terça-feira, novembro 15, 2005

Debate (2)

Ver contextualização e razões de publicação aqui.

Debate 2

Eles já ganharam, João

De Jorge Silva Melo (publicada no jornal Expresso, 10 setembro 05)

«A vida (não) é assim», escre­via, aqui, há uma semana, o João Fiadeiro, amargo, certei­ro, indignado. Há anos que co­nheço o João, a sua firmeza, a sua visão. Trabalhámos desde 1995, quando ele veio ajudar-me no An­tónio, Um Rapaz de Lisboa, que estreou faz dez anos a 18 de Setembro. E juntos fomos, estes anos todos, trocando dúvidas, desgostos, vitórias, abraços, escri­tórios, vendo passar ministros, aguardando vereadores. N'A Capital, onde fixou a sua Re.al, o João dirigiu À Espera de Godot e 4.48 Psicose — espectá­culos originais, pensados e senti­dos. E continuou o seu percurso. Há um ano que não nos vemos — culpa minha, papelada, cansa­ço —, nem fui ainda ao seu espa­ço do Poço dos Negros, fo­ram-nos separando, a nós, que queríamos viver juntos a arte que nos couber fazer.

«Eles» já ganharam: os que não querem que os artistas se cruzem e se desafiem. Era o que quería­mos n'A Capital (nossa Bauhaus, nossa Factory, nosso Teatro Pau­lo Claro!) que encerraram à bruta já lá vão três anos. Podíamos ter feito tanta coi­sa, não era? Podíamos ter encon­trado uma maneira de trabalhar, inovadora e simples, ter arranja­do espaço para ensaios (lembras-te do prédio fronteiriço, na Rua das Gáveas, que continua devoluto — lembras-te de quando lá levámos a Vera Mantero e a Eira, e até a vereadora [Maria Manuel] Pinto Barbo­sa?), podíamos ter continuado a pensar juntos as relações com o espectador e as vidas. Não quiseram. Não deixaram. Têm a faca e o queijo na mão.

E o silêncio caiu. Quando falam de A Capital, referem-se a mim, como se o desejo não fosse nosso. E do Manuel Wiborg, e do Fórum Dança, e do Pe­dro Domingos, e do Mark Deputter e do Miguel Borges, da Eira. É como se se tratasse de uma reforma que que­rem ou não dar-me a mim, velho em-birrento. Como se ali não estivesse a raiz de um colectivo. Até, no outro dia, o Francisco Louçã — da esquerda que existe, ai que dó — dizia que eu lhe revelei Pinter, eu (!) e não um colectivo, eu (!) e não os Artistas Unidos, o Assédio, a APA [Actores Produtores Associados], a Solveig [Nordlund], eu (!), o chefe. Ninguém percebe nada. «Eles» já ganharam. Os que querem os chefes, tudo como está, parar o 'mundo. Mal sabemos uns dos outros e só quando toca a rebate vemos os nossos nomes assinar em vão os mes­mos papéis.

O que se passa no Instituto da Artes — cuja produção se resume a uma newsletter pindérica e atribuiu as verbas de que dispunha a apenas um dos concur­sos a que é obrigado — é insultuoso. Mas quem espera que aquilo me­lhore? O que se passa com os con­cursos de apoio às artes (no IA, no ICAM) é escandaloso. Mas «eles» lá estão. Resignámo-nos. Até co­nhecemos aquelas pessoas, dize­mos-lhes «olá» e damos beijinhos. Lá estão. À nossa custa. Que esta gente que há anos está «em reunião», que não nos recebe, que não responde, que não verifi­ca os termos dos concursos, que faz propaganda aos amigos, que não sabe gerir dinheiros, só tem ordenado porque nós, aos trope­ções, mantemos as artes. Se não existíssemos, havia Instituto? Existimos e eu continuo a não sa­ber para quê. Há dias, chegou-me um documento de um instituto [IGAC]que se ocupa de actividades culturais em resposta a um registo de propriedade de um título. E aí vi solicitada a declaração de cedência de direitos de autor de August Strindberg (!). Nem mais nem me­nos, tenho ali o papel para mos­trar na Suécia (ao menos pode­mos fazer rir os outros, não?).

É para alimentar esta burocra­cia de rabo na boca que trabalha­mos fora de horas? Para fazerem discursos? E para, à nossa custa, subir na vida uma catrefada de cu­radores, programadores, interme­diários, directores, chefes de mis­são, assessores, administradores, juris­tas? Enquanto definhamos? Gógol, o génio russo, descreveu is­to. E está traduzido. Como o sonho morre às mãos da pequena burguesia que se apropria do Estado. E nós, João, os vencidos, que tínha­mos, um dia, pensado ocupar A Capi­tal com correntes e todo o folclore? Não é melhor ocuparmos o Ministério da Cultura? Não é nosso?



Parágrafos, itálicos, bolds e links da responsabilidade d'O Melhor Anjo

Ler debate 1 e 3




3 comentários:

Anónimo disse...

porque e que os coitadinhos dos artistas unidos morrem de fome? os relatorios desse tao ingrato i.a. parecem dizer outra coisa...
era tambem bom parar com a hipocrisia e admitir que «artistas unidos» significa silva melo, o teatro da comuna e simplesmente joao mota, o bando - joao brites, etc.
esta conversa revolucionaria e realmente chata e irritante.
a nao ser que o senhor silva melo tencione mesmo ocupar o ministerio. nesse caso serei o primeiro a felicita-lo.

Anónimo disse...

Nobody cares about anonymous people. Haven´t you understood.

Anónimo disse...

Enjoyed a lot!
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