitação dos regulamentos de atribuição de apoios ou da integração em manifestações culturais de fachada) leva ao desenvolvimento de um ciclo vicioso de apresentações que são, salvo raras excepções, muito curtas. No espaço de um mês podemos assistir a (e atiro um número ao ar sabendo não estar longe da realidade) quatro estreias em quatro teatros diferentes, cuja carreira pode não passar dos dois dias (alguns casos na Culturgest) ou duas a três semanas (há vários exemplos no S. Luiz).
Esta procura pelo novo pode revelar-se contraproducente porque, como diz Diogo Infante, o público é lento e demora a reagir aos espectáculos. Como pode um sistema aguentar esta corrente de estreias, como se houvesse sempre ideias e a produção de espectáculos pudesse acontecer só porque sim; como se fosse suficiente uma carreira curta para um espectáculo crescer e fundamentar; como se houvesse espaços para circulação; como se todas as companhias possuíssem um local para prolongar as apresentações?
É por isso que para que o retrato ficasse completo seria necessário ter falado com os responsáveis pelos espectáculos programados. Sobretudo com aqueles que passaram por mais do que um espaço, como por exemplo o Teatro Meridional (Para além do Tejo (2004) e À Espera de Godot (2006), co-produção do CCB e À Manhã (2006) co-produção com o São Luiz), Sensurround (Documental e Autobiográfico (2004), encomendado pelo Museu de Serralves e apresentado no CCB (2005), Sobreviver (2006), co-produção com o S. Luiz), o Teatro Praga (Alice no Armário (2004), co-produção com o CCB, Agatha Christie (2005), co-produção com a Culturgest, Eurovision (2005/2006), co-produção com a ZDB), os Artistas Unidos (A Fábrica do Nada (2005), co-produção com a Culturgest, Music-Hall (2005), co-produção com o CCB, entre outros), Mónica Calle/Casa Conveniente (Um dia virá (2002), co-produção com o CCB, Julieta – cartas a um amor fragmentário (2005), co-produção com a Culturgest). Dessa forma poderíamos cruzar o discurso dos programadores com as propostas apresentadas e responder à pertinente questão de quem serve o quê?
É claro que podemos sempre defender que os teatros são espaços de passagem e que uma co-produção significa, exactamente, uma partilha de esforços, incluindo de apresentação. Mas a verdade é que muitos dos espectáculos existem da forma que existem porque as condições de criação e produção se alteram substancialmente quando entra um parceiro cujas posses são bastante superiores ao orçamento de uma companhia. E isso é profundamente perverso. Ou pode ser, já que esse carácter especial (que tem várias frentes que vão da visibilidade ao orçamento) pode permitir a criação de grandes projectos. Veja-se o caso da companhia O Bando que em 2004 estreou Ensaio sobre a Cegueira, em co-produção com o Teatro Nacional S. João, mas cujo equilíbrio do orçamento só foi garantido com a colaboração da Culturgest que comprou três espectáculos. A apresentação em três locais (Porto, Lisboa e Palmela) sustentou o projecto, mas a reposição, já no verão passado, teve que ser feita em colaboração com outro teatro, o Trindade.
Podemos ainda pensar no caso dos Artistas Unidos que estão presentes em quase todos os espaços, seja através da estrutura-mãe, seja por pequenos projectos que por ela gravitam. Ou se considera que o seu trabalho serve qualquer filosofia (o que no plano formal faz todo o sentido visto que a sustentação teórica de que o teatro é, sobretudo, um trabalho de texto e actor, ecoa em qualquer uma das programações – umas mais que outras, claro), ou teremos que considerar que este sistema de criação e produção encontrou nas co-produções um modelo de sustentação rentável e com resultados visíveis. Passou a ser raro o espaço que não programou, programa ou vai programar os Artistas Unidos. Deve aliás ser a única companhia que mais circula pelos vários espaços, não só em Lisboa, mérito lhes seja reconhecido.
Mas, por outro lado, a presença de projectos feitos fora de Lisboa foi diminuta. Que resposta deram estes espaços à crise que se abateu no Porto e região Norte? Até onde vai a responsabilidade destas instituições?
O pessimismo de algumas reflexões não se deve sobrepor à mais valia de ter discursos assumidos em vez de um hibridismo programático. Será sempre preferível a definição de uma programação (com mais ou menos assinatura condicente com a personalidade do programador) que uma abertura de portas que descaracterize o espaço levando, naturalmente, à falência do projecto. Foi, exemplo, a aposta da ZDB que nos últimos anos concentrou atenções na programação de criadores portugueses, uma vez que o orçamento de que dispunham não lhes permitia continuar a trazer criadores internacionais, como fizeram no caso festival Atlântico ou estabelecer residências que se estendessem no tempo. A aposta em residências que resultassem em espectáculos, reforçados agora com a abertura de um novo espaço, o Negócio, permite que este projecto inscreva o seu nome numa corrente geracional e em linguagens que carecem de uma maior protecção.
Razão pela qual acredito ter sido uma oportunidade desperdiçada não só a entrega do Teatro Taborda a uma companhia – o Teatro da Garagem -, independentemente do seu discurso artístico (que não está aqui em causa). É que se nesta frágil rede de ligações há estruturas e instituições que de facto podem arriscar, a Câmara Municipal de Lisboa é uma delas. O apoio regular e crente num investimento a longo prazo de projectos menos “formatados” é uma mais valia numa capital europeia. Não se compreende como é que não existem alternativas de cúpula para as novas gerações de criadores. O Teatro Taborda, pela sua dimensão quase laboratorial, seria o espaço indicado para uma aventura de risco. Acredito efectivamente que o investimento feito no Maria Matos não comportaria a criação de uma sala estúdio onde se pudesse experimentar, mas o caso do Taborda poderia cumprir essa especificidade.
Ou seja, onde é que haverá espaço para se perceber o que se anda a fazer? Onde é que há espaço para o laboratório, a experiência, a aposta, o risco? Podemos dizer que, efectivamente, há um risco grande em se transferir um projecto como de Mónica Calle ou de Lúcia Sigalho para espaços como a Culturgest ou o S. Luiz, já que a deslocação dos espaços habituais para outras realidades permite uma reflexão sobre a validade e pertinência dos discursos dos criadores. E até podemos falar em risco, da parte do Maria Matos em querer manter numa sala para 450 lugares um espectáculo durante um mês, sobretudo primeiras encenações por pessoas sem currículo na área, como é o caso de Tiago Guedes, realizador de cinema. Mas são riscos calculados, sem grande margem de erro, protegidos pelas redes de recepção standartizadas.
Atentos ao que se anda a fazer, os próprios espaços sentem que devem procurar projectos que agradem ao público, equilibrando não só a sua filosofia como a filosofia das companhias. Mas, alguns deles, incapazes (financeiramente ou não) de alargar o espectro apresentado. Para além de terem que procurar apresentar uma programação internacional para ser posta em confronto com a programação portuguesa. Não é por acaso que Jorge Salavisa diz que uma Pina Bausch não pode vir todos os anos, mas é importante que ao vir, não seja por apenas dois dias.
Razão pela qual, e também não é por acaso, que todos, sem excepção, tenham dado o exemplo do festival Alkantara como oportunidade para se apresentarem espectáculos que de outra forma não seriam programados. O festival, programado por Mark Deputter, trará nomes importantes que representam escolhas, algumas delas, de risco, seja artístico ou financeiro. É o caso de Romeo Castelluci, Alain Platel, Jan Lauwers, Jérôme Bel ou os Forced Entertainement que serão apresentado em Lisboa entre 02 e 18 de Junho. O próprio Mark Deputter, em entrevista fora deste ciclo publicado (mas que poderia ter sido e só não foi por contingências várias, mas que será publicada antes do festival), reconhece que os espaços aproveitaram o festival para arriscar.
Este problema do risco, que corre toda a Europa, depende dessa relação de poder entre programadores e criadores. Esta foi a questão sempre presente e ponto de partida para as conversas. Existe de facto, como disse Francisco Frazão, algum facilitismo da parte de alguns criadores em mostrarem aquilo que pode ser facilmente exportável. Cabe ao programador saber exactamente o que lhe convêm. Cada um deve adequar-se ao espaço que tem, como referiu Jorge Salavisa. A retórica da frase não é assim tão vazia de senso. O equilíbrio a que os programadores se sujeitam condiciona o desenvolvimento de linhas próprias, impedindo aquilo que próprio defendo e que é a sectorização e complementaridade dos espaços. Acredito que não faz sentido ver o mesmo tipo de espectáculos em dois ou três espaços com características diferentes. Prefiro sempre saber que em A vejo X e em B vejo Y.
Mas os problemas não são nem residuais nem circunstanciais, mas de estrutura. E os espaços não podem ser acusados de darem mais ou menos do que aquilo que dão. As concepções de programação, criação e recepção variam de agente cultural para agente cultural. Isto não é uma desculpa, é uma constatação. Há falta de verbas, há falta de discursos válidos e sustentados, há falta de crítica, há falta de público, falta de memória, há falta de vergonha. Há faltas e faltas.
O problema da falência do Teatro Nacional é, por isso, mais grave do que se imagina. A ausência de um modelo força perspectivas novas para os outros espaços, divididos entre uma ideia de serviço público e programação concentrada na filosofia dos espaços. Entre as filosofias do gosto e as opções estéticas, os compromissos para com o público e a necessidade de dar a ver o que de mais interessante se anda a fazer há um mundo de opções que se sustenta apenas no modo como os espaços reivindicam uma memória. Tudo depende do modo como querem ser visto e retratados. E o público (todos!) deve escolher.
A discussão continua desse lado.
O pessimismo de algumas reflexões não se deve sobrepor à mais valia de ter discursos assumidos em vez de um hibridismo programático. Será sempre preferível a definição de uma programação (com mais ou menos assinatura condicente com a personalidade do programador) que uma abertura de portas que descaracterize o espaço levando, naturalmente, à falência do projecto. Foi, exemplo, a aposta da ZDB que nos últimos anos concentrou atenções na programação de criadores portugueses, uma vez que o orçamento de que dispunham não lhes permitia continuar a trazer criadores internacionais, como fizeram no caso festival Atlântico ou estabelecer residências que se estendessem no tempo. A aposta em residências que resultassem em espectáculos, reforçados agora com a abertura de um novo espaço, o Negócio, permite que este projecto inscreva o seu nome numa corrente geracional e em linguagens que carecem de uma maior protecção.
Razão pela qual acredito ter sido uma oportunidade desperdiçada não só a entrega do Teatro Taborda a uma companhia – o Teatro da Garagem -, independentemente do seu discurso artístico (que não está aqui em causa). É que se nesta frágil rede de ligações há estruturas e instituições que de facto podem arriscar, a Câmara Municipal de Lisboa é uma delas. O apoio regular e crente num investimento a longo prazo de projectos menos “formatados” é uma mais valia numa capital europeia. Não se compreende como é que não existem alternativas de cúpula para as novas gerações de criadores. O Teatro Taborda, pela sua dimensão quase laboratorial, seria o espaço indicado para uma aventura de risco. Acredito efectivamente que o investimento feito no Maria Matos não comportaria a criação de uma sala estúdio onde se pudesse experimentar, mas o caso do Taborda poderia cumprir essa especificidade.
Ou seja, onde é que haverá espaço para se perceber o que se anda a fazer? Onde é que há espaço para o laboratório, a experiência, a aposta, o risco? Podemos dizer que, efectivamente, há um risco grande em se transferir um projecto como de Mónica Calle ou de Lúcia Sigalho para espaços como a Culturgest ou o S. Luiz, já que a deslocação dos espaços habituais para outras realidades permite uma reflexão sobre a validade e pertinência dos discursos dos criadores. E até podemos falar em risco, da parte do Maria Matos em querer manter numa sala para 450 lugares um espectáculo durante um mês, sobretudo primeiras encenações por pessoas sem currículo na área, como é o caso de Tiago Guedes, realizador de cinema. Mas são riscos calculados, sem grande margem de erro, protegidos pelas redes de recepção standartizadas.
Atentos ao que se anda a fazer, os próprios espaços sentem que devem procurar projectos que agradem ao público, equilibrando não só a sua filosofia como a filosofia das companhias. Mas, alguns deles, incapazes (financeiramente ou não) de alargar o espectro apresentado. Para além de terem que procurar apresentar uma programação internacional para ser posta em confronto com a programação portuguesa. Não é por acaso que Jorge Salavisa diz que uma Pina Bausch não pode vir todos os anos, mas é importante que ao vir, não seja por apenas dois dias.
Razão pela qual, e também não é por acaso, que todos, sem excepção, tenham dado o exemplo do festival Alkantara como oportunidade para se apresentarem espectáculos que de outra forma não seriam programados. O festival, programado por Mark Deputter, trará nomes importantes que representam escolhas, algumas delas, de risco, seja artístico ou financeiro. É o caso de Romeo Castelluci, Alain Platel, Jan Lauwers, Jérôme Bel ou os Forced Entertainement que serão apresentado em Lisboa entre 02 e 18 de Junho. O próprio Mark Deputter, em entrevista fora deste ciclo publicado (mas que poderia ter sido e só não foi por contingências várias, mas que será publicada antes do festival), reconhece que os espaços aproveitaram o festival para arriscar.
Este problema do risco, que corre toda a Europa, depende dessa relação de poder entre programadores e criadores. Esta foi a questão sempre presente e ponto de partida para as conversas. Existe de facto, como disse Francisco Frazão, algum facilitismo da parte de alguns criadores em mostrarem aquilo que pode ser facilmente exportável. Cabe ao programador saber exactamente o que lhe convêm. Cada um deve adequar-se ao espaço que tem, como referiu Jorge Salavisa. A retórica da frase não é assim tão vazia de senso. O equilíbrio a que os programadores se sujeitam condiciona o desenvolvimento de linhas próprias, impedindo aquilo que próprio defendo e que é a sectorização e complementaridade dos espaços. Acredito que não faz sentido ver o mesmo tipo de espectáculos em dois ou três espaços com características diferentes. Prefiro sempre saber que em A vejo X e em B vejo Y.
Mas os problemas não são nem residuais nem circunstanciais, mas de estrutura. E os espaços não podem ser acusados de darem mais ou menos do que aquilo que dão. As concepções de programação, criação e recepção variam de agente cultural para agente cultural. Isto não é uma desculpa, é uma constatação. Há falta de verbas, há falta de discursos válidos e sustentados, há falta de crítica, há falta de público, falta de memória, há falta de vergonha. Há faltas e faltas.
O problema da falência do Teatro Nacional é, por isso, mais grave do que se imagina. A ausência de um modelo força perspectivas novas para os outros espaços, divididos entre uma ideia de serviço público e programação concentrada na filosofia dos espaços. Entre as filosofias do gosto e as opções estéticas, os compromissos para com o público e a necessidade de dar a ver o que de mais interessante se anda a fazer há um mundo de opções que se sustenta apenas no modo como os espaços reivindicam uma memória. Tudo depende do modo como querem ser visto e retratados. E o público (todos!) deve escolher.
A discussão continua desse lado.
1 comentário:
Dos teus textos nos últimos temos, este parece-me o mais interessante, talvez por ser o menos panfletário. Talvez estes ventos de mudança na cultura que tanto dizes desprezar, qual conservador demasiado empedernido para a idade, afinal não estejam tão distantes do teu discuros como afinal os teus leitores pensavam!
Enviar um comentário