quinta-feira, abril 14, 2005

À volta de TRIO
uma conversa com Tiago Guedes, em exclusivo para O Melhor Anjo
[1ª parte]


O Melhor Anjo começa hoje a publicar uma conversa com o coreógrafo Tiago Guedes que, este fim de semana na Culturgest, estreia em Portugal a sua nova criação, TRIO. A conversa vai ser publicada ao longo dos três dias de apresentação, sempre dividida por temas. Hoje tratamos do percurso de Tiago Guedes e do objecto TRIO.

TRIO estreia dia 14 de Abril na Culturgest, em Lisboa. Repete, dias 15 e 16, sempre às 21h30. Mais informações aqui.

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[percurso]

Como é que depois de Materiais Diversos (se quisermos, uma proposta muito mais lúdica e acessível, até humana, próxima e pessoal), esta peça pode permitir a que o público conheça melhor o coreógrafo Tiago Guedes?

O que eu quis foi, exactamente, ir um pouco contra uma expectativa normal. "Se gostou do Materiais Diversos, venha agora ver o Trio", é uma fórmula que, para mim é muito perigosa. Ainda para mais quando tens 26 anos e estás a começar. Esta coisa de trabalhar com materiais plásticos (e no desvio da significação que esses materiais podem ter), poderia cair numa fórmula de construção de espectáculos que eu sei que resulta e é bem recebida pelo público. E a meio do processo pensei porque não arriscar uma coisa muito menos segura e mais abstracta, na qual o único material a trabalhar fosse o corpo.

Cheguei a uma altura em que pensei que nunca tinha trabalhado devidamente o corpo em si. Ele era sempre usado como um atalho para fazer as outras coisas funcionarem. Era sempre posto à disposição para que o espectáculo pudesse funcionar. Às vezes o corpo era funcionário do espectáculo. Por isso, se o conceito era fazer uma peça só com três imagens, agarrei-me muito a ele e cingi-me mesmo só aos corpos, para ver o que é o corpo de um intérprete numa peça coreográfica. Mas decidi-me por este caminho, primeiro por achar que era mais arriscado e depois o momento de eu ir para outro lado.

Portanto, contrariar essas expectativas, porque tudo me estava a parecer fácil demais. E eu acho que a facilidade pode trazer maus resultados, sobretudo a médio prazo, uma vez que te podes agarrar a fórmulas e responder ao que as pessoas já estão habituadas. E eu não quero isso.

Tu também falas num resolver de questões que vêem de espectáculo para espectáculo...

... ou vou agarrando em coisas que eu acho que ficaram em potencial. Em relação ao Trio, o que agarrei foi essa primeira parte do Materiais Diversos. E eu achar que este corpo solitário potencia o que se apresenta em Trio. Ver como é que estes corpos se resolvem (ou não) neste espaço. Perceber como é que habitam este espaço nestas posições. E isso vem muito de um interesse cada vez maior pela primeira parte do Materiais Diversos.

Porque se pensarmos no Materiais Diversos percebemos existir uma espécie de "Tiago mau" (toda uma primeira parte austera e em expectativa, quase uma necessidade de crença do espectador) e um "Tiago bom" (que na segunda parte reconciliava o espectáculo com o público)...

Aqui acontece exactamente o contrário. Não há um Tiago que "acalme" as pessoas. Porque, na verdade, em Materiais Diversos tens ali um bocado de guerra com o público, mas depois reconcilias-te. Era uma peça do "Tiago bonzinho", de facto.

E nesta ficam coisas por resolver?

Ainda não sei. Só pensando depois nelas. Para já ainda estou a pensar muito "dentro dela".

O que achas que as pessoas esperam de uma proposta de dança como esta? Conhecerem-te a ti pode ajudar a compreender Trio?

Eventualmente vai haver alguém a quem vai ajudar. No outro dia encontrei uma rapariga que me disse que dizia ter adorado o Materiais Diversos, e eu disse-lhe que esta era bastante diferente. Ao que ela respondeu que tinha confiança. Há este lado das coisas acontecerem assim e normal as pessoas agarrarem-se a isso. Mas o que não é normal é que eu me agarre a esse tipo de coisas.

Eu não sei o que é que as pessoas esperam de uma proposta de dança, mas no Trio há elos de ligação com outros espectáculos meus: a relação com o tempo, a emotividade que não é dada à partida, uma espécie de anulamento das expressões, a repetição, as coisas em série... Há pontos de ligação que se conectam, mas aqui o universo é outro. Portanto, se tu tentares ver relações encontras. É preciso que penses um bocadinho acerca delas, mas encontras.

No final de uma das apresentações em França encontrei uma programadora, que tinha gostado imenso do Materiais Diversos, e perguntei-lhe: "mudou um bocado, não lhe parece?". Ao que ela respondeu: "não acho. Acho que o lado cómico passou para algo mais noir, mas que tem imensos pontos de ligação". O que de facto também é verdade. Podes ver esta peça como algo muito distanciado, mas os pontos de ligação existem. Portanto, as coisas são muito subjectivas, consoante aquilo que as pessoas querem ver nas peças. Incluindo a forma como as relacionam com aquilo que viram antes. Mas, lá está, isto é exigir demasiado do espectador, porque este exemplo é de alguém especializado, cujo trabalho é ver espectáculos.

Quais são as tuas referências? O que é que existe sempre que te permite teres confiança para avançar para uma nova criação? Ou seja, em último recurso, a que é que recorres para criar? Pessoas, livros, cidades, História, movimentos artísticos...

Eu tenho referências, mas acho que elas não intervêem directamente no trabalho. Intervêem em mim e depois eu faço o trabalho que faço. O que me faz trabalhar e acreditar mais naquilo que faço não é tanto um coreógrafo, mas mais períodos históricos na história da dança. Saber que há momentos em que coreógrafos se afirmam e ficam... e esses que ficam são os que fazem um trabalho de pesquisa. Ou seja, repensam o antes e dão um cunho pessoal à coisa.

E é assim que eu gosto de pensar o meu trabalho. Como é que o meu entendimento do que aconteceu antes, mais as coisas que me influenciam, fazem com que o meu trabalho seja autoral? E acima de tudo é isso que eu acho emocionante. Não me interessa se o que faço fica ou não para a história, mas não lido com o meu trabalho de forma leviana.

Acho que o meu trabalho é importante, nem que seja para mim. Não para o meu umbigo, mas por achar que tem um suporte, nem que seja a nível conceptual. Não faço por fazer, ou porque tenho dinheiro, ou porque é giro... Faço porque acho que tenho que fazer e ao fazer acho que me estou a especializar. E a especialização é muito importante na dança contemporânea.

Consegues perceber em que te estás a especializar?

Mesmo sendo muito novo para o definir, eu acho que há duas coisas que são transversais a todos os meus trabalhos: o rigor e a escrita. Como é que uma proposta de dança pode ter, também, este lado de escrita e de rigor? E o público poder ver essas duas linhas e não achar que é um fazer por fazer. Mas depois saberes que ainda as podes trabalhar mais. Às vezes esquece-se um bocado que a dança teve e tem um grande trabalho de escrita. Tem um lado de emocionalidade, mas pode ser construído um vocabulário escrito sobre isso. Isso interessa-me bastante.

São então essas as linhas que as pessoas, mesmo rejeitando, podem encontrar sempre nas tuas propostas.

Sim. Rigor, limpeza, depuração, escrita. Estas são coisas que eu tenho sempre muito presentes.

[o objecto]

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Como foi a recepção em França [Trio estreou no Festival Vivat La Dase a 1 de Abril] e como achas que o público que as vê, pensa e integra aquelas três imagens?

Mesmo não tendo ainda muita distância sobre a peça acabada, parece-me que as reacções foram muito divididas. Ou seja, houve muitas pessoas que não "gostaram" de todo da peça, ou que não conseguiram entrar e outras que "entraram" mesmo e cujas reacções foram bastante positivas.

Mas não foi nada que eu não esperasse já porque como a peça é bastante árida, em relação à proposta, há quem não compreenda as regras do jogo (que são compreendidas muito facilmente), ou não consiga fazer uso daquilo e a peça poder ser um objecto muito distante. E acho que será assim que vai sempre acontecer. Não é uma peça para grandes consensos como, por exemplo, o Materiais Diversos que, mesmo assim, era mais abrangente. Havia sempre um ponto pelo qual as pessoas chegavam, mesmo que fosse por diferentes caminhos. Esta é uma coisa muito mais seca.

Em relação ao que sentem sobre aquelas três imagens, tenho alguns feed-backs que as ligam à história da dança, Bauhaus, expressionismo e anos 60 ou com a Trisha Brown. Ou seja, fazem muito uma relação com essa história, o que é engraçado, porque não tendo sido pensada assim, essa história está lá. Ou seja, há quem a veja como um receptáculo de várias influências da história da dança. O que, de facto, também o é, visto que a peça repensa, de alguma forma o que é que para mim, enquanto coreógrafo esta ideia de macro-coreografia... no limite, o que é a coreografia? Corpos no espaço em movimento. Mas também como é que posso fazer uma coreografia com esses corpos, mas de uma forma muito canalizada, só a partir destas três posições. Se tu disseres coreografia pode ser tudo, mas se disseres "de três posições", fecha-se num exercício de estilo acerca da própria composição coreográfica. Portanto, quem entra na peça, vê-a muito por esse lado, um diálogo com a história da dança.

E achas que há espaço para uma leitura ausente dessa contextualização?

Acho que há, mas eu não quero impor esse ponto de leitura. Ainda que eu goste de deixar em aberto o que se passa nas outras propostas, esta tem uma base coreográfica muito mais aberta. E por isso eu não quero, de todo, condicionar o discurso que possas ter em relação áquelas três personagens.

Eu tenho o meu discurso, que posso defender se me perguntarem o que é para mim a peça. Mas se me perguntarem o que eu quero passar ao público eu diria que isso não me importa de todo. Prefiro que as pessoas façam a sua própria construção. Porque como há as que podem ver uma relação com a história da dança, há quem possa ver uma história pessoal de cada uma das imagens ou, quando uma delas é contextualizada, uma imagem social muito forte, porque é agressiva.. Por isso sei que a peça contém muita coisa lá dentro e as pessoas vão lá dentro buscar os que lhes interessa mais.

Mas como é que consegues equilibrar uma proposta que sendo muito mais profunda, privada e pessoal (se calhar mais emocional) possa ser recebida também com tanta frieza?

Eu não acho que, no ponto de partida, seja uma proposta emocional. Acho até que o ponto de partida é muito formal, porque parte de um conceito específico e cujas ferramentas são também muito específicas. Diria que há muito pouca liberdade neste trabalho. O que acho é que a parte emotiva pode vir depois. Gosto mais de trabalhar não a partir da emoção, mas a saber que a emoção pode vir depois, através da interpretação e da percepção que o público tem do objecto. Evitar uma coisa que me irrita bastante e que é "querer que o pública sinta isto ou aquilo". E quanto mais me dão a ver "isto", mais eu me afasto.

Eu gosto de ser um espectador activo, ou seja, fazer a minha própria construção. E nas minhas peças tento fazer isto, não impor uma coisa muito específica. Acho, por isso, que esta peça é bastante abstracta para que isso possa acontecer. Ainda há um lugar para abstração e isso foi um ponto que nós trabalhámos muito. Uma vez que na dança, foi algo que, de certa forma foi posta de lado, através de algumas correntes muito fortes que a consideravam demasiado subjectiva. Ou acharem que os espectáculos deviam ser mais didáticos.

Por isso a mim interessa-me pensar como é que da abstracção pode vir esse lado emocional. Como é que a partir destas bases coreográficas, tu, enquanto público, tens liberdade para fazer a tua própria construção.

Tendo consciência que os gestos quotidianos da vida são ausentes de interesse, por si, importando antes o que se faz com eles, Trio permite-se a uma leitura sobre a importância e reconhecimento do gesto pelo gesto... sobre a banalidade (e interesse) dos gestos quotidianos?

Com esta peça podes pensar isso, exactamente. Que a repetição tem um valor em si e que os gestos que nós fazemos também podem ser manipulados. E são manipulados. Os gestos que tu fazes quotidianamente são gestos que não fazes porque queres, mas por manipulação. Se tu queres agarrar uma chávena, agarras de determinada forma porque a chávena te manipula a isso.

E na primeira parte de Trio são as outras pessoas que te manipulam até chegares a essa imagem. Somos nós próprios que construímos estas imagens, para então trabalharmos a partir dela. Aí sim podes fazer um elo com a vida quotidiana. É claro que é uma coisa abstracta, mas podes fazer esse elo de ligação.

Mas pode ser vista como um conjunto de três solos?

Não. Acho que é uma peça de grupo porque há coisas que só funcionam a três. Isto tem muito a ver, também, com a possibilidade do olhar do público se poder dividir. Vejo-a é com mais pessoas. Há aliás a proposta de se fazer este espectáculo com muita gente, numa ideia de massa que está sempre a mudar de posição.

É um espectáculo que, quando o espectador chega, já começou?

Que já começou sim, mas muito lentamente. Ou seja, os espectadores não tem a sensação de já ter começado, até porque no início se denuncia que nós estamos à espera de alguma coisa. Nós podíamos já ali estar há horas. Mas à espera que algo acontecesse. Mas a contrução só se dá quando o público está sentado e a luz da plateia já desapareceu. Eu diria que já começou porque já estamos em cena e há uma atmosfera criada, mas as pessoas não perderam grande coisa antes. E no final recupera-se, de forma subliminar, uma ideia apresentada nos LAB, de corte com o espectador na apresentação da construção de uma imagem. A peça acaba com um corte de luz, mas denuncia que poderia continuar por mais tempo. Porque as pessoas que habitam estas imagens, a partir da segunda parte do espectáculo, resistem a uma permanência no espaço, como se não conseguissem estar lá dentro. Por isso a peça não tem um fim e não é um ciclo que se fecha.

E isso implica uma personalidade?

Sim. Aí é o único momento em que eu abro um bocadinho a porta e digo que dentro destas imagens estão estes corpos específicos que, se calhar, já não aguentam isto e querem partir para outro lado. E o espectáculo acaba no momento em que a coisa poderia ir para outro lado. Se eu seguisse a lógica da peça, poderíamos pensar que esta deformação das posições (uma suspeita de corpo social) remeteria para o seu início. E isso poderia levar a coisa para outro lado. Mas eu corto. Porque concluir seria redundante e até ostensivo, uma vez que as imagens finais podem sempre "explicar" a peça.

Tu falas de um regresso à origem e numa percepção do radical. O que te pergunto é se a repetição dos movimentos serve para fixar e procurar a importância de determinado movimento ou, por outro lado, a recusa de qualquer interpretação, fazendo desta proposta algo tão abstracto que não permita a identificação.

As duas coisas. Por um lado é dizer às pessoas para se desenganarem em relação áquilo que pensam estar a ver. Quando no início estamos uns bons vinte minutos a fazer loops, isso quer dizer que a peça não é mais do que isso. E se estiverem à espera de mais, saiam. Que foi o que aconteceu em França com muita gente a sair antes do fim desses vinte minutos.

Mas as portas ficam abertas para as pessoas saírem?

Não. Mas as pessoas saem dos espectáculos quando querem. Na plateia da Culturgest [instalada no palco] será mais complicado, mas é possível saírem. Por outro lado, a repetição dá-te um estado de corpo que faz com que este trabalho sobre variações tome mais sentido. Ou seja, só depois de tanto se repetir é que se podem começar a ver algumas variações. Se não desse ao corpo este estado meio abstracto, o trabalho de variações não me faria tanto sentido. Portanto, é recusar outras imagens que possam aparecer, mas tambem dar, ao público e a nós intérpretes, um estado meio em transe ou hipnótico. Eu gosto de pensar este espectáculo como uma espécie de paisagem coreográfica. Tu estás ali a ver aquelas coisas a transformarem-se. Primeiro de forma muito horizontal e depois com algumas variações. No meu ideal, gostava que o público se deixasse embalar.

Tu tens uma cor para este espectáculo, uma vez que pode ser visto como algo tão frio e mecânico?

Não. Branco, talvez. Mas é engraçado que fales disso, porque a peça acaba em amarelo. Eu não falei muito com a Caty [Olive, desenhadora de luz] acerca de cores, mas as escolhas dela tornam-se um discurso sobre a minha própria peça. Mesmo no final há um clarão de luz amarelo que depois se vai embora. Ou seja, acaba meio em esperança. Uma espécie de luz positiva que entra ali, vinda de fora. Uma luz que não é da peça, porque esta é uma peça muito sombria, de luz inconstante.

Amanhã: [o corpo e a solidão] + [trabalhar com outros intérpretes]
Sexta: [a relação com o público e os espaços de apresentação] + [condições de produção]

Conversa realizada a 07 de Abril, em Lisboa. Agradece-se a disponibilidade de Tiago Guedes e a colaboração da Re.Al e Bazar do Vídeo na cedência de material.


Sobre Tiago Guedes neste blog:
Materiais Diversos, 2003
Proposta para os LAB 11 (onde se deu a ver uma ideia de TRIO)

2 comentários:

Anónimo disse...

que seca de entrevista
tão desinteressante quanto o próprio artista
estas charopadas retóricas já deram uva...talvez nos idos anos 30...

que seca que é o nosso panorama coreográfico-teórico

e Dante, será que o menino leu Dante?

Anónimo disse...

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