quinta-feira, julho 07, 2005

Ocupar o coração - os encontros (I)

Poder-se poder

Encontro com Nick Dear
Teatro Municipal de Almada
06 Julho 2005
18h00

por Tiago Bartolomeu Costa

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Cartaz da peça na versão da Companhia de Teatro de Almada

Foi um bem-humorado, mordaz e quase cínico Nick Dear o que ontem se apresentou no Festival de Teatro de Almada para uma conversa com a crítica de teatro e ensaísta Maria Helena Serôdio acerca do texto Poder(o espectáculo repete amanhã às 16h00 no Teatro Municipal de Almada), do seu trabalho e do teatro inglês contemporâneo.

O autor assumiu o fascínio pela História e pelas grandes personagens, não no sentido de fazer peças históricas, mas antes como um modo de pensar o mundo. Na verdade, para Nick Dear importa dar ao teatro contínuas ferramentas para uma renovação, uma vez que (e ao contrário do que se possa pensar face à relação teatro-poder) o teatro continua vivo, há mais de 2500 anos. Porque nunca morreu então o teatro?

O dramaturgo acredita que se relaciona com o facto de existirem autores que continuam a falar do que os rodeia, com mais ou menos actualidade política. Mas sempre, e como lembrou Maria Helena Serôdio, conscientes da noção de Bertold Brecht, de que abordar a história é abordar a política. E isto inclui a ideia de que uma peça sobre política não tem necessariamente que ser uma peça política.

No caso de Poder, que a Companhia de Teatro de Almada estreou em Abril passado, as lutas entre Fouquet e Louis XIV são palco para um discurso sobre o magnetismo que o poder produz e o modo como, ao longo dos tempos, atraiu gente sem escrúpulos. Mas, curiosamente, e ao contrário do que foi referido pelos críticos ingleses, não quis ser uma metáfora para a relação entre o primeiro-ministro Tony Blair e a 2ª figura do Partido Trabalhista, Gordon Brown. "Nem tudo o que se escreve em Inglaterra é sobre Inglaterra", disse o autor. E é essa dimensão universal que lhe interessa explorar, e, sobretudo, o faz perceber se as adaptações internacionais (especialmente aquelas com as quais não tem um conhecimento da língua) são mais ou menos fiéis ao original.

Nick Dear considera que o facto de viver numa sociedade que se alterou pouco nos últimos 60 anos e que, tendo sido capaz de integrar (com mais ou menos facilidade) movimentos de extrema-esquerda ou direita, o faz ter um discurso sobre a política e o poder muito diferente de outros países como a Polónia ou Portugal (exemplos de países onde a sua peça foi apresentada), onde o argumento político é mais comprometido.

Esta sua abordagem ao mundo que o rodeia, e o modo como a concretiza, faz do autor uma figura consciente da necessidade de encontrar paralelos com a realidade contemporânea, não para lhe responder, mas antes para levantar questões. A Nick Dear importa dar margem ao espectador para a produção de outros discursos que preencham os espaços entre as personagens. É por isso que, como apontou Maria Helena Serôdio, se sente em Poder um conjunto de acções que constroem um universo referencial, mas não são a História. São metáforas para os temas que lhe importa tratar, onde para além da História, se incluiu a política e o sexo.

Isto implica a recusa de um método ou um programa, preferindo o autor concentrar-se em grandes figuras e narrativas complexas de modo a desenvolver um pensamento sobre a modernidade em que o público se possa rever, duas das características que a investigadora apontou no conjunto da obra do dramaturgo. Para além disso, salientou a habilidade generosa com que desenvolve subtilezas narrativas num texto que não é hermético, mas antes se posiciona de formas muito vastas. É o caso da linguagem, realista (como Oscar Wilde) ou a estrutura eficaz (que lembra «Ricardo II», de Shakespeare).

E essa noção do que possa ser uma economia dramatúrgica prende-se com um trabalho junto dos actores e do encenador, coisa que agrada a Nick Dear, sobretudo pelo modo como pode ir adequando a linguagem à personagem, conforme as dificuldades (nem todas psicológicas) do intérprete.

O autor referiu-se ainda ao modo como a tomada de consciência do processo de criação lhe permitiu abraçar ou recusar determinadas opções, mas terminou o encontro com uma nota de graça, na qual assumiu que a preguiça corre contra si, já que demora dois a três anos a escrever uma peça. Salva-lhe, por isso, o trabalho como argumentista de televisão e cinema, no qual, mais do que o risco (esse tem lugar no teatro), importa entreter. Mas Nick Dear parece não acreditar num entretenimento inocente.

O espectáculo PODER repete amanhã às 16h00 no Teatro Municipal de Almada

Ler aqui crítica ao espectáculo PODER, por Pedro Manuel

Toda a programação do 22º Festival de Almada pode ser consultada aqui.

Ver Dossier Ocupar o coração - O Melhor Anjo no 22º Festival de Almada aqui. (em construção)

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