terça-feira, outubro 09, 2007

Crítica: Patatboem, de Laika

Patatboem
Pela companhia Laika
NTGent Minnemeers (Gent, Bélgica)
05 de Outubro, 20h30
Lotação Esgotada


Quem tiver assistido a Hotel Tomilho, criado pela companhia flamenga Laika em parceria com o Teatro Regional da Serra do Montemuro, em 2005, saberá do que falo. Estamos longe da simples criação de realidades paralelas quando tratamos do trabalho desta versátil troupe conduzida por Peter De Bie. “O que aqui se cria”, escreve Patrick Jordens num texto sobre a companhia, “é um mundo em si mesmo, consumível e reconhecível certamente, mas ainda assim devidamente contextualizado e definido de tal forma que os nossos sentidos são não só conduzidos mas aperfeiçoados e confundidos”.

Patatboem, criado em 2002 é uma das peças emblemáticas desta companhia, tendo sido apresentada nesse mesmo ano, no Centro Cultural de Belém, no âmbito do Projecto Percursos. A sua complexidade técnica – em muito devida à construção cenográfica que exige fornos, lavatórios, bancadas, alguidares, bateria, violoncelo, microfones, muitos pratos, muitos copos, muito espaço para que os intérpretes se possam movimentar e um funil suspenso cheio de ervilhas mais uma misturadora profissional que vai batendo o gelado – impede uma apresentação regular desta peça. O que só torna cada apresentação ainda mais especial. Esse comprometimento, essa dedicação, essa coerência entre cozinha e cena está presente em cada sequência, aqui correspondente a uma fase diferente da preparação de um banquete que será depois servido ao ansioso público.

Impressionando pela sincronização dos movimentos, que nada têm de circense, bem como a extrema coerência dramatúrgica da peça que, sem pressões nem palavras de ordem, organiza a confecção dos pratos com canções que elevam o espírito do grupo e ganham a adesão do público, Patatboem ganha pela simplicidade do dispositivo narrativo. Durante quase duas horas – sim, o tempo passa a correr e dura tanto quanto a preparação do menu e mais uma canção, cover de um David Byrne a avisar que no céu nada acontece –, sentados em inclinadas mesas para oito, assistimos a um jogo de ilusões, onde os sincronizados movimentos dos seis intérpretes, ou cozinheiros, ou cantores, preparam uma refeição por entre canções, meticulosa dedicação à culinária e um irresistível à-vontade que só nos pode levar a não querer sair dali tão cedo.
E mesmo que não houvesse banquete, ou que este não estivesse à altura do prometido, só o prazer de ver um grupo tão intensamente unido seria suficiente para acreditar que aquilo a que se chama de teatro interactivo ganha aqui todo um outro sentido.

É bem possível que no final de Patatboem se esqueça que acabou de assistir a uma peça de teatro. Ao contrário do que seria de pensar, esse é um bom sinal. Provavelmente vai estar a querer mais. Não exactamente da peça, mas da carne temperada com especiarias provençais, ou talvez do puré de ervilhas com pimenta preta, ou talvez queira repetir a mousse de abacate que acabou tão depressa. É que Patatboem não é só uma peça de teatro, é uma festa para os sentidos e os sabores que Laika lhe acabou de preparar. E não se podia pedir mais. A não ser que tenha ficado com fome. O que também se duvida.

Veja aqui o vídeo de apresentação da peça.

2 comentários:

odeusdamaquina disse...

É Teatro regional da Serra do Montemuro (e não de). É um mínimo pormenor, mas que faz diferença. Pelo menos para as gentes da Serra do Montemuro.
Abraço

Lcego disse...

Caro Tiago,
Estou contente que tenha falado aqui dos nossos compadres da Laika. Somos realmente do Montemuro, vai-se lá saber porquê mas acham que a Serra é macho.
Menos uma semaninha e podia ter ido connosco não a Gent mas a Genk assistir à reposição do Hotel Tomilho no VertelFestival, para a próxima falaremos com antecedência. Desde já está convidado a assistir, e opinar claro(!) sobre o nosso espectáculo Qaribó que vai estar no CCB de 24 a 26 de Fevereiro de 2008. Um espectáculo infantil um pouco experimental que já devia ter saído de cena mas volta e meia há programadores que o descobrem (para alegria nossa. Entretanto estreamos dia 7 de Dezembro uma produção original do TRSM "O Amor" sobre amor paternal em tempo de guerra. Que tal vir até cá? Campo Benfeito pode não ser um centro artístico mas é uma aldeia com alguma arte... fica o convite!