sexta-feira, julho 28, 2006

Notas sobre o Prémio Maria Matos - Nova Dramaturgia Portuguesa


O Maria Matos – Teatro Municipal decidiu, em boa hora, recuperar o Prémio Maria Matos de dramaturgia, distinção criada antes do 25 de Abril por Igrejas Caeiro, fundador e antigo director do teatro agora dirigido por Diogo Infante. O prémio, dedicado à Nova Dramaturgia Portuguesa, quer constituir-se como estímulo tanto para a escrita de textos teatrais como para a revelação de novos autores, “através de trabalhos criativos”.

Apresentado na passada terça-feira, 27 Julho, o prémio tem o valor de cinco mil euros e será atribuído em Fevereiro do próximo ano a partir das escolhas feitas por um júri composto pelo dramaturgo Abel Neves, que preside, Diogo Infante, as actrizes Beatriz Batarda e Natália Luiza, também encenadora, e o actor, dramaturgo e encenador Tiago Rodrigues, responsável pelo projecto Urgências, actualmente em cena no teatro e que se prevê possa constituir-se como espaço de gestação e apresentação de novos autores teatrais. De notar que o júri não inclui qualquer crítico literário.

A sessão, que contou com a presença de José Amaral Lopes, Vereador da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa e Presidente da EGEAC, a entidade que gere o Maria Matos, e da Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, serviu, segundo o PÚBLICO de ontem, para defender a ideia de que a recuperação do prémio se inscreve na tentativa de ultrapassar “‘a dificuldade de colocar em cena textos portugueses’ que são de ‘pouca qualidade e em baixa quantidade”’, segundo o director do teatro.

Se se saúda esta recuperação, não deixa de ser curioso apontar que a atribuição do prémio Maria Matos – Nova Dramaturgia Portuguesa não implica a encenação do texto vencedor, antes pelo contrário. Os cinco mil euros ilíquidos que serão dados ao vencedor são, segundo, o regulamento (disponível online) a única relação que o Maria Matos terá com o texto. Isto porque não é feito em todo o regulamento qualquer demonstração de intenção de encenação do espectáculo ou leitura pública do texto, ainda que, no final da sessão, membros do teatro tenham assegurado que essa é uma situação ainda a estudar, mas não garantida. O regulamento indica apenas que por conta do teatro serão desenvolvidos “os melhores esforços para editar, nos termos que entender convenientes, o texto premiado”.

O que o Maria Matos propõe, por outro lado, é, em vez da encenação de um texto pelo qual já pagou, a eventual integração do autor vencedor no projecto teatral Urgências, caso assim seja acordado entre o teatro e a entidade responsável pelo espectáculo, escrevendo uma nova peça, preferencialmente para menos meios, menos actores e menos tempo, como se depreende das várias declarações feitas sobre o modelo deste projecto, feito em co-produção com as Produções Fictícias. Ou seja, o teatro prescinde dos direitos de uma peça à qual atribuiu um valor, reconheceu a capacidade de renovação e inovação na dramaturgia portuguesa, mas ainda assim prefere que na sua programação não se inclua uma nova peça de um novo autor. O que não só contribuiu para a ideia de escrever para a gaveta, como, curiosamente, parece responder à nota amarga de Luís Miguel Cintra, actor, encenador e director do Teatro da Cornucópia, no discurso se aceitação do Prémio Pessoa 2005: “o mercado teatral está a ditar até a própria escrita teatral: procura-se inventar à força novos autores e novos textos para satisfazer o mercado, mas pede-se que de preferência sejam breves e exijam poucos cenários e poucos actores, já que o espaço previsto para a novidade não pode ser caro, porque terá de restringir-se àquela margem prevista da outra programação, a importante, a programação académica, vistosa, de prestígio, ou a mais ‘popular’ e compensadora em número de público e em receitas, das salas grandes e dos grandes meios” (Expresso, 17 Junho).

Não deixa, por isso mesmo, de ser estranho que se num outro teatro municipal, o São Luiz, Jorge Salavisa iniciou o ano passado um projecto de colaboração estreita entre autores não teatrais e companhias/criadores (em 2006, José Luís Peixoto/Teatro Meridional e Gonçalo M. Tavares/Lúcia Sigalho; em 2007, José Luís Peixoto/Marco Martins), para o Maria Matos a EGEAC prefere guardar o texto, esquecendo o que o próprio director do Maria Matos dizia em entrevista em Março a este blog, a propósito da relação do teatro com a nova dramatugia: “Espero poder contribuir para aliciar, dinamizar e fundamentar a dramaturgia nacional. Um teatro municipal tem essa obrigação. Procurei contemplar isso na programação de duas formas, por um lado criando espaços onde capitalizar alguns dos dramaturgos que já existem e têm uma produção contínua e, por outro lado, recuperando um prémio de dramaturgia, para estimular e criar a possibilidade para as pessoas que querem escrever. Criar mecanismos que lhes permitam ter um confronto com a carpintaria teatral, o que passa pela relação directa com criadores, actores, encenadores, pôr as pessoas em contacto, aproximá-las”.

Posto isto, importa ainda referir que a presença da Ministra da Cultura na apresentação de um prémio municipal, se por demais relevante pelo prestígio e legitimação inerentes, levanta problemas de outra ordem. Nomeadamente porque é no próprio Ministério da Cultura que se encontram algumas das dificuldades para a existência de novos nomes na dramaturgia nacional. Desde logo pela exclusão de um apoio específico à criação dramatúrgica no programa de apoios pontuais e sustentados do Instituto das Artes, depois pela suspensão de bolsas de criação literária, ainda pela inexistência de incentivos às editoras para publicação de peças e, por último, mas certamente não finalizando a lista, por uma desarticulação entre os Ministérios da Cultura e Educação para a promoção do teatro e da dramaturgia nas escolas.

Assim, não admira que para Isabel Pires de Lima o prémio Maria Matos se constitua como “uma boa notícia para as artes por fomentar o diálogo entre os novos dramaturgos e os teatros” (Diário de Notícias, ontem). Pena é que nesta bela intenção programática não se tenha incluído o Teatro Nacional D. Maria II, sobretudo porque uma das razões para a mudança de direcção tinha precisamente a ver com a carência de autores portugueses em cena, entretanto revogada. Verificando que no recente fátuo fogo de artifício que foi a Mostra Internacional de Teatro de Lisboa não houve um autor português actual representado, parece-me estar tudo dito quanto ao papel que o Ministério quer ter na divulgação da dramaturgia nacional.

12 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pela tua análise brilhante e acutilante ligação de factos, que cada vez menos podem - e devem - ser lidos como acasos infelizes. Denuncias com precisão (e com coragem, acrescente-se) a total indigência, tolice manhosa e calamitosa desinformação da actual política cultural (e até a patética necessidade de publicidade, mesmo que à custa de terceiros). Quadro mais terceiro-mundista é difícil de imaginar…

Anónimo disse...

E mais disse:"'O que importa é que a gestão que venha a ser feita do Teatro Rivoli, seja uma gestão que garanta a sua gestão de serviço público', afirmou hoje Isabel Pires de Lima, à margem da apresentação do Prémio Maria Matos, que decorreu no teatro com o mesmo nome.A ministra da Cultura lembra que o Rivoli foi 'revitalizado com dinheiros públicos' e, por isso, a sua gestão, pública ou privada, deve saber 'salvaguardar a dimensão de serviço público que tem obrigação de ter'" (Notícia da Rádio Renascença). A senhora ministra, e ilustre catedrática, certamente do disparate institucional, não sabe pois o que dizer, ou calar-se, atendendo a que está limitada por um "statuto quo" definido por quem fala mais alto no governo e o presidente da câmara do Porto (vide resolução do diferendo do Túneel de Ceuta), ou, com as devidas precauções formais, chamar a atenção que mesmo tratando-se de um teatro municipal do Porto, há protocolos, investimentos e políticas globais de cuja observação pelo menos o governo não se pode eximir. Pois bem, em vez disse faz uma tola declaração de circunstância (passe a redundância de uma uma declaração da minstra Pires de Lima ser tola) que serve como cobertura aos moldes da "privatização". Bravo, bravissimo!!!

Anónimo disse...

Num cyber café numa praia distante, dou uma olhadela à blogosfera portuguesa e penso: ó rapaziada, senão podem ir de férias tomem prozac! Um abraço e bom Agosto!

Anónimo disse...

Vá de férias à vontade que outros, pelo sacrificio, tomarão conta do país que abandona...
Mai Nada, Tiago.

Anónimo disse...

caro amigo
concordo com M.P.Quadrio na tua lúcida associação dos pequenos gestos que criam uma improvisação remendada, de mais efeitos que causas. Até o prémio Inatel/ Novos Textos e no Grande Prémio de Teatro Português (que título!) a selecção dos textos era sempre orientada para a sua encenação.
Mas, sobretudo, entre um modelo que não dá qualquer visisbilidade a um texto dramático - cujo fim se cumpre em cena e não apenas na leitura - e a selecção de textos em função de uma estética de produção rápida, o problema de fundo mantém-se na ideia de prémio.
Um prémio faz sentido na diversidade. Ora, num contexto onde não há quantidade - quanto mais diversidade - não vão ser os prémios atribuídos a um texto por ano - e que nem é encenado - que vão revelar novos autores. Não é no Ministério, nem em gabinetes de produção, nem em reuniões de júri, que pode vir a aparecer uma dramaturgia nacional -diversificada, descentralizada, contínua e paga.
Os prémios de dramaturgia em Portugal são como picos cardíacos num monitor onde a linha aparece sempre plana. Do anonimato parece surgir, de repente, uma miríade de novos dramaturgos, elege-se um texto, talvez se encene o texto, e aí vai ele, o escritor, mergulhar de novo no anonimato e placidez da sua solidão. Até ao ano seguinte em que outro, como ele, pensará fazer parte de uma elite de eleitos. Mas, eleitos por quem? Elite do quê? O problema é de base, vem lá de baixo. Um dramaturgo não se faz de um dia para o outro. É preciso tempo, erros e continuidade, enfim, experiência. Promover o imediato e o juvenil num contexto tão institucional serve mais a imagem que o valor. Por isso é que qualquer prémio de Dramaturgia sem dramaturgos cheira a novo-riquismo e passa ao lado do fundamental: o fundamento.

Anónimo disse...

Este é o retrato do nosso país e das suas cabeças pensantes. Quando há resmungam porque há. Quando não há resmungam porque não há. Analisar, criticar é fácil. Já tentaram perceber as razões que levaram à criação deste prémio? O Sr. Tiago Bartlomeu Costa deu-se ao trabalho de perceber o porquê da opção de não haver compromisso com a encenação desse texto? Será assim tão mau incentivar a criação de textos? Será que da meia dúzia de textos que eventualmente irão concorrer, metade não será representado? Será que não havendo o incentivo do prémio algumas pessoas iriam dar-se ao trabalho de terminar textos, por ideias no papel...?
Lamento Sr. Tiago Bartolomeu Costa, mas ao longo dos últimos tempos tem-se mostrado de tal forma arrogante e pedante, que me tenho afastado do seu blog. O Sr. que ataca tudo e todos é o primeiro a apoiar os mesmos de sempre. Está à procura do seu lugar num poleiro não é?

Anónimo disse...

É efectivamente verdade J. Martins, o dislumbre destroi muitas vezes a possibilidade de crescimento intelectual. Ó Tiago, nunca te vi, não te conheço mas leio-te e parece-me a mim também que é sempre do mesmo quando toca a avaliares iniciativas novas, tanto conservadorismo disfarçado de vanguarda também começa a incomodar... Parece efectivamente que procuras poleiro, não sei se é o que fazes, não sei mesmo, mas parece! Olha, não te dislumbres com pseudo-criticos que pouca análise fazem dos espectáculos (não falo de ti mas do Quadrio, do Seabra e do JC por ex.) e ocupam espaço nos jornais para fazerem crónicas leves dos espectáculos que viram.

Anónimo disse...

Venham daí as crónicas "pesadas" do António Marques Pereira! O Quadrio agradece...

Tiago disse...

Parece-me que fui bastante claro ao elogiar a renovação do prémio e a sua importância. A minha questão é de outra ordem e creio que não foi entendida: o prémio está a ser vendido enquanto tal, enquanto "objecto" que se esgota em si mesmo, visto que não se prevê ser levado à cena pelo próprio espaço que o reconhece enquanto válido e cumpridor dos objectivos delineados. E tendo o próprio teatro vincado uma aposta na dramaturgia, de que serve dar-se um prémio - e ja repararam que o que se lê 1º nos anúncios é o valor a atribuir? - se não o encenam? Uma peça não serve só para ler, mas para se representar. Uma peça que vale 5 mil euros também vale uma encenação. Fui claro agora? Quanto ao poleiro, enfim, não o busco. Se buscasse não escrevia o que escrevo. A última vez que notei ainda vivia num país onde as coisas se dizem pela metade e em compadrios. E a isto não se chama atacar, chama-se pensar.

Anónimo disse...

Um concurso, ou lá o que seja, de textos dramáticos é coisa de saudar, e eu acho coisa boa que o júri seja composto por actores e encenadores. À parte isso, concordo em absoluto com TBC.

Acescento até que não vejo grande sentido num prémio de 5000 euros. 5000 euros não pagam sequer o trabalho de escrever uma peça de teatro. (Uma peça a sério, entenda-se - não um textinho para acrescentar às brincadeiras das urgências).Todavia, o compromisso de vê-la produzida por gente capaz, vale. Ainda que não houvesse euro nenhum a acompanhar esse compromisso.

Anónimo disse...

Parabéns pelo post certeiro.
Quero exprimir também a minha concordância com o comentário de Pedro Manuel.
Os Prémios devem servir para distinguir os melhores de uma actividade participada e dinâmica.
Porém, os prémios de dramaturgia em Portugal parecem servir antes para criar uma dramaturgia de Potemkine.

Há pouca gente a escrever para teatro e ainda menos gente a representar tais dramaturgos, não há dramaturgos de relevo nem companhias com dramaturgos residentes.
Tal deve-se a uma falta de interesse pela própria figura do dramaturgo (a maioria das companhias parece preferir os textos clássicos ou exercícios de corta e cola e improvisação), mas também à falta de uma formação contínua de dramaturgos.
Houve a boa iniciativa do Dramat, no São João do Porto, que o actual director optou por extinguir, e o projecto Urgências, de cariz muito esporádico para ter impacto de fundo.
Nada mais.

Jorge

Anónimo disse...

boas tardes,
é a primeira vez que venho a este blog e vim porque procurava informação sobre o premio maria matos, a ver se havia novidades... Li os comentários e também gostava de deixar a minha opinião. Eu sou completamente a favor destes premios. Se não houvessem era pior para quem escreve. Para mim como autor não interessa se não põem a peça em cena... Se eu levar aqueles 5000 euros para casa talvez me sente e escreva outra peça melhor. Já há uma motivação. Ganhar prémios é bom. Aumenta a autoestima. E lord knows como os autores tugas precisam de autoestima. A competição é saudável e devia haver mais por cá para não termos a sensação que o financiamento e os louros vão sempre para a mesma malta. Alguém disse que 5000 euros não pagava o trabalho... eu acho que paga e muito bem! 5000 euros é uma data de massa por umas ideias no papel. Eu esrevi uma peça de teatro só porque vi que havia um prémio, sem prémio eu não escrevia uma peça. Mas falo por mim. Eu nunca gostei muito do teatro que vi em Lisboa porque sempre achei que tinha pouco sal muita confusão e que a maior parte das vezes só se adaptam textos estrangeiros, por isso dou os meus parabéns a esta iniciativa. Só termino com um pequeno pensamento atirado assim em jeito jazz: 5000 euros são dez meses a trabalhar full time no McDonalds... a mim dá-que pensar. Cumprimentos!