quinta-feira, dezembro 22, 2005

Revista do ano 2005 (IV): as datas I


24 Fevereiro
Lançamento de Portugal Hoje - o medo de existir, de José Gil

Depois de ter sido considerado um dos 25 mais importantes pensadores europeus, o filósofo português José Gil foi responsável por aquilo que se poderá chamar "a democratização da filosofia". Um ensaio crítico, Portugal Hoje - O medo de existir, sobre o ser português permaneceu, durante semanas, no top de vendas das livrarias, transformando-se num raro exemplo de livro que juntou elites e burgueses, radicais e conservadores. Provavelmente a ironia maior deste facto não está em tornar acessível a linguagem académica a várias grupos, mas servir de guia para a desconstrução do discurso daqueles que agora o citam sem rei nem roque como se José Gil mais do que afirmar o que já era de senso-comum , lhes viesse dar razão.

15 Abril
Inauguração da Casa da Música

A Casa da Música, o mais emblemático símbolo da Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura, inaugurou finalmente, muitas datas e previsões orçamentais depois. No meio das crises políticas, que levaram a sucessivas nomeações e demissões dos administradores, as portas abriram-se para uma programação o mais eclética possível, mesmo que, por vezes, se possa questionar a necessidade de aluguer das salas a propostas duvidosas, em nome da sobrevivência financeira. Ao qual não é alheia a polémica com a direcção artística, razão pela qual o próprio Presidente da República, no discurso inaugural, caucionou o perigo de uma figura como Pedro Burmester ter ficado pelo caminho. A inauguração não serviu para a apresentação do modelo em que a Casa da Música funcionaria. A situação prolongou-se ao longo do ano com reuniões entre privados e Estado a não se entenderem em modos de funcionamento, financiamento e peso decisório. Neste momento aguarda-se somente a publicação em Diário da República para que o modelo de Fundação seja posto em prática.

13 de Junho

Se o primeiro era amplamente citado como o poeta do amor, e enquanto tal atravessou estratos sociais e faixas etárias (e a discussão sobre a homossexualidade do autor e o reflexo disso na sua obra a servirem de mote para discutir separações entre "ficção" e biografia), a morte de Cunhal foi um dos mais impressionantes momentos da história recente portuguesa. O seu funeral serviu de legitimação do mito e da figura que marcou o comunismo nacional e, por consequência, a vida política do país. A obra artística de Cunhal pode não ser o dado mais relevante do seu percurso, mas a influência da esquerda no imaginário cultural dexiou marcas, como aliás de viu nos comentários à sua morte que, da esquerda à direita não deixaram de ser politizados, como aliás convinha a uma figura que dividiu opiniões. A morte de um e de outro fecha a página da história de figuras maiores que o próprio nome, cuja importância ultrapassa a própria obra.

05 Julho

O fim do Ballet Gulbenkian apanhou de surpresa os seus bailarinos, técnicos e restante comunidade, público e observadores. Mesmo que há muito tempo se comentasse a necessidade de redefinição do seu papel, e até mesmo a extinção da companhia, nada previa que a Fundação Calouste Gulbenkian o fizesse da forma abrupta, fria e quase insensível como o fez. Ao interromper o ensaio para a anunciar que a companhia acabava naquele momento, a administração do mais importante agente da sociedade civil, fechava uma história mais do que relevante para a dança portuguesa. Crentes de que o mercado já não é o mesmo de 1965, e por isso capaz de encontrar alternativas, a Gulbenkian prometeu um programa de apoio à dança, em substituição da existência da companhia que formou as novas gerações de bailarinos e coreógrafos portugueses. Mas de então até agora pouco ou nada se sabe sobre esse programa, e o Estado, que se imiscuiu na capa da separação entre público e privado, nada disse. Anunciam-se novidades a partir de Janeiro 2006, mas a comunidade continua muito dependente de alternativas.

03 Setembro
João Fiadeiro publica a carta (Não) é assim a vida

A carta aberta que o coreógrafo João Fiadeiro publicou no jornal Expresso, a propósito da sua recusa em participar no evento Plataforma da Dança Contemporânea, organizado pela Faro 2005 - Capital Nacional da Cultura pôs a nú as fragilidades de um projecto de difícil concretização. A ideia de criar uma capital nacional para a cultura sem uma estratégia definida e assente num provincianismo e retórica que pouco adianta a um tecido criativo já de si frágil, caiu com a exposição das condições em que os coreógrafos foram "convidados" a participar. Depois de greves dos funcionários da própria estrutura de produção da Faro 2005, de anulação de espectáculos a poucas semanas de apresentação, da demissão de membros da organização, da indefinição (ou inexistência) do orçamento, ficou a saber-se que o importante, uma vez mais, era acreditar no que se estava a fazer. Uma ideia defendida pela programadora Luísa Taveira, responsável pelo evento. A crença em tais ideias tende a alimentar quixotismos, e o resultado é uma comunidade que foi incapaz (porque não pode, porque não quis,...) de dar resposta ao murro na mesa de João Fiadeiro, como fez notar Augusto M. Seabra em artigo publicado na altura. A carta suscitou uma resposta do encenador Jorge Silva Melo amplamente contestada pelo modo concentracinário como a abordou.

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