Carlos Fragateiro, director do Teatro Nacional D. Maria II, começou por esclarecer, não fosse a vontade maior que a razão, que estávamos ali exclusivamente para ouvir falar do MITE’06 – Mostra Internacional de Teatro, que a 16 de Junho oficializa o início da sua gestão do espaço, depois de um processo mais do que controverso e longe de estar sarado, como aliás se viu na estreia da peça em cartaz, Medeia. Um acto com o qual, disse-o ontem em conferência de imprensa que contou com a presença do Secretário de Estado da Cultura, Mário Vieira de Carvalho, queria agradecer a confiança na nomeação, desejando que este sinal fosse “suficiente para justificar os problemas” que deram à tutela.
Segundo Fragateiro o MITE’06 quer ser “o primeiro sinal público” do que se propõe fazer no Teatro Nacional, um acto “suficientemente revelador dos pressupostos essenciais do [seu] projecto”. Um projecto que, segundo o Secretário de Estado tem tudo a ver com o programa político apresentado pelo governo: na multiculturalidade, na devolução do teatro ao público, na promoção da “missão de serviço público das instituições sob a tutela do Ministério da Cultura”, e mais um contributo para a “revitalização da cultura em Portugal”. Porque o teatro, segundo Vieira de Carvalho, não está em crise. Há criadores, há estruturas, há vontades, há objectivos. Para Carlos Fragateiro e o co-director José Manuel Castanheira há também a necessidade de afirmar Lisboa e o TNDMII “como uma das plataformas de referência no contexto internacional do teatro e das artes do espectáculo”.
Durante mês e meio, encravado entre o Alkantara festival (de 02 a 18 de Junho) e o Festival de Almada (de 04 a 18 de Julho), Lisboa recebe mais um festival de artes performativas. Fragateiro quer chamar-lhe mostra, porque “não se trata de comprar espectáculos, mas de estabelecer contactos para colaborações futuras”. Ao contrário dos festivais, “onde os criadores apresentam os espectáculos e vão embora”, o MITE’06 quer potenciar a sua presença através de contactos. Como? Não se sabe, ainda é cedo para dizer. Como é cedo para dizer em que medida este “primeiro sinal público” dá conta do que se segue, à partida apresentado depois do fim do festival.
Estabelecendo uma “dialética entre o local e universal”, Fragateiro e Castanheira construíram uma programação onde se incluem companhias do Brasil, Espanha, Roménia, Canadá, França, Itália e Portugal que apresentam autores clássicos: Shakespeare, Gil Vicente, Moliére, Eurípides, Sófocles, Ionesco, Homero, Virgílio, Ovídio e dois contemporâneos, José Sanchis Sinisterra e Paula de Vasconcelos. Acreditam na cumplicidade entre projectos que permite o desenvolvimento de “uma identidade própria e seja um espaço/tempo de referência no contexto internacional”.
Mas se tudo isto é muito válido, há perguntas que precisam ser feitas. Perguntas que deveriam ter sido feitas pelos jornalistas presentes, mas estes limitaram-se a sorrir, às vezes a tomar notas e depois a esperar que tudo terminasse para que o pequeno-amoço oferecido chegasse depressa. Ora, algumas dessas perguntas coloquei-as eu. A saber:
- Tendo Carlos Fragateiro, enquanto director do Teatro da Trindade sido, em parte, responsável pela apresentação de alguns espectáculos do Festival de Teatro de Almada (FTA) em Lisboa, em que medida é que mais um festival, que partilha franjas de público com o FTA não exerce uma concorrência desleal e provocatória com esse mesmo festival, sendo apresentado nas mesmas datas?
O agora director do TNDMII começou por dizer que não queria misturar a sua experiência no Trindade com estas novas funções, ainda que reconhecesse o seu papel nessa transferência. Mas considerou que “concorrência desleal e provocatória” eram palavras muito fortes para definir o que poderia ser designado por complementaridade. Na verdade, trata-se mais de “contribuir para tornar mais visível o TNDMII nacional e internacionalmente”. “Não podemos viver isolados”, acrescentou Fragateiro, para logo a seguir referir que a apresentação de Rhinocéros, pelo Théâtre de la Comédie de Reims, será feita em concordância com as datas de apresentação do espectáculo no FTA. Para além disso, Carlos Fragateiro falou de uma outra colaboração, mas nada mais adiantou, guardando-se para a apresentação pública do FTA, que acontecerá dentro de semanas.
- Se o objectivo é projectar o TNDMII e dar a conhecer o trabalho que em Portugal se faz com os clássicos, porque é que o festival não incluiu a apresentação de Medeia, um clássico finalmente apresentado no Teatro Nacional, e cuja carreira termina cinco dias antes do início do MITE’06?
O director do TNDMII fez um longo silêncio e depois de vaguear pelo prémio de dramaturgia que será entregue pelo Instituto Camões, Instituto das Artes e TNDMII a uma peça brasileira ou portuguesa, disse que a apresentação de Medeia fechava um ciclo distinto dentro do Teatro, quiseram fazer essa separação e, na verdade, “não se projectam edifícios nem instituições, mas espectáculos”. O Melhor Anjo sabe que a proposta de inclusão foi feita pela anterior administração do TNDMII, mas recusada pela nova direcção, disse Fragateiro porque “os espectáculos têm uma vida, havia contratos assinados…”. E assim se perde a possibilidade de uma produção paga pelo TNDMII poder ser vista numa “plataforma de confluência e de cruzamento entre diferentes projectos e abordagens que se vão fazendo tanto em Portugal como a nível internacional”.
- Sabendo que existem problemas financeiros, e que a produção de um festival custa mais do que um espectáculo, qual o orçamento desta mostra, atendendo a que querem que seja identificada como primeira marca desta nova administração?
“Quatrocentos mil euros, à partida”, disse Carlos Fragateiro.
- À partida? Mas não sabe os custos reais?
“Não custa menos que as produções normais que se fazem por aí e que se foram fazendo neste teatro”, respondeu o director. Segundo números recolhidos pel’O Melhor Anjo, os custos de produção de algumas peças apresentadas pela direcção de António Lagarto como Medeia, rondam os 215 mil euros, e espectáculos como A mais velha profissão ou Berenice, no máximo 200 mil euros.
A dada altura já a agitação reinava na mesa e o próprio Secretário de Estado mandou acabar a sessão de perguntas pressupondo que não havia mais nada a perguntar. De facto, do lado dos jornalistas não devia haver, porque ninguém disse palavra. Mas eu fiquei com algumas por fazer:
- Como é que estes espectáculos respondem às necessidades do contexto nacional e como é que isso se vai reflectir na programação futura do TNDMII?
- Como é que num teatro público se abrem as portas com bilhetes entre os 7,5€ e os 15€ (preços que correspondem a muitos dos que são praticados por companhias independentes), ou assinaturas entre os 37,50€ e os 75€, quando os bilhetes na Culturgest custam 5€ até aos 30 anos, para o FTA, que tem muito mais espectáculos, uma assinatura pode custar 25€, o CCB reduziu preços, o próprio Alkantara tem vários descontos e se acabou com a política de preços baixos no TNDMII, onde se podia ver espectáculos por 2,5€?
- O festival serve para mostrar o melhor que se faz lá fora no âmbito dos clássicos, ou usa o TNDMII como mero espaço de acolhimento (condição transversal a todos os espectáculos deste MITE’06). Porque, a bem da verdade, se os criadores estrangeiros muitas vezes não ficam mais tempo nos países que visitam é precisamente porque não há verbas para isso e não porque há a intenção de "despachar" espectáculos. E em que é que isso distingue a mostra, para lá da ideia de existirem vontades, interesses e ambições?
- Se se anunciou o regresso da dramaturgia nacional ao TNDMII, como é que só há um espectáculo com texto nacional (D. Duardos, de Gil Vicente)?
Estas e outras perguntas deveriam ter sido feitas pelos jornalistas presentes que se limitaram a tomar notas e a beber sumo de laranja no final. À minha mesa estava uma jornalista que me perguntou se eu tinha ficado satisfeito com as respostas. Olhando para a minha cara não parecia convencido, disse ela. De facto não fiquei. E não é por ter sido anunciada a abertura de uma esplanada no frontão principal (“o hotel dos sem abrigo”, como chamou Fragateiro, que espera que não lhe criem "um problema social"), ou haver uma livraria que o Teatro ganha vida ou eu fico mais satisfeito. Não se trata de satisfação, trata-se, uma vez mais, de tapar o sol com a peneira, no qual nem se separa o gorgulho (é isso que MITE significa em inglês, para além de miudinho, bocadinho e contribuição modesta). A programação de encher o olho (e foi isso que fez José Manuel Castanheira na apresentação, ao debitar nomes e referências de actores, encenadores e teatros cuja apresentação se garantia por causa dos contactos pessoais desta administração - mas não é esse o papel dos directores de um teatro?) é um truque de ilusão que a nova administração do TNDMII organizou e não pode convencer quem acredita num teatro implicado. O TNDMII tem mais responsabilidades para além da apresentação de companhias estrangeiras. Isso faziam os empresários de teatro na primeira metade do século XX para rentabilizar as salas no período do verão, com peças que depois trariam à cena em versões nacionais. Onde é que isto é inovador, plural, laboratório, “invenção de novas práticas e produtos” e resposta à “vontade que se sente a nível internacional”? Talvez quando Secretário de Estado deixar de interromper as conferências de imprensa, os jornalistas souberem o que perguntar e os directores de teatro estiverem menos preocupados em se lamentar pelos incómodos causados pela nomeação, eu possa estar mais satisfeito.
Estas e outras perguntas deveriam ter sido feitas pelos jornalistas presentes que se limitaram a tomar notas e a beber sumo de laranja no final. À minha mesa estava uma jornalista que me perguntou se eu tinha ficado satisfeito com as respostas. Olhando para a minha cara não parecia convencido, disse ela. De facto não fiquei. E não é por ter sido anunciada a abertura de uma esplanada no frontão principal (“o hotel dos sem abrigo”, como chamou Fragateiro, que espera que não lhe criem "um problema social"), ou haver uma livraria que o Teatro ganha vida ou eu fico mais satisfeito. Não se trata de satisfação, trata-se, uma vez mais, de tapar o sol com a peneira, no qual nem se separa o gorgulho (é isso que MITE significa em inglês, para além de miudinho, bocadinho e contribuição modesta). A programação de encher o olho (e foi isso que fez José Manuel Castanheira na apresentação, ao debitar nomes e referências de actores, encenadores e teatros cuja apresentação se garantia por causa dos contactos pessoais desta administração - mas não é esse o papel dos directores de um teatro?) é um truque de ilusão que a nova administração do TNDMII organizou e não pode convencer quem acredita num teatro implicado. O TNDMII tem mais responsabilidades para além da apresentação de companhias estrangeiras. Isso faziam os empresários de teatro na primeira metade do século XX para rentabilizar as salas no período do verão, com peças que depois trariam à cena em versões nacionais. Onde é que isto é inovador, plural, laboratório, “invenção de novas práticas e produtos” e resposta à “vontade que se sente a nível internacional”? Talvez quando Secretário de Estado deixar de interromper as conferências de imprensa, os jornalistas souberem o que perguntar e os directores de teatro estiverem menos preocupados em se lamentar pelos incómodos causados pela nomeação, eu possa estar mais satisfeito.
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