quarta-feira, outubro 29, 2003

Água de sombra II


A obra de Natércia Freire é plena de referências ás ligações profundas com a terra, não só ao local onde nasceu, mas, também, ao país e à presença desse mesmo sentido no mundo, seja, ou não, no plano literário. “Compete ao poeta fazer nos seus poemas a melhor aplicação da linguagem da sua pátria.”. (Diário de Notícias, 16 Fevereiro 1956)


Um alto sentido da sua presença e do seu papel nas letras, no país e no mundo, fizeram com que se tornasse uma referência para inúmeros nomes dos mais diversos quadrantes literários, políticos e sociais. Mas essa busca teve custos. Ao mesmo tempo que procurava ser coerente consigo mesma e com o seu trabalho, a poetisa viu-se alvo de acusações, decorrentes da febre revolucionária pós 25 de Abril. Estarão, ainda, por julgar os inúmeros erros que foram cometidos na altura, mas esse não é um tema que tenha interessado a Natércia Freire. Afastada das várias funções que detinha, isolou-se e remeteu-se para um caminho mais intenso nos temas que a faziam criar, algo confundidos, nas palavras de Jorge de Sena, no “frio amargo de uma sensualidade embebida de idealismos típicos de certa condição da mulher” (Líricas Portuguesas,1984)


De uma relação epistolar com a terra ao papel de guia não premeditado de novos e consagrados autores e de uma caminhada solitária e silenciosa em busca de um sentido de vida, de libertação e procura constante, Natércia Freire existe para lá dos poemas, dos contos, das crónicas, ... É nas suas palavras que se encontra a força de quem sempre quis ser pouco mais que ela própria. Ou, por outro lado, procurar ser o que está para depois de nós. ”Não ser eu é que está bem/ Não ser eu, nem ser ninguém” (Poemas, 1957)

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