segunda-feira, janeiro 17, 2005

sábado

"Quem ama sente-se atraído, não apenas pelos "defeitos" da amada, não só pelos tiques e pelas fraquezas de uma mulher; as rugas no rosto, as manchas hepáticas, os vestidos usados e um andar torto prendem-no a ela de forma muito mais duradoura e inexorável que toda a beleza. Há muito tempo que se sabe isso. E porquê? se é verdadeira a teoria que diz que a sensação não se aloja na cabeça, que sentimos uma janela, uma nuvem, uma árvore, não no cérebro, mas antes no lugar onde as vemos, então também ao olhar para a amada estamos fora de nós. Com a diferença de que, neste caso, estamos dolorosamente tensos e arrebatados. A sensação esvoaça como um bando de pássaros, ofuscada pelo esplendor da mulher. E, do mesmo modo que os pássaros procuram abrigo nos esconderijos da folhagem da árvore, assim também as sensações se refugiam na sombra das rugas, nos gestos sem graça em insignificantes máculas do corpo amado, a cujos esconderijos se acolhem em segurança. E ninguém que passe se apercebe que é aqui, nos defeitos e nas falhas, que se aninha a emoção amorosa fulminante do adorador."

Walter Benjamin, Rua de Sentido Único, in Imagens do Pensamento, Obras Escolhidas de Walter Benjamin, org., ed., trad. e notas de João Barrento, Assírio & Alvim, Lisboa, 2005

1 comentário:

Hipatia disse...

Que texto fabuloso!