quarta-feira, dezembro 01, 2004

O que um véu pode esconder

Análise ao espectáculo Noivas da Pérsia
Teatro Baubo
6ª Mostra de teatro jovem de Lisboa
Teatro Taborda
29 Novembro 2004



Para o espectáculo Noivas da Pérsia, o recentemente criado Teatro Baubo propõe uma viagem ao interior da complexa realidade feminina na Pérsia do início do século XX. Oferece ao espectador a oportunidade de contactar com uma realidade distante e a possibilidade de criação de paralelos com outras realidades mais próximas.

Contudo, depressa esta espécie de histórias à volta da fogueira denuncia as suas fragilidades, sobretudo porque o corpo e a voz das actrizes assumem posições que tanto podem reportar a essa Pérsia distante como a qualquer aldeia do interior de Portugal. O feitiço vira-se contra o feiticeiro. E no que poderia ser um interessante retrato da universalidade de comportamentos temos, afinal, uma demonstração um tanto desintegrada da realidade persa.

Num registo (que se torna cansativo, porque desconexo) que reporta à commedia del' arte, as actrizes de Noivas da Pérsia procuram cativar o público através de uma demonstração de várias situações com que a mulher persa se vê confrontada. Utiliza, assim, um dispostivo simples de narração e demonstração, alicerçado numa relação teatro e dança. As histórias de Nazie e Flora servem de introdução a um universo aparentemente distante do público português e daí a justificada vontade de o preencher com ritos, ambientes e imagens da Pérsia do início do século XX.

Sente-se o peso da responsabilidade em não falharem os movimentos, o que prejudica, de modo irremediável, a interpretação. Deixamos de ter um espectáculo de artes integradas para passarmos a sentir um esforço de encaixe de uma história num desejo de mostrar a cultura. O maior defeito prende-se com essa necessidade de mostrar que estão seguros no que afirmam. O facto de utilizarem termos e expressões (até mesmo adereços) de difícil compreensão simbólica para um público desconhecedor, leva o espectáculo a apresentar o seu significado, seja ele integrado nas deixas ou em movimentos demasiado afirmativos.

O aparente virtuosismo das actrizes perde-se assim na incapacidade de provarem o gozo que lhes deu fazer o projecto. Há uma consciência que trabalha contra elas o que provoca um anacronismo entre a intenção e o resultado. Noivas da Pérsia é, infelizmente, uma proposta ilustrativa e caricaturizada de uma realidade bem mais perversa. Realidade essa que, certamente, esteve na génese da urgência criativa.

Noivas da Pérsia tem a jogar a seu favor o ambiente ingénuo que desenvolve, apostando num espectáculo leve, descontraído e de entrega da parte de quem o faz. Na proposta do Teatro Baubo sente-se uma urgência criativa que acaba por se atropelar na ingenuidade de quem quer mostrar que soube fazer uma pesquisa aprofundada. Não está em causa a recolha de informação, mas o que se faz com ela. E Noivas da Pérsia ressente-se de uma falta de esforço em ser certeiro no que se quer dizer. Sendo uma proposta interessante de teatro-antropológico, depressa se perde entre a vontade de demonstrar e a necessidade de explicar porquê.

Ainda que a ocupação do espaço permita ao espectador imaginar um ambiente de "mil e uma noites" (para o qual contribui o pedido tímido de envolvimento do público na festa de casamento de Flora, através da oferta de chá e fruta), Noivas da Pérsia é um espectáculo algo fragmentado e incapaz de reivindicar uma posição. Posição essa que num espectáculo antropológico (e político, também) deve sempre ser assumido. Deixamos de saber, afinal, qual a relação que os criadores estabeleceram com o universo que investigaram. Fica-nos, assim, a sensação de um espectáculo fechado para quem o faz e cuja única ligação que estabelece com o espectador tem a ver com o exotismo da proposta. Mas isso não é da responsabilidade do Teatro Baubo, mas antes do tema.

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