sexta-feira, setembro 07, 2007

E agora, 4 anos depois, o quê?

«E agora segue-se o quê?!», é pergunta recorrente, com mais ou menos interesse, com mais ou menos sentido especulativo. «E agora não sei, logo se vê, estou tão surpreendido quanto tu», é normalmente a resposta que dou. E, no entanto, ela não deixou de ser feita de cada vez que dava um passo em frente. Primeiro quando comecei a escrever no Público, depois quando o blog deixou de falar de outra coisa que não fossem artes performativas e crítica, depois quando passei a publicar na Mouvement, a seguir quando começaram a ser frequentes as idas a encontros internacionais, as participações de convidados com textos, os dossiers especiais, as polémicas públicas e, claro, quando a OBSCENA apareceu o interesse em saber se representava o fim do blog. «Pois, não sei, logo se vê, estou tão surpreendido quanto tu», continuo a dizer.

Este blog faz amanhã quatro anos mas é hoje que os celebra, com uma conferência-conversa especial pela crítica búlgara Kalina Stefanova, às 18h00, na Culturgest. O modo como ela tem vindo a expressar-se nos vários círculos em que se move, muitas vezes correndo o risco de ir contra o pensamento estabelecido provando assim das diferenças de perspectiva – que não deveriam ser antagónicas mas apenas complementares – de quem faz da crítica a sua profissão, é razão mais do que suficiente para concentrar nesta sua generosa participação o programa de celebração deste espaço virtual, que só existe porque existe quem o lê.

Há um ano atrás o programa das festas era maior, mas há um ano atrás as coisas eram bastante diferentes. O blog tinha passado por um ano de intensa exposição devido às permanentes crises entre cultura e política e, sobretudo, não havia a OBSCENA que, sim, afectou bastante a regularidade de postagem neste blog. Um ano depois as coisas mudaram, os ritmos mudaram, as responsabilidades aumentaram e, de certa forma, houve mais margem de fôlego para se ser menos presente no blog. De certa forma, e de uma forma não ausente de presunção, o trabalho feito anteriormente permitia-se já a um abrandamento.

Ao longo deste quatro anos fui tentando fazer d’O Melhor Anjo um espaço de reflexão sobre modelos de aproximação aos espectáculos, aos discursos artísticos, à recepção desses mesmos objectos. Já muitas vezes me perguntaram porque nunca apaguei os primeiros 20 meses de blog quando era menos presente essa vertente. Mas respondi sempre que achava importante que os leitores soubessem de que modo foi evoluindo o meu discurso. È um risco, mas um risco calculado. Não acredito que se possa conceber um crítico-instantâneo, ou melhor, conceber que um discurso não se deve sujeitar às evoluções de quem o produz. E, por isso, sentindo eu que muitos textos prévios a Outubro de 2005 mereciam ser revistos, e muitos deles simplesmente apagados, sei também que é nessa margem de erro que quero continuar a trabalhar. Na experimentação de uma intervenção pública, assinada, militante, condicente com as várias facetas de quem assina os textos. Uma crítica sensitiva se quiserem.

Razão pela qual é da mais elementar justiça referir que este processo, este caminho, só se fez porque existiram nomes que ao longo do tempo se foram aproximando de mim e do meu trabalho, e eu deles, naturalmente. Nomes sem os quais não haveria blog, nem revista, nem conferências, nem vontade de continuar, porque, sim, escrever é um acto de solidão, de profunda solidão, mas que só faz sentido, por mais paradoxal que soe, se acontecer acompanhado. Se não fosse a cumplicidade e seriedade de comprometimento e colaboração dos meus dois mais próximos amigos e colegas Mónica Guerreiro e Miguel-Pedro Quadrio, com quem tem sido um prazer incalculável aprender e trabalhar, mas também pessoas como o Augusto M. Seabra, o João Carneiro e a Maria José Fazenda que nunca se escusam a ajudar-me a pensar, a reflectir, a apontar direcções, a discutir o modo como se pode ter um discurso público, nada disto seria possível. Todos eles, e um grupo imenso de outros nomes, desde criadores a programadores, de críticos – mesmo, e sobretudo aqueles com quem são públicas as divergências – a amigos que nada têm que ver com as artes performativas, do público-leitor ao público-desconfiado (e eu sou o primeiro deles) tomam parte deste longo processo de evolução a que gosto de dar o nome de pensar em público. É com eles que vou improvisando, testando, ensaiando respostas a perguntas que nem sequer foram formuladas, discutindo, discordando, rebatendo e amuando, celebrando e fazendo de cada acto mais um passo para esse desejo de ser constantemente surpreendido.

A imagem que ilustra este texto foi feita pela artista visual Ramona Poenaru que, no âmbito da residência artística em que participei nas últimas três semanas no PAF, em França (e cujos resultados poderão ser lidos neste blog, e na revista Mouvement, na próxima quarta-feira). A autora pediu a cada um dos participantes que se descrevesse tendo em conta o modo como se via e como achava que era visto, enquadrando depois a imagem num fundo religioso. A imagem, da qual esta é apenas um ensaio técnico (as provas finais serão publicas no próximo ano em livro autónomo), faz parte de um ciclo de 30 retratos, um por cada nome presente nessa residência. No papel que me envolve está escrito, a vermelho-sangue naturalmente, o meu manifesto, já aqui apresentado. A fotografia quer representar uma ideia de aproximação e cumplicidade tácita entre quem escreve e quem lê, no mesmo sentido que o crítico francês Gérard Mayen defendia no ensaio Relações auto-críticas, publicado no nº 2 da OBSCENA.

É assim, não sabendo exactamente o que se segue, desejando ser constantemente surpreendido, e esperando que nesse caminho continuem a existir aqueles com quem fizer sentido partilhar, que espero entrar no 5º ano de blog. Sem saber o que se segue…

Obrigado.


Fotografia: "Meeting portraits", Sweet & tender collaborations, PAF, 08-09/2007 (work in progress), de Ramona Poenaru, direitos reservados/proibida a reprodução

5 comentários:

Maria disse...

Os parabéns por tanto empenho e dedicação ao longo dos quatro anos de blog. *

M de M disse...

hoje sim...é dia de festa! Parabéns por TUDO o que é e foi e será este blog.

:)

ps: não chorei...eheheheh devo estar a ficar "frígida" aahhahahahahahah

Luis Eme disse...

Parabéns!

Viva o Teatro!

Lcego disse...

Muitos parabéns...numa altura em que não vemos em jornais o exercício da critíca assídua, como a que se lia à cerca de oito anos atrás, os blogs começaram a ser o único meio /veículo de pensamento livre, e livre é também a o tempo entre pensamentos. A naturalidade com que aparecem, decorrentes ou não de emocionalidade, sugerem, uma maior sinceridade, profissionalismo de quem ama, gerando, alheias ás afinidades de pensamento, cumplicidades ... e ainda bem...

indigente andrajoso disse...

parabens ao anjo e a sí...

este ano não houve festa... :(