II parte
A terceira semana de United Kingdom é iniciada por uma série de Workshops focados no universo do Sado-Masoquismo (SM) e Bondage – utilização de acessórios (cordas, chicotes, velas…), arte da submissão, arte da dominação, consciência da dor… –. O “Inner Circle” é preparado pelos membros da “Corte”, extinguindo e/ou atenuando fronteiras performáticas e até pessoais. São também abordadas as origens das práticas SM/Bondage, apoiadas em dados científicos, antropológicos e religiosos. O ritual é a estrutura da prática, é nele que são apoiadas todas as teorias, e aqui, mais especificamente, a do ritual do sacrifício, onde a dor individual gera energia positiva do próprio, do grupo e dos campos energéticos. Ou seja, a dor (física) é vista como um elemento de transformação de energias, o qual (segundo teorias cientificas) tem uma reacção física idêntica à do prazer – espasmos, tremores, aumento de feromonas e adrenalina no corpo…
O “Inner Circle” é um elemento em constante mudança, há elementos que abandonam o processo a meio, outros que chegam e ficam dois dias, outros uma semana, outros deixam-se ficar … exigindo uma organização bastante detalhada dos trabalhos e tarefas a serem feitas e uma reestruturação a cada saída e entrada.
Quanto às performances, ou como são chamadas, as “sessões públicas” - nas quais participa maioritariamente um público de teatro e dança contemporânea, bastante diversos nas faixas etárias, sexo e estatuto social -, existem quase como performances dentro da performance, uma vez que entram numa relação quase reprodutiva das sessões SM/Bondage, que por si já são performances que obedecem a rituais e estruturas presentes em U.K.. A grande diferença está no olhar externo exercido por um público, que muito embora seja levado a interagir e participar nas práticas, acaba sempre por se distinguir dos elementos internos. Salvo pessoas com um background de SM/Bondage (mas estas em número reduzido).
Muito embora a predisposição possa vir a ser a conotação sexual e perversa, facilmente aplicada a U.K. e ao trabalho de Felix Ruckert, o “jogo” permite (não exige) o desafiar das fronteiras performáticas utilizando a dor como elemento de composição, não através da representação da dor, mas na utilização real desta com fins performáticos. As personagens existem nos figurinos, na hierarquia estabelecida e nas posições de poder entre um elemento e outro, mas extingue-se na prática SM/Bondage, dando lugar a um estado de quase transe do performer/público bastante questionável, uma vez que estamos perante níveis psicológicos derivados de reacções físicas e vice-versa.
Paulo Guerreiro
Ler Diário United Kingdom I. Ver o site do projecto. Ver o site do coreógrafo alemão Felix Ruckert. Ver o blog do performer Paulo Guerreiro. na foto: cerimónia de adoração dos pés, com a qual se inícia cada sessão pública.
1 comentário:
Tiago, obrigada pela correcção. Já identifiquei a autoria do texto.
Um abraço
IF
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