sexta-feira, janeiro 06, 2006

Coups de thèâtre - mudanças no TNDMII

A noticia da substituição de António Lagarto por Carlos Fragateiro à frente do Teatro Nacional, que o jornal PUBLICO apresenta hoje, é mais um passo para acreditar que a Ministra da Cultura deve cair depois das eleições presidenciais.

A escolha do ainda director do Teatro da Trindade representa um retrocesso em toda a linha, se pensarmos no que deve ser papel de um teatro nacional (papel esse que, alias, insiste em não ser discutido pela comunidade). Um absurdo tão grande como a escolha que Sasportes fizera com Maria de Medeiros, ou Santana Lopes com Agustina Bessa-Luis. Fragateiro esta longe de se apresentar como um homem cuja relação com o teatro (naquilo que se entende como o lugar do teatro no contexto criativo) seja feita de pertinentes escolhas, novas apostas ou conscientes contaminações de praticas artisticas, pontos nos quais deve assentar a programação de um Teatro Nacional. Ao falar de uma programação exclusivamente dedicada à dramaturgia portuguesa, devemos levar em linha de conta as escolhas que fez para o Trindade.

Basta recordar o programa que no fim de 2002 apresentou como aposta nessa mesma dramaturgia e cujos espectaculos se apresentavam vazios de publico, os textos eram quezilentos, e as encenações surrealistas. Nessa lista de dramaturgos encontravam-se nomes como Salazar Sampaio, que por não ter gostado do trabalho que o encenador (Claudio Hochmann) fizera, obrigou a uma versão tal como ele a tinha imaginado. Ou ainda, para percebermos o que significa a dramaturgia nacional para Fragateiro, recordem-se os mediaticos textos de Freitas do Amaral (O Magnifico Reitor, 2001 e Viriato, 2003) e Inês Pedrosa (12 mulheres e 1 cadela, 2005). Um outro aspecto prende-se com essa visão capelista e provinciana de dedicar o teatro aos textos nacionais ("orgulhosaente sos", novamente?), quando o proprio Trindade teve um programa de dramaturgia que nunca saiu da gaveta, ou fidelizou publico a partir de adaptações de textos contemporanêos estrangeiros (Proof, 2003; Picasso e Einstein, 2005), comédias sofriveis (Esse espermatozoide é meu!, 2004), experiências de teatro musical (O Navio dos Rebeldes, 2003; O ultimo tango de Fermat, 2004; Fungaga, 2004) e "operas" (Os Fugitivos, 2004; A casinha de chocolate, 2003; Os sonhos de Einstein, 2005) ou adaptações duvidosas de classicos (Romeu e Julieta, 1999; Partitura Inacabada, 2002; Ligações Perigosas, 2003). Isto so na sala principal, ja que a sala-estudio e o bar raramente apresentaram algum espectaculo digno de registo. Salvam-se de 9 anos à frente do Trindade as colaborações com o Festival de Almada e o FIMFA - Festival Internacional de Marionetas de Lisboa, bem como a recuperação de Ensaio sobre a cegueira, o espectaculo comemorativo do Bando, em 2005.

O Teatro da Trindade, cuja historia comprova a errância, sempre foi um caso à parte no teatro português, e o papel de Fragateiro, apesar das escolhas, foi o de recuperar o espaço para a cidade, atendendo à função primaria do espaço: responder a um publico que faz o INATEL, ou seja, um funcionalismo publico abjecto, que não segue correntes, se denonima mainstream e dificilmente discute a função do teatro (e isto não tem nada a ver com a inteligência das pessoas ou quer defender a imposição de u modelo sobre outro]. Isso não faz dele a pessoa mais indicada para prosseguir a reimplantação do Teatro Nacional D Maria II no contexto criativo nacional. E porquê? Porque o papel de um teatro nacional não é o de dialogar exclusivamente com a dramaturgia nacional, mas sim confronta-la com correntes estrangeiras, repensando-a e criando condições para que os textos escritos possam ser apresentados. Porque um teatro nacional não se faz so de autores nacionais nem de peças nacionais e muito menos de se especializar, como diz em declarações ao PUBLICO.

Basta que Fragateiro saiba um pouco da historia do TNDMII para saber que foi a especialização que perverteu a relação do teatro com o publico. Nem Amélia Rey-Colaço, em quase 50 anos de gestão da casa, alguma vez disse tamanho disparate. Porque a periferia do pais não permite uma visão concentracionaria, e por isso não se pode fazer uma so aposta. Sobretudo porque não ha material de qualidade para isso, como afirma. Sim, ha gente que escreve, mas a quantidade nem sempre é qualidade. Se a houvesse certamente que a dramaturgia nacional era menos secreta do que é.

Outras "vontades" de Carlos Fragateiro implicam a circulação de espectaculos pelos teatros nacionais. Formalmente essa é também a função de um teatro nacional. Mas ao falar da rede de cine-teatros sabera ele que os teatros não tem equipamento, meios tecnicos, recursos humanos, publico???? Ou ira Fragateiro fazer uma eterna parceria com Rui Sérgio, seu ex-braço direito, recentemente nomeado director do Teatro Aveirense, apostad e levar o teatro a grande publico? Não por causa do grande publico estar a impedir que no TNDMII se apresentassem outras peças que Filipe la Féria foi "expulso", em 1992, ainda o êxito de Passa por mim no Rossio... enchia salas? E ainda a questão das verbas, onde afirma, demagogicamente, que se gasta no Teatro S. João, no Porto, o que dava para fazer em três teatros. Que teatros, os do interior do pais? O da maquina administrativa do TNDMII? O do Teatro da Trindade, onde a sala-estudio não tem as mnimas condições técnicas? Vale tudo a qualquer preço, desde que as salas estejam cheias? é o teatro a fonte de riqueza onde Estado espera encontrar o equilibrio para as contas? Falamos de investimento, caro Carlos Fragateiro. E a longo prazo. Estas urgências todas compadecem-se com os mecanismos nos quais o teatro se desenvolve?

O papel de um teatro nacional é questionar permanentemente os criadores, o publico, o poder. é um papel fundamental, se se achar fundamental a existência de um teatro para o "teatro nacional". O teatro so é nacional porque existe uma tutela, não porque deva ser o representante do pais. Se assim for, que se regresse à antiga denominação do TNDMII: "o Normal", onde se seguia a norma. Muitos paises não têm um teatro nacional, e não é por isso que o teatro deixou de existir. Não se questiona coisa nenhuma se se fecharem as portas. O "orgulhosamente sos" trouxe-nos até esta vida comezinha e pouco atenta. é isso que a Ministra quer?

Ao mesmo tempo "que se bate" pela permanência da colecção Berardo em Portugal, abre as portas ao Museu Hermitage, na Russia e estabelece acordos com o Brasil, fecha o Teatro Nacional em Lisboa? Mal comparando, quer dar ao TNDMII o mesmo golpe que a Fundação Calouste Gulbenkian deu ao Ballet, numa altura em que o trabalho de Antonio Lagarto começava a dar frutos? Se assim é, porquê a vontade de apresentar novas programações (e o que vai acontecer com a programação ja apresentada? Assumem-se os compromissos?), porquê as discussões de orçamento, porquê deixar que se abram as portas, porquê esperar um ano? Para quando visões de longo prazo? A mesma estratégia de orientação em relação ao programa de governo, defendida com a exoneração de Frausto da Silva, no CCB, aplica-se nesta substituição? é Carlos Fragateiro o Mega Ferreira do TNDMII? Por favor, Sra. Ministra...

Com este golpe, Isabel Pires de Lima prova a sua inconsistência à frente do Ministério da Cultura. E prova ainda desconhecer o que é a realidade teatral de um pais como Portugal. Antonio Lagato pode não ser o melhor director para o TNDMII, mas é certamente alguém cujo percurso e escolhas se conseguem respeitar mais que as de Carlos Fragateiro. Mas a questão aqui, não é tanto de nomes mas de politicas, coisa que ja se percebeu não existir. Conversas de gabinete feitas em segredo tornam-se noticia meses depois, ultrapassando hierarquias e responsabilidades; estratégias são abandonadas sem justificações crediveis... o tempo passa e a cultura, em Portugal, é cada vez mais um saco de gatos onde ninguém mete a cabeça de fora.

No meio disto tudo, é imperioso que os criadores e artistas - não so os ja programados para o TNDMII -, e sobretudo os criticos, teatrologos e os opinion makers que assinam como tal, digam alguma coisa. Não se trata de um problema dos outros. Trata-se, uma vez mais, de um golpe palaciano, orquestrado por alguém inabil e manipulavel. Trata-se, enfim, de adiar a fundamentação de um discurso criativo comum. Se nada for feito, de que serve tanta vontade e urgência criativa?

16 comentários:

Anónimo disse...

Isto agora está bom para quem não experimenta, para quem não plagia, para os clássicos (o que quer que isso seja), para o teatro nacionalista burguês, para quem faz teatro infantil para adultos. Para todos aqueles críticos que acharam o ano teatral de 2005 fraco, auguro um ano de muito bom. E para acabar com uma citação de Fragateiro (q me foi dito pessoalmente): "Foram vocês os conceptuais, os modernos, que mataram o público do teatro".

Dinamene disse...

Assim é que gosto de te ouvir, i.e., ler. Haja alguém que diga, também aqui: o rei vai nu!

Anónimo disse...

amet:
ai jesus-maria-josé...!

André disse...

roda roda vira,
roda roda vem....

UniversitYliopisto disse...

"teatro infantil para adultos"! uau!

era de uma classificação assim que eu andava à procura. muito bem, andré, está aí tudo escrito... desde as pina bauschadas da treta de certos coreógrafos aos cabarets do inatel.

isto é que vai uma crise...

Anónimo disse...

1.Rogério, em breve excreverei um texto com o conceito e as suas especificidades (hihihihi)

2.Inês J, se calhar para ti está tudo bem. Óptimo, então e parabéns.
Conseguiste vencer.

3.Augusto M. Seabra, ajude-nos. Estamos à espera de mais uma das suas.(A única pessoa ainda com cérebro para o fazer.)

4.Tiago, estás a ver, é por estas e por outras que eu te digo que ser crítico/programador/teórico/criador/político (tudo ao mesmo tempo, claro está), não é nem deve ser problema nenhum. Os conceitos evoluem nesta mulatização da sociedade. E as pessoas tb.
amet

UniversitYliopisto disse...

"promiscuidade disciplinar", sim, sim!
em prol da evolução da espécie.
abaixo os 'purismos' desenxabidos...

we do really have to be nasty!!

Anónimo disse...

Não percebeste ou talvez não tenha sido clara: O "ai jesus-maria-jósé" era para o "Foram vocês os conceptuais, os modernos, que mataram o público do teatro".

;)

Anónimo disse...

Má interpretação. Peço desculpa.(Mas tb opiniões são opiniões, e não há que levar a peito o poder da dialéctica). Mas olha que as rezas de nada valem. As questões no Teatro são muito mais graves do que as questões na Dança. Shall we swing?
amet

Anónimo disse...

que aura iluminada que todos vocês têm! estou impressionada, onde é que aprenderam tantas coisas certas?

Anónimo disse...

eu quero dizer que vocês não se devem queixar do fragateiro porque eu conheço-o e ele é meu amigo fim

Anónimo disse...

quem é que não cresceu' OU CRESCEU DEMAIS????OU ESTÁ APENAS CONVENCIDO QUE CRESCEU! CAMBADA DE ILUMINADOS LIMITADOS - ENCANDEADOS PELO SEU PRÓPRIO BRILHO...PARABÉNS PELO POSTO. O GÉNIO DAQUELES QUE DEFENDEM PRIMOU SEMPRE PELA SIMPLICIDADE. o SIMPLES É AMIGO DO BELO. S´VALE A APENA SER-SE CONCEPTUAL QUANDO SE TEM A CERTEZA DE QUE NOS VÃO PELO MENOS VER...COISA QUE ATÉ AQUI SÓ FUNCIONOU PARA OS AMIGUINHOS...NÃO FOI. HÁ QUEM TENHA OUTROS AMIGOS MENOS CONCEPTUAIS ÓBVIOS E MAIS CONCEPTUAIS ...MAS VOCÊS NÃO PERCEBEM NÃO É?

Anónimo disse...

que é esta merda ...ontem havia aqui uma opinião igual á minha!!! apagaram-na??? não posso isso é popularucho meus!

Anónimo disse...

esqueci-me de dizer que a minha opinião é contra a vossa!

Anónimo disse...

esqueci-me de pôr o nome. afinal, agora a sério, estão a falar de quê?

Anónimo disse...

Juro que não acreditei quando ouvi dizer que o senhor Carlos Fragateiro seria o novo director do T N D Maria II...
Que mente brilhante terá iluminado o cérebro da Senhora Ministra da Cultura?...
Um oportunista apresentou um projecto e zás.... foi nomeado... E ainda se fala de competência neste país...
Num momento em que se procede á avaliação de tudo seria imprescindível avaliar o trabalho do senhor Carlos Fragateiro...