quarta-feira, junho 14, 2006

À volta do Alkantara (III): Dido e Eneias - primeira aproximação

processo

[Dido e Eneias - primeira aproximação]
a partir de uma ideia original de Tiago Guedes
com Tiago Guedes e Maria Duarte
Atelier Re.Al » 14 a 17 Junho, 15h


Esta é a ideia: abordar coreograficamente a ópera Dido & Eneias, de Henry Purcell. Mas é possível que no final a ópera nem exista (ou nem se ouça). Para já são só ideias para um projecto com data de execução ainda longínqua. Ideias que podem originar outras ideias e que o mais certo é acabarem substituídas por essas novas ideias.

São várias as versões coreográficas desta ópera: Mark Morris, Sasha Waltz, Wayne McGregor, e até uma versão que cruzava a música barroca com danças tradicionais indianas (coreografia de Piali Ray para a companhia inglesa Sampad), são exemplos de abordagens pessoais ao universo trágico criado por Purcell. E depois há todas as outras óperas feitas por todos os outros coreógrafos: de O Castelo do Barba-Azul de Pina Bausch, a Hanjo de Anne Teresa de Keersmaeker ou Perséfona de Olga Roriz. Por isso é que existe um processo. De descoberta, de reconhecimento, de pesquisa, de procura, de escolha, de recusa. Um processo de criação. Para ter ideias.

O desafio lançado pelo coreógrafo Tiago Guedes à actriz Maria Duarte serviu para debater de pontos de vista e opiniões sobre o modo como se entra num objecto já tão definido (tão definitivo). O encontro deu-se em Abril, em Armentiéres (França), durante o festival Vivat la Danse 06, organizado pelo teatro Le Vivat onde Tiago Guedes é artista residente até 2008. Durante semana e meia discutiram no intervalo dos outros espectáculos. Depois sentaram-se à mesa para ver onde tinham chegado.

Estamos no domínio da forma em detrimento do conteúdo. Esse existe já: a ópera. É esse o ponto de partida. Busca-se um meio de evitar a ilustração, de dominar a partitura, de tornar independentes (sem tornar ausente) os elementos que compõem o objecto cénico.

É sobretudo um jogo que não se quer enredar em teorizações nem sente a necessidade de dar resposta imediata às questões que se levantam: o que deve prevalecer: o olhar coreográfico ou a dimensão corpórea da partitura?; pode o corpo partir de uma musicalidade interior para chegar ao movimento proposto pela música?; as condicionantes (desenho de espaço, organização sequencial, estruturas narrativas, as coreografias enunciadas no libreto) jogam a favor de quem?

Há a importância do espaço vazio, a metamorfose e o trabalho sobre o cânone. A música como ponto de partida para o entendimento coreográfico. O dispositivo formal da apresentação (uma mesa, dois intérpretes, o mínimo de efeitos) equilibra o despojamento que se reconhece nos trabalhos do colectivo Projecto Teatral (do qual Maria Duarte faz parte) e a busca de uma forma coreográfica que obceca Tiago Guedes.

Mas as bruxas e os marinheiros ainda são os dedos, o arqueiro é feito de elásticos, o barco é uma caneta, o isqueiro não sabe porque entrou ali, o movimento desenha-se invisivelmente no espaço entre os dois corpos que só escutam a música, há linhas no papel que não querem dizer nada. Se quisermos, é um jogo infantil. Um faz de conta multiplicado (e legitimado) pelo desejo de criar.

Para já é um ponto de partida. Depois se verá se quem ganha.


[texto escrito em Abril 06 com o apoio do Fundo Roberto Cimetta e do teatro Le Vivat]

Sem comentários: