Programar, dizem eles
Quando, no fim de semana de 7 e 8 de Dezembro o Secretário de Estado da Cultura, Mário Vieira de Carvalho, falava no Porto, durante a iniciativa Portogofone organizada pelo Teatro Nacional S. João, sobre um Portugal evoluído em termos de oferta cultural, fez referência, para europeu ver, ao esforço de várias estruturas fora dos grandes centros na apresentação de programações e projectos que aproximavam as populações da criação contemporânea. O SEC foi mais longe, naturalmente, chamando ao governo – mas deveria ter sido ainda mais justo se dissesse “aos governos” – as iniciativas de descentralização que se efectivam na disponibilização de espaços culturais, como os cine-teatros municipais em cada capital de distrito. Meios logísticos aos quais só faltava o desejo humano, disse o SEC. Num plano formal tudo isto é correcto, não fosse um ligeiro raspar da superfície para se verificar que esse desejo humano esbarra nas dificuldades orçamentais a que se sujeitam esses mesmos cine-teatros. Veja-se o caso da Guarda, onde Américo Rodrigues, notável agitador que transbordou o raio de acção para lá da fronteira espanhola, lamentava há um par de meses – não sem continuar a procurar alternativas independentes – que o belo teatro de que o SEC tanto se orgulhava, nem meios tinha para trabalhar. Como o Teatro Municipal da Guarda há outros, abandonados à sorte dos departamentos culturais das câmaras municipais, a braços com “monstros orçamentais” que não sabem gerir. Por isso, num ano de elevada média artística, são as programações, e os seus responsáveis, escolhas do ano. Casos como este, na Guarda, ao qual se junta, na mesma cidade, a equipa de Rui Sena que programa o Festival Y, mas também a ArtemRede, na zona de Lisboa e Vale do Tejo, José Alberto Ferreira que com o Escritas na Paisagem ocupa vários concelhos do Alto Alentejo e Beira Baixa, ou o projecto Comédias do Minho, dirigido por Isabel Alves Costa e Miguel Honrado, e em colaboração com cinco municípios do Alto Minho, são casos efectivos de uma persistência programática exigente que não cede à facilidade discursiva, nem à retórica dos números de espectadores. Ou competitividade, como lhe chama o SEC. Mais: o Circular, em Vila do Conde, o Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, o Theatro-Circo de Braga, a programação que Rui Horta faz para o Garcia de Resende, em Évora, a plataforma internacional da Companhia de Dança de Almada, o Ao Sul, no Algarve, e a programação paralela às exposições que, no Porto, o Auditório de Serralves faz, assinada por Cristina Grande e Pedro Rocha – e que este ano construíram um extraordinário ciclo Anos 80 –, mostram como se pode fazer uma programação transversal, com propostas nacionais e outras, deste ou de outros anos, sem caírem em conceitos retóricos como hibridismo e novidade. Se a proporcionalidade de espectadores não faz jus à qualidade de algumas das propostas, faz acreditar, não pelas razões apontadas pelo SEC, que há apostas que se ganham na coerência e no risco em se querer oferecer um alargar de conhecimentos e questionamentos disciplinares e artísticos. Ao mesmo tempo que normalizam um país cada vez assimétrico.
Na foto: Curso de Silêncio, de Vera Mantero e Miguel Gonçalves Mendes, filme-instalação co-produzido pelo Circular e Temps d'ImagesAmanhã: The 80's are back!
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