Poética do quotidiano - especial comming out
O Farpas fala assim da sua poética do quotidiano.
Faz onze anos que saí do armário. Estávamos em 1994 e a realidade era um bocadinho diferente.
Não foi uma coisa a seco, repentina. Infelizmente não foi. Foi sofrida, pensada, repensada, com direito a peças teatrais longuíssimas na minha cabeça. Para mim era quase o fim do mundo, o quarto segredo de Fátima.
Antes da minha mãe só uma amiga sabia. Por força das circunstâncias e porque coloquei a amizade acima da cobardia. Mas isso são outras histórias.
A minha mãe foi oficialmente a primeira a saber, mas mesmo na história dos "outings" a minha mãe foi única. Quando lhe disse que precisava de lhe contar uma coisa mas que me faltava a coragem a resposta que se seguiu a um longo silêncio veio em forma de uma extraordinária pergunta: "Queres ir para o Tibete?". Assim. Sem mais nem menos. Eu próprio fiquei atordoado com semelhante proposta/sugestão. Eu sempre lhe disse que ela deveria ter sido
actriz. A imaginação é uma característica que tem muito vincada. Afinal para ela eu era um ser contemplativo. Sempre sossegado. No meu canto. Em busca de algo maior. E por isso não lhe fazia confusão nenhuma que eu quisesse ir atrás da minha própria espiritualidade. Pode-se pedir mais alguma coisa a uma mãe?
Claro que neguei. Disse-lhe que não. Que não eram razões espirituais que me levavam a ser como era. Eu era HOMOSSEXUAL e tinha chegado a altura de deitar isso cá para fora. Realmente queria ir para o Tibete. Mas o da minha cabeça. Atingir a paz. A serenidade que não tive durante grande período da minha vida. Sair do armário era como atingir uma espécie de nirvana. E durante esse ano quase cheguei lá.
Confortavelmente para mim a antena difusora da minha mãe evitou que eu tivesse de contar a mais alguém. A partir do momento em que as palavras saíram da minha boca sabia que já não havia volta atrás. Qual UNDO qual carapuça. O mal (?) estava feito. Mas as consequências não chegaram nem aos calcanhares do melodrama que eu antevira.
Onze anos depois continuo por aqui. As lutas agora são outras e a minha perspectiva mudou. Mas a minha mãe não. Permanece a mesma. Deliciosamente única.
os textos são da responsabilidade dos autores
A iniciativa Poética do quotidiano - especial comming out continua aberta a propostas. As regras de participação podem ser lidas aqui. Outras colaborações:
Fishkid
Chandra
Jorge
O Farpas fala assim da sua poética do quotidiano.
Faz onze anos que saí do armário. Estávamos em 1994 e a realidade era um bocadinho diferente.
Não foi uma coisa a seco, repentina. Infelizmente não foi. Foi sofrida, pensada, repensada, com direito a peças teatrais longuíssimas na minha cabeça. Para mim era quase o fim do mundo, o quarto segredo de Fátima.
Antes da minha mãe só uma amiga sabia. Por força das circunstâncias e porque coloquei a amizade acima da cobardia. Mas isso são outras histórias.
A minha mãe foi oficialmente a primeira a saber, mas mesmo na história dos "outings" a minha mãe foi única. Quando lhe disse que precisava de lhe contar uma coisa mas que me faltava a coragem a resposta que se seguiu a um longo silêncio veio em forma de uma extraordinária pergunta: "Queres ir para o Tibete?". Assim. Sem mais nem menos. Eu próprio fiquei atordoado com semelhante proposta/sugestão. Eu sempre lhe disse que ela deveria ter sido
actriz. A imaginação é uma característica que tem muito vincada. Afinal para ela eu era um ser contemplativo. Sempre sossegado. No meu canto. Em busca de algo maior. E por isso não lhe fazia confusão nenhuma que eu quisesse ir atrás da minha própria espiritualidade. Pode-se pedir mais alguma coisa a uma mãe?
Claro que neguei. Disse-lhe que não. Que não eram razões espirituais que me levavam a ser como era. Eu era HOMOSSEXUAL e tinha chegado a altura de deitar isso cá para fora. Realmente queria ir para o Tibete. Mas o da minha cabeça. Atingir a paz. A serenidade que não tive durante grande período da minha vida. Sair do armário era como atingir uma espécie de nirvana. E durante esse ano quase cheguei lá.
Confortavelmente para mim a antena difusora da minha mãe evitou que eu tivesse de contar a mais alguém. A partir do momento em que as palavras saíram da minha boca sabia que já não havia volta atrás. Qual UNDO qual carapuça. O mal (?) estava feito. Mas as consequências não chegaram nem aos calcanhares do melodrama que eu antevira.
Onze anos depois continuo por aqui. As lutas agora são outras e a minha perspectiva mudou. Mas a minha mãe não. Permanece a mesma. Deliciosamente única.
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