quinta-feira, dezembro 15, 2005

Ciclo de cinema em Serralves

Une voix dans le désert, de Chantal Akerman


Prossegue este fim de semana, em Serralves, a programação de cinema, gizada por Ricardo Matos Cabo, para o ciclo de performance, cinema e música Em Contra-Mão. O ciclo procura ser "uma reflexão sobre a linguagem e o exílio a partir da obra de cineastas que fizeram dos 'exílios da voz e da linguagem' um dos pontos de partida para pensar no cinema a diferença e a formação de um discurso sobre as políticas da identidade". Este fim de semana, os filmes apresentados abordam temas que vão do "exílio urbano e à questão da sub-representação", com propostas dos norte-americanos James Benning e Kent MacKenzie, da belga Chantal Akerman e do artista plástico argentino David Lamelas, que se centram "na comunidade imigrante mexicana e nas migrações dos nativos americanos na Califórnia".

Segundo as notas divulgadas pelo programador, El Valley Center [1999], de James Benning [Sábado 17 Dezembro, 18h30] é um filme "sobre o tempo e a paisagem agrícola e industrial do Central Valley, local de emprego para milhares de imigrantes mexicanos". O realizador, que "queria procurar e ouvir – conhecer o vale antes de começar a fazer imagens", acabou por dar a ver "35 planos de dois minutos e meio", fazendo da paisagem uma "função do tempo". Uma voz no deserto [2003], filme inédito de Chantal Akerman [Sábado, 17 Dezembro, 21h30] prossegue um trabalho iniciado pela autora em From the Other Side, criando uma obra meditativa e hipnótica. Diz João Nisa, que apresentará a sessão, na qualidade de investigador da ESAD que trabalha sobre os "actuais modos de cruzamento entre as artes plásticas e o cinema, procurando analisá-los a partir da sua relação com diferentes aspectos e momentos da história das formas cinematográficas", que Une voix dans le désert, "na sua aparente simplicidade, assume um carácter exemplar relativamente à forma como as instalações concebidas por Akerman se relacionam com a sua obra cinematográfica propriamente dita, prolongando alguns dos seus aspectos essenciais, ao mesmo tempo que abrem todo um conjunto de novas possibilidades".

No domingo, 18, o ciclo completa-se com o filme Desert People [1974], de David Lamelas [18h30] e The Exiles [1961] de Kent MacKenzie [21h30]. O filme do argentino tem como base dois projectos separados. Diz Lamelas: "um que manifestasse os aspectos de um documento e o outro da ficção. Quando montei os dois filmes, isso transformou-se numa história. Quis realizar um filme em que os protagonistas falassem para a câmara duma experiência que não tivessem vivido: a narrativa de uma estadia de uma semana na tribo dos Índios Papago; e outro filme em que víssemos os cinco personagens a fazer uma viagem de carro em direcção a qualquer parte. [...] Cada actor construiu a sua própria personagem a partir do que nos foi contado e da sua própria imaginação. Tornou-se num documentário sobre cada um dos actores. [...] A partir de uma informação básica, concreta, surge uma ficção possível, em função dos erros que intervêm na cadeia de transmissão. A informação, ao ser transmitida, deforma-se e torna-se num rumor".

Segundo o investigador e realizador Thom Andersen, em The Exiles [1961], o norte-americano Kent MacKenzie constrói um "documento doloroso de uma deslocação cultural e um registo notável de uma cidade que desapareceu". O filme foi rodado nos anos 50 quando o realizador ainda era estudante e ficou fascinado com a subcultura dos índios do Arizona que habitavam a zona residencial pobre na ponta Oeste da baixa de Los Angeles. "Filmado em 35mm, MacKenzie não foi capaz de gravar os diálogos no local, tendo pós-sincronizado o diálogo e as vozes meditativas dos personagens para contar a sua história de uma Sexta-feira à noite, do anoitecer ao amanhecer. É uma noite de solidão e desejos, traições mesquinhas e desapontamentos, pequenas irrupções de felicidade, que terminam com uma tentativa para reviver cerimónias e solidariedades num planalto com vista para a cidade".

Mais informações:
Rua D. João de Castro, 210
4150-417 Porto
Tel: 808 200 543


Ler uma entrevista com James Benning, Talking about seeing
Ler sobre a retrospectiva de Chantal Akerman no Centre Georges Pompidou
Ler análise a The Exiles
Ver obras de David Lamelas, uma análise ao seu trabalho e uma biografia/entrevista

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