Debate 2
Eles já ganharam, João
De Jorge Silva Melo (publicada no jornal Expresso, 10 setembro 05)
«A vida (não) é assim», escrevia, aqui, há uma semana, o João Fiadeiro, amargo, certeiro, indignado. Há anos que conheço o João, a sua firmeza, a sua visão. Trabalhámos desde 1995, quando ele veio ajudar-me no António, Um Rapaz de Lisboa, que estreou faz dez anos a 18 de Setembro. E juntos fomos, estes anos todos, trocando dúvidas, desgostos, vitórias, abraços, escritórios, vendo passar ministros, aguardando vereadores. N'A Capital, onde fixou a sua Re.al, o João dirigiu À Espera de Godot e 4.48 Psicose — espectáculos originais, pensados e sentidos. E continuou o seu percurso. Há um ano que não nos vemos — culpa minha, papelada, cansaço —, nem fui ainda ao seu espaço do Poço dos Negros, foram-nos separando, a nós, que queríamos viver juntos a arte que nos couber fazer.
«Eles» já ganharam: os que não querem que os artistas se cruzem e se desafiem. Era o que queríamos n'A Capital (nossa Bauhaus, nossa Factory, nosso Teatro Paulo Claro!) que encerraram à bruta já lá vão três anos. Podíamos ter feito tanta coisa, não era? Podíamos ter encontrado uma maneira de trabalhar, inovadora e simples, ter arranjado espaço para ensaios (lembras-te do prédio fronteiriço, na Rua das Gáveas, que continua devoluto — lembras-te de quando lá levámos a Vera Mantero e a Eira, e até a vereadora [Maria Manuel] Pinto Barbosa?), podíamos ter continuado a pensar juntos as relações com o espectador e as vidas. Não quiseram. Não deixaram. Têm a faca e o queijo na mão.
E o silêncio caiu. Quando falam de A Capital, referem-se a mim, como se o desejo não fosse nosso. E do Manuel Wiborg, e do Fórum Dança, e do Pedro Domingos, e do Mark Deputter e do Miguel Borges, da Eira. É como se se tratasse de uma reforma que querem ou não dar-me a mim, velho em-birrento. Como se ali não estivesse a raiz de um colectivo. Até, no outro dia, o Francisco Louçã — da esquerda que existe, ai que dó — dizia que eu lhe revelei Pinter, eu (!) e não um colectivo, eu (!) e não os Artistas Unidos, o Assédio, a APA [Actores Produtores Associados], a Solveig [Nordlund], eu (!), o chefe. Ninguém percebe nada. «Eles» já ganharam. Os que querem os chefes, tudo como está, parar o 'mundo. Mal sabemos uns dos outros e só quando toca a rebate vemos os nossos nomes assinar em vão os mesmos papéis.
O que se passa no Instituto da Artes — cuja produção se resume a uma newsletter pindérica e atribuiu as verbas de que dispunha a apenas um dos concursos a que é obrigado — é insultuoso. Mas quem espera que aquilo melhore? O que se passa com os concursos de apoio às artes (no IA, no ICAM) é escandaloso. Mas «eles» lá estão. Resignámo-nos. Até conhecemos aquelas pessoas, dizemos-lhes «olá» e damos beijinhos. Lá estão. À nossa custa. Que esta gente que há anos está «em reunião», que não nos recebe, que não responde, que não verifica os termos dos concursos, que faz propaganda aos amigos, que não sabe gerir dinheiros, só tem ordenado porque nós, aos tropeções, mantemos as artes. Se não existíssemos, havia Instituto? Existimos e eu continuo a não saber para quê. Há dias, chegou-me um documento de um instituto [IGAC]que se ocupa de actividades culturais em resposta a um registo de propriedade de um título. E aí vi solicitada a declaração de cedência de direitos de autor de August Strindberg (!). Nem mais nem menos, tenho ali o papel para mostrar na Suécia (ao menos podemos fazer rir os outros, não?).
É para alimentar esta burocracia de rabo na boca que trabalhamos fora de horas? Para fazerem discursos? E para, à nossa custa, subir na vida uma catrefada de curadores, programadores, intermediários, directores, chefes de missão, assessores, administradores, juristas? Enquanto definhamos? Gógol, o génio russo, descreveu isto. E está traduzido. Como o sonho morre às mãos da pequena burguesia que se apropria do Estado. E nós, João, os vencidos, que tínhamos, um dia, pensado ocupar A Capital com correntes e todo o folclore? Não é melhor ocuparmos o Ministério da Cultura? Não é nosso?
Jorge Silva Melo
Director de Artistas Unidos
Director de Artistas Unidos
Parágrafos, itálicos, bolds e links da responsabilidade d'O Melhor Anjo
Ler debate 1 e 3
3 comentários:
porque e que os coitadinhos dos artistas unidos morrem de fome? os relatorios desse tao ingrato i.a. parecem dizer outra coisa...
era tambem bom parar com a hipocrisia e admitir que «artistas unidos» significa silva melo, o teatro da comuna e simplesmente joao mota, o bando - joao brites, etc.
esta conversa revolucionaria e realmente chata e irritante.
a nao ser que o senhor silva melo tencione mesmo ocupar o ministerio. nesse caso serei o primeiro a felicita-lo.
Nobody cares about anonymous people. Haven´t you understood.
Enjoyed a lot!
http://www.sports-event-tickets.info/legal_malpractice_lawyer_virginia.html mortgage insurance online us car navigation merrell shoes Picture of nissan truck Bookvalue of ford escape Www hummer es
Enviar um comentário