Em Setembro de 2006 Sasha Waltz inaugurou o Radial System, um novo espaço de trabalho nas margens do rio Spree, no centro de Berlim, a 200m de AlexanderPlatz, no lado Este da cidade, depois de quase cinco anos de co-programação da Schaubühne, teatro nacional por excelência, onde tinha sido, com o encenador Thomas Ostermeier, anos mais novo que ela (em ímpeto programático e fôlego artístico), responsável pela renovação de uma ideia de arte oficial.
Questões orçamentais levaram a que no fim do primeiro quinquénio os dois directores artísticos, ele no teatro e ela na dança, se digladiassem por orçamentos. Bateu com a porta (diz ela), Ostermeier ficou a tomar conta de tudo (projecto inicial do encenador, dizem os fãs dela e detractores dele).
De uma antiga refinaria, edifício brutalmente industrial, feito de tijolo e corredores largos nasceu um espaço sem auditório, salas convencionais ou outra memória artística. Só espaço forrado a paredes de betão por acabar e janelas com vista para o rio e outras fábricas. A metáfora ideal para uma cidade que se refaz a cada dia. Daí a importância de ser no lado Este, onde mais se sentem as mudanças físicas da cidade, mas também por ser do lado onde resiste a Volksbühne, símbolo de contra-cultura que hoje tem como artista residente a coreógrafa Meg Stuart, aspecto nada evidente ou consensual.
São estas duas mulheres que estão a definir (termo generalista mas provocatório) os modelos de programação de dois espaços numa cidade de tribos urbanas. Para a programação Waltz chamou cúmplices antigos, fossem eles bailarinos regulares nos seus trabalhos (Luc Dunberry, Juan Cruz Diaz de Garaio Esnaola) ou outros nomes geracionais (Helena Waldmann, Maguy Marin, Mathilde Monnier ou Anne Huber). E a maioria do público descansou quando percebeu que ia conseguir ver dança sem as metáforas radicais que caracterizavam a linguagem da Schaubühne. Seria?
O espectáculo inaugural, Dialogue System 6 deu continuidade lógica a uma série de intervenções que a coreógrafa foi fazendo em vários espaços da cidade, agora propondo um circuito pelo interior da sua nova casa. Entre o pó de cimento que ainda se soltava das paredes de betão e o verniz que cheirava a fresco do soalho das amplas salas, visons e saltos altos burgueses (bilhetes entre os 36 e os 60€) percorreram as mais de 30 breves performances que os bailarinos da Sasha Waltz & Guests e os músicos da Akademie für Alte Musik construíram. A crítica dividiu-se, o público também (apesar da maior parte ter adorado a experiência anti-formal… de pé, de pé… tão pózinho moderno), e a intervenção não passou disso mesmo: cartão de visita que depressa se esquece.
É essa a maior dificuldade que o resto do público – o que quer ter acesso à dança contemporânea – espera do trabalho de Sasha Waltz e o papel que o Radial System pode representar, visto terem o maior orçamento de Berlim, mais do que os “míseros” cinco milhões que tinha que negociar com Ostermeier. A sua programação é suficientemente lata, combinando o seu trabalho disperso por companhias de repertório, a sua própria, criadores convidados – sempre em compra, nunca em co-produção –, e música. Mas a filosofia do espaço parece responder apenas a uma janela sobre o que se passa, em vez de propor linhas orientadoras; em vez de assumir uma autoria; uma característica. E, por isso, não deixa de ser curioso notar que é a própria Sasha Waltz que não deixa de se apresentar na Schaubühne. Para uns é saudade de casa, para outros forma tentacular de marcar território.
[texto publicado no suplemento Ípsilon do jornal Público, 02 Março 2007]
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