terça-feira, junho 13, 2006

Abordagens ao Alkantara (VIII): Encontros Lisboa 2005-2006 II

Crítica
Estratégia nº1: Entre, de Dani Lima e Sodja Lokter
Apartamento nas Janelas Verdes, 05 Junho, 14h
Karima meets Lisboa meets Miguel meets Cairo, de Karima Mansour e Miguel Pereira
Negócio, 07 Junho, 23h
No Body Never Mind 003, de Ana Borralho, João Galante e Atsushi Nishijima
Culturgest, 08 Junho, 22h30

Partilhar o íntimo


A ideia de um encontro entre criadores ter que originar um espectáculo pode ser perversa e contrária ao sentido de exploração e investigação que legitima grande parte dos processos artísticos. Tentados a pensar essa realidade, os festivais Alkantara e Panorama Rio Dança, no Brasil, desenvolveram em conjunto um projecto intitulado Encontros 2005-2006, promovendo essa troca de universos artísticos entre artistas de diversos países. O resultado, apresentado em estreia mundial durante Alkantara inclui, para além dos trabalhos, já aqui criticados, de Cristina Blanco & Cláudia Muller, Filipa Francisco & Idoia Zabaleta e Gustaco Ciríaco & Andrea Sonnberger, propostas de Dani Lima e Sodja Lotker, Ana Borralho e João Galante com Atsushi Nishijima, e Miguel Pereira e Karima Mansour. São espectáculos bastante diferentes, na forma e no conteúdo mas atravessados por uma linha comum: a partilha e a reflexão em torno da construção de um terceiro objecto no qual se identifiquem esses criadores mas, e sobretudo, o público. Ao mesmo tempo um objecto que reflicta sobre o princípio multicultural no qual assentou o desafio.

A dupla de performers portugueses Ana Borralho e João Galante, em No Body Never Mind 003, ocuparam uma sala do frio edifício da Culturgest para convidarem os espectadores a observar um processo de metamorfose que estende as ideias que já tinham estado presentes no capítulo anterior. Deitados no chão deixavam que os sons do corpo fossem amplificados por microfones numa sonoplastia desenhada pelo japonês Nishijima. Se o pressuposto é interessante, tanto no aspecto da observação, como na ideia de libertação de códigos cénicos para dar a ver o essencial de uma presença (o secreto), a performance apresenta poucas evoluções quando comparada com o objecto apresentado no verão passado. Porque o espectador tende a assumir uma posição de observador passivo (e mesmo que se aproxime fá-lo em atitude, geralmente, provocatória querendo testar a resistência dos performers), a paisagem que Borralho e Galante criam envolve-se numa redoma algo inacessível. No ar fica a estranha sensação de inacabado, de incompleto, de vazio, de princípio.

A partilha do íntimo é também equacionada pela brasileira Dani Lima em Estratégia nº1: entre. Somos convidados, em nome individual, a entrar num apartamento na zona das Janelas Verdes onde nos espera um homem (Filipe Rocha) ou uma mulher (Dani Lima). Durante a performance não aparecerá mais ninguém estando performer e espectador dependentes de um falseamento da empatia. Há que aceitar as regas do jogo ou este não existirá. E são muitas, demasiadas até. Apresentam-nos um percurso dentro da casa onde cabem memórias, expectativas e a construção de uma intimidade. Mas o formalismo no qual assenta a dramaturgia do espectáculo impede m verdadeiro envolvimento, uma vez que fazemos o que é esperado que se faça. Isto não tem que ver com o jogo de sedução do performer (no caso Filipe Rocha), mas antes com o modo como, querendo que a performance seja fluida, se restringe a acção ao esquema prévio.

Já em Karima meets Lisboa meets Miguel meets Cairo, de Karima Mansour e Miguel Pereira, estamos perante aquilo que poderá ser a resposta mais política a esta ideia de encontros, já que nos é apresentado um encontro que não se deu. Os dois criadores não conseguiram criar uma plataforma de entendimento, deixando-se levar pelas diferenças que os opunham. Está no modo como resolvem isso em palco a justificação para a reflexão profunda sobre este tipo de iniciativas. Miguel Pereira veste-se de negro, coloca uma peruca e apresenta um relato do processo criativo com Karima Mansour. Se no princípio cativa pelo enunciar de uma abordagem crítica à proposta, depressa parece ceder ao gozo do público, insistindo no inglês macarrónico, na piada fácil e, sobretudo, na criação de uma imagem negativa de Karima, figura que até aí ainda não vimos, mas que se apresenta como o pior dos seres. Pereira não resiste a passar-se por vítima perante o espírito conflituoso da criadora egípcia, libertando-se de qualquer responsabilidade pelo falhanço do encontro.

Quando Karima entra e começa a falar em egípcio a sala gela. Percebe-se rapidamente que não vamos assistir à outra metade da história, mas a um trabalho sério sobre o falhanço. Karima exerce um poder magnético intenso pela sua extraordinária beleza, mas mais ainda pela inteligência com que lida com o exercício de Miguel Pereira. Neste resgatar da individualidade assenta grande parte da justificação para que aparente falhanço deste encontro prove tratar-se do mais honesto dos exercícios. A reflexão existiu, o encontro deu-se, só não coube nos parâmetros previstos inicialmente. O direito a ser whatever, como diz Karima, é mais relevante que qualquer construção cénica lógica e fundamentada.

Ao pôr em causa, no espaço, no tempo e no lugar certos, a relação entre criadores, programadores, críticos e público, obriga-se/nos a um confronto com a retórica da performatividade. Assume que a criação ou tem uma função ou não funciona (e por isso insiste em se querer apresentar no Egipto enquanto coreógrafa contemporânea porque, no Ocidente, será sempre vista como objecto antropológico – e é nesta dimensão que Miguel Pereira insiste), que é falsa a ideia de que todos os trabalhos devem ter que ver com a identidade, que não se podem produzir espectáculos formatados por lógicas de programação para épater le bourgueois, e termina dizendo qualquer coisa como “deixa-me ser o teu espelho para perceberes como és”. A importância da miscigenação e da multiculturalidade é posta em causa neste brilhante exercício que mesmo circunscrito à dimensão deste festival e desta proposta deve servir de ponto de partida para a análise das lógicas de banalização em que tendem a cair grande parte das criações e reflexões contemporâneas

2 comentários:

vvoi disse...

Bem, Tiago, então acho que não tiveste sorte no "Entre". Na "versão" que eu vi, com a própria Dani, as tais sequências, ou capítulos, perderam completamente importância, ao ponto de eu ter que voltar atrás e me lembrar quando li o que escreveste. Era tudo um passeio iniciático, com os seus ritmos, a sua dinámica particular.

Anónimo disse...

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