segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Da entrega à partilha

Crítica a Entretanto…
de Ana Ribeiro e Mónica Garnel
Casa Conveniente, Lisboa
De 2 a 26 Fevereiro

Entretanto… acontece entre dois breves monólogos que Ana Ribeiro e Mónica Garnel partilham no espaço íntimo da Casa Conveniente. São dois momentos que não se sobrepõem nem comparam, antes criam um trabalho de conjunto desassombrado e humilde, que reclama um espaço próprio e individual para estas duas actrizes que trabalham regularmente com Mónica Calle, a directora artística do colectivo e do espaço, no Cais do Sodré. Está no modo como se apropriam desse território agreste e o tornam íntimo, fazendo do acto teatral um ritual que se quer manter secreto, a mais valia de um espectáculo pouco ambicioso e honesto.

É indiferente por onde se começa, se pela sala na cave onde Ana Ribeiro nos oferece um copo de vinho entre sofás e tapetes por demais confortáveis, ou pela minúscula sala da entrada onde Mónica Garnel se esconde atrás de uma espécie de guichet. Os dois monólogos que fazem os espectadores divididos em dois grupos à entrada deambular pela estreita Casa Conveniente, são dois jogos teatrais próximos do universo referencial das duas actrizes, mas também atentos à ambiência do espaço. São exercícios quase artesanais e, por isso, feitos de pormenores.

No caso do trabalho de Ana Ribeiro é o modo como nos recebe sentada no chão e de olhares perturbadoramente fixos e atentos que nos torna cúmplices de uma confissão sobre amores perdidos, expectativas, entregas e emoções. O copo de vinho que nos entrega é um convite à partilha silenciosa de experiências comuns. E enquanto vai confessando alguns dos “esquemas de sobrevivência” do jogo amoroso, dá também conta daquilo que lhe importa enquanto objecto teatral: um espaço de entrega, despojado, de relação directa com o espectador-ouvinte. Ou seja, o teatro como experiência íntima e a partir das marcas do quotidiano, quase para-teatral. O solo termina com uma teatralização do sofrimento que pode ser visto como um interessante exercício de máscara, que remete para as fachadas que se constroem na vida. Sentada numa cadeira, de olhos ainda mais abertos prontos a chorar e de cigarro a arder sem que ninguém lhe toque, Ana Ribeiro reclama o direito de também poder representar, na vida como no teatro.

Já Mónica Garnel parte de um dispositivo eminentemente teatral, que recupera o trabalho que fez em Para além do Tejo, do Teatro Meridional. Socorre-se de uma gestualidade concentrada no rosto e na voz para ilustrar uma narrativa de tons 'kafkianos'. A actriz, cujas qualidades interpretativas são explícitas na forma como controla a atenção do espectador, oferece um exercício rico em transformações, criando um imaginário mais amplo que o concentrado espaço onde se encontra. De uma entrega desarmante e que manipula a atenção do espectador, Mónica Garnel oferece uma proposta onde o teatro existe como espaço de recriação de ambiências.

Entre o despojamento de Ana Ribeiro e a multiplicidade de registos de Mónica Garnel reconhecemos um discurso sobre o lugar da criação artística no interior dos processos das duas actrizes. Entretanto… dá ver, quase microscopicamente, o rigor e a crença que depositam no acto de fazer “teatro”. Mais ou menos complexo, o que importa neste espectáculo é um sentimento de comunhão e cumplicidade, coisas a que já nos habituámos no espaço da Casa Conveniente. Que seja descontruído e exposto de forma tão sincera só ajuda a compreendê-lo melhor.

1 comentário:

Anónimo disse...

Eles vão ter de falar. O José, O Mário, a Isabel e o Carlos (Cácá para os amigos) não podem ficar calados eternamente.