terça-feira, junho 20, 2006

Balanços do Alkantara (II): dança

Brasil

Foram vários os Brasis apresentados no Alkantara sem que, no entanto, deles se pudesse extrair uma identidade brasileira. As propostas variaram no estilo, na forma e no conteúdo, dando a ver uma pluralidade coreográfica que, se não é uma metáfora para o país, é certamente prova de um esbatimento de fronteiras na criação contemporânea. Houve lugar para o discurso político na relação com o perpetuar do estereótipo em Samba do Crioulo Doido, de Luiz de Abreu; para a intimidade ficcionada de Dani Lima em Estratégia nº1:entre; para o retrato social e cultural que Jérôme Bel resgatou de/em Isabel Torres, forçando a uma fundamentação a universalidade do movimento; para a tranxformação do espaço público em espaço cénico e da expectativa em conquista, nas performances Caixa Negra/Caja Branca, de Cláudia Muller (com Cristina Blanco) e Aqui enquanto caminhamos, de Gustavo Ciríaco (com Andrea Sonnberger), mesmo que nestas, o Brasil esteja só a 50%; mas, sobretudo, para a explosão da dança e da inscrição em novos territórios transfronteiriços, cultural, social e artisticamente em H2 2005, de Bruno Beltrão. O hip-hop transformado em dança contemporânea (ou talvez nem isso, mas sempre fugindo à hibridez) a partir de uma deslocação territorial da disciplina, do género musical e das convenções associadas a estas noções. O imenso, provocador e inquietante beijo que os dez rapazes dão à boca de cena de um CCB a rir nervosamente retirou o tapete a toda e qualquer previsão coreográfica, transformando H2 2005 num magnífico libelo pela liberdade de expressão. A partir daquele momento já não estávamos no domiínio do movimento virtuoso, da demonstração fútil ou da vontade de transformação de um discurso pela aformação do seu contrário. Era a dança, e o seu efeito, como garante de um espaço próprio. A dança que veio do Brasil marca assim este Alkantara pelo modo como transformou o movimento numa mais do que relevante plataforma de comunicação directa e sem retórica.

Coreógrafas portuguesas

Quando ainda se chamava Danças na Cidade, o Alkantara ficou associado ao aparecimento de nomes que marcaram a dança nacional que se veio a fazer nos últimos quinze anos. Reconhecido enquanto importante espaço de divulgação de novos nomes na dança, a aposta este ano centrou-se, inadvertidamente, na dança feita no feminino, com cinco jovens coreógrafas a apresentarem novos trabalhos: Inês Jacques (Renée Adorée), Tânia Carvalho (Orquéstica), Vitalina Sousa (Song Unsung), Sónia Baptista (Subwoofer) e Cláudia Dias (reposição de Visita Guiada). São trabalhos bastantes diferentes que obrigam a reflexão mais aprofundada (a desenvolver em artigo para o site http://www.idanca.net/), mas sobre os quais importa registar o modo como trabalharam acerca do movimento. Desde logo em Renée Adorée onde a exploração de um conceito de projecção que transforma a acção em onírico só peca por não arriscar mais na conceptualização desse mesmo movimento. Em Orquéstica, onde a busca de uma individualidade transforma o corpo num território que quer ser de abstracção mas que cede à formatação e uniformidade, sem que se aprofundem as linhas iniciais. Em Song Unsung, o movimento tenta uma hipótese de fixação de uma memória ancestral mas falha na intenção precisamente porque parece esquecer-se que a legitimação não se garante no mimetismo, mas na apropriação individual e posterior reformulação. Em Subwoofer nem é o movimento que importa, mas o que dele existe numa narrativa que alterna espaço físico (a cena) e espaço virtual (o sonho, o vídeo), sem que alguma vez se consiga estabelecer qualquer ponto comum. Ficam assim imagens, sons e intenções suspensas por fios bem-humorados mas por demais efémeros. Em Visita Guiada é o corpo ao serviço de uma biografia que idealizando um espaço, se torna o espaço presente. No entanto, de todos os espectáculos é em Visita Guiada (o mais privado) que se sente uma verdadeira implicação com a utilização do movimento para criar um terceiro objecto (à falta de melhor termo) partilhável. O lado político (e a sua inscrição) num território ficcionado permite reconhecer uma linha que atravessa fronteiras. Já não estamos no domínio do movimento consciente e fundamentado, mas num feito de relação directa com o eu, onde a exposição serve uma construção e onde o espectáculo existe porque assenta num princípio de honestidade.

Vera Mantero

Num programa que combinava uma ideia de transgressão com a apresentação das linhas traçadas pela nova geração de coreógrafas nacionais, a performance Um Mergulho, de Vera Mantero no S. Luiz, um dia antes do fim do festival, impôs novos territórios para a intervenção performática, revolvendo o papel que a geração que fez a Nova Dança Portuguesa (dessa geração, para além de Mantero, só João Fiadeiro estava na programação) tem na definição de uma identidade para o lugar da dança no contexto nacional. Num dos muitos pedaços de folhas colados por todo o teatro (era ainda um teatro o S. Luiz? Ou, por ser (n)um teatro, tudo se tornava ainda mais relevante?), perguntava-se: O que pode a arte? Para Vera Mantero a arte faz-se de um questionamento desassombrado, expondo os processos e os seus intervenientes. Teóricos ultrapassavam o peso das suas afirmações num desconcertante concerto vocal enterrado no sub-palco do teatro, ou ainda Augusto M. Seabra, que recebia os espectadores para uma breve discussão em torno da banalização da arte na era do Big Brother. Os cãezinhos pavlovianos que o crítico temia não estiveram no S. Luiz, mas houve espaço para corpos nús que “insultavam” o palco com maçãs arremessadas da teia, o imenso lustre estava à altura da cabeça, havia quem saltasse em cima das cadeiras, ossos coziam na casa de banho, muita música e permanentes blackouts. O corpo de Vera Mantero, brilhante maestrina deste concerto apocalíptico (Adão e Eva também lá estavam), respondeu na perfeição à ideia de criação urgente e actual, tal como pedia uma das muitas citações espalhadas pelo espaço (algumas delas, deliciosamente a cobrirem as placas comemorativas que recheiam o teatro): a decomposição e a desfiguração do corpo necessárias para que as forças que o atravessam inventem novas conexões e liberem novas potências.

5 comentários:

Anónimo disse...

Vocês estais viciados em tentar encontrar identidades. Identidades brasileiras, identidades portuguesas, para quê?

O que mais me ficou deste festival, para além das questões prementes da Julie Nioche e da Vera e convidados, foi o contraste da Karima Mansour a reenvindicar poder ser "whatever" (em vez de uma mulher oriental, etc) em relação ao Jerôme Bel que pagou o salário de dois bailarinos para exprimirem a sua identidade exótica de fazedores de dança (que cultura estranha essa do ballet e essa outra da dança na Tailândia!). Jerôme, dou-te liberdade de seres whatever, porque é que vens expor os whatever dos outros, o que é que tens a dizer sobre eles? Porque é que não trouxeste o rancho folclórico da terra dos teus pais, não era giro o suficiente, não é? A verdadeira desilusão, este ano Jerôme desceu, para mim, à consideração que tenho pelos produtos de supermercado.

Anónimo disse...

O espectaculo da Ines Jacques é mediocre, a "intervenção" da Vera Mantero é ridicula e o espectáculo da Tania Carvalho parece que foi feito por uma coreógrafa de 50 anos em crise de ideias... "Subwoofer" resiste como um espectáculo vivo e cheio de relações (escondidas, é certo) entre video e cena, ao mesmo tempo ludico e complexo, o que prova que Sónia Batista merece a projecção internacional que tem. "Song unsung" come-se. "Visita Guiada" não vi. No geral, fica a sensação de um desapontamento muito grande em relação à dança contemporanea portugesa.

João

Anónimo disse...

Sou um espectador regular, sem nenhuma ligação ao meio e tento acompanhar minimamente a criação nacional, em todas as áreas artísticas. O festival Alkantara não foi excepção.
não vi os espectáculos todos, mas vi, dos nacionais, Subwoofer e Song Unsung e não posso estar mais em desacordo com o que neste blog se começa a escrever. Subwoofer não tem nada de efémero, pelo contrário, as muitas ideias que atravessam a peça estão bem fixas ( nos textos, nos vídeos, nas músicas ) e ficaram durante muito tempo a "rolar" na minha memória. Quanto a Song Unsong, para mim é exactamente o contrário de que o Tiago Costa escreve. Fico à espera do artigo completo.

Luís Miranda

Anónimo disse...

Tinha falado no outro dia em "viciado em identidades", hoje dei com este artigo da Suely Rolnik:


In “Toxicômanos de identidade. Subjetividade em tempo de globalização”, in Cultura e subjetividade. Saberes Nômades, org. Daniel Lins. Papirus, Campinas 1997; pp.19-24.


Toxicômanos de identidade
subjetividade em tempo de globalização*

Suely Rolnik

"A globalização da economia e os avanços tecnológicos, especialmente a mídia eletrônica, aproximam universos de toda espécie, situados em qualquer ponto do planeta, numa variabilidade e numa densificação cada vez maiores. As subjetividades, independentemente de sua morada, tendem a ser povoadas por afetos desta profusão cambiante de universos; uma constante mestiçagem de forças delineia cartografias mutáveis e coloca em cheque seus habituais contornos.
Tudo leva a crer que a criação individual e coletiva se encontraria em alta, pois muitas são as cartografias de forças que pedem novas maneiras de viver, numerosos os recursos para criá-las e incontáveis os mundos possíveis. Por exemplo, as infovias: forma-se, através delas, uma comunidade do tamanho do mundo que produz e compartilha suas idéias, gostos e decisões à viva voz, numa infindável polifonia eletrônica; uma subjetividade que se engendra na combinação sempre cambiante da multiplicidade de forças deste coletivo anônimo. Estaríamos assistindo à emergência de uma democracia em tempo real, administrada por um sistema de autogestão em escala planetária? A figura moderna da subjetividade, com sua crença na estabilidade e sua referência identitária, agonizante desde o final do século passado, estaria chegando ao fim?
Não é tão simples assim: é que a mesma globalização que intensifica as misturas e pulveriza as identidades, implica também na produção de kits de perfis-padrão de acordo com cada órbita do mercado, para serem consumidos pelas subjetividades, independentemente de contexto geográfico, nacional, cultural, etc. Identidades locais fixas desaparecem para dar lugar a identidades globalizadas flexíveis que mudam ao sabor dos movimentos do mercado e com igual velocidade.
Esta nova situação, no entanto, não implica forçosamente o abandono da referência identitária. As subjetividades tendem a insistir em sua figura moderna, ignorando as forças que as constituem e as desestabilizam por todos os lados, para organizar-se em torno de uma representação de si dada a priori, mesmo que, na atualidade, não seja sempre a mesma esta representação.
É verdade que estas mudanças implicam a conquista de uma flexibilidade para adaptar-se ao mercado em sua lógica de pulverização e globalização; uma abertura para o tão propalado novo: novos produtos, novas tecnologias, novos paradigmas, novos hábitos, etc. Mas isto nada tem a ver com flexiblidade para navegar ao vento dos acontecimentos - transformações das cartografias de forças que esvaziam de sentido as figuras vigentes, lançam as subjetividades no estranho e as forçam a reconfigurar-se. Abertura para o novo não envolve necessariamente abertura para o estranho, nem tolerância ao desassossego que isto mobiliza e menos ainda disposição para criar figuras singulares orientadas pela cartografia destes ventos, tão revoltos na atualidade.
É a desestabilização exacerbada de um lado e, de outro, a persistência da referência identitária, acenando com o perigo de se virar um nada, caso não se consiga produzir o perfil requerido para gravitar em alguma órbita do mercado. A combinação desses dois fatores faz com que os vazios de sentido sejam insuportáveis. É que eles são vividos como esvaziamento da própria subjetividade e não de uma de suas figuras - ou seja, como efeito de uma falta, relativamente à imagem completa de uma suposta identidade, e não como efeito de uma proliferação de forças que excedem os atuais contornos da subjetividade e a impelem a tornar-se outra. Tais experiências tendem então a ser aterrorizadoras: as subjetividades são tomadas pela sensação de ameaça de fracasso, despersonalização, enlouquecimento ou até de morte. As forças, ao invés de serem produtivas, ganham um caráter diabólico; o desassossego trazido pela desastabilização torna-se traumático. Para proteger-se da proliferação das forças e impedir que abalem a ilusão identitária, breca-se o processo, anestesiando a vibratilidade do corpo ao mundo e, portanto, seus afetos. Um mercado variado de drogas sustenta e produz esta demanda de ilusão, promovendo uma espécie de toxicomania generalizada. Mas a que drogas estou me referindo?
Primeiro as drogas propriamente ditas, fabricadas pela indústria farmacológica que são pelo menos de três tipos: produtos do narcotráfico, proporcionando miragens de onipotência ou de uma velocidade compatível com as exigências do mercado; fórmulas da psiquiatria biológica, nos fazendo crer que essa turbulência não passa de uma disfunção hormonal ou neurológica; e, para incrementar o coquetel, miraculosas vitaminas prometendo uma saúde ilimitada, vacinada contra o stress e a finitude. Evidentemente não está sendo posto em questão aqui o benefício que trazem tais avanços da indústria farmacológica, mas apenas seu uso enquanto droga que sustenta a ilusão de identidade.
Outros tipos de drogas que sustentam igualmente esta ilusão encontram-se disponíveis no mercado, embora não se apresentem enquanto tal. Vejamos as mais evidentes.
A droga oferecida pela TV (que os canais a cabo só fazem multiplicar), pela publicidade, o cinema comercial e outras mídias mais. Identidades prêt-à-porter, figuras glamurizadas imunes aos estremecimentos das forças. Mas quando estas são consumidas como próteses de identidade, seu efeito dura pouco, pois os indivíduos-clones que então se produzem, com seus falsos-self estereotipados, são vulneráveis a qualquer ventania de forças um pouco mais intensa. Os viciados nesta droga vivem dispostos a mitificar e consumir toda imagem que se apresente de uma forma minimamente sedutora, na esperança de assegurar seu reconhecimento em alguma órbita do mercado.
Há ainda a droga oferecida pela literatura de auto-ajuda que lota cada vez mais as prateleiras das livrarias, ensinando a exorcizar os abalos das figuras em vigência. Esta categoria inclui a literatura esotérica, o boom evangélico e as terapias que prometem eliminar o desassossego, entre as quais a Neurolinguística, programação behaviorista de última geração.
Muito procuradas, por fim, são as drogas oferecidas pelas tecnologias diet/light. Múltiplas fórmulas para uma purificação orgânica e a produção de um corpo minimalista, maximamente flexível. É o corpo top model, fundo neutro em branco e preto, sobre o qual se vestirá diferentes identidades prêt-à-porter.
Dois processos acontecem nas subjetividades hoje que correspondem a destinos opostos desta insistência na referência identitária em meio ao terremoto que transforma irreversivelmente a paisagem subjetiva: o enrijecimento de identidades locais e a ameaça de pulverização total de toda e qualquer identidade.
Num pólo, as ondas de reivindicação identitária das chamadas minorias sexuais, étnicas, religiosas, nacionais, raciais, etc. Ser viciado em identidade nestas condições é considerado politicamente correto, pois se trataria de uma rebelião contra a globalização da identidade. Movimentos coletivos deste tipo são sem dúvida necessários para combater injustiças de que são vítimas tais grupos; mas no plano da subjetividade trata-se aqui de um falso problema. O que se coloca para as subjetividades hoje não é a defesa de identidades locais contra identidades globais, nem tampouco da identidade em geral contra a pulverização; é a própria referência identitária que deve ser combatida, não em nome da pulverização (o fascínio niilista pelo caos), mas para dar lugar aos processos de singularização, de criação existencial, movidos pelo vento dos acontecimentos. Recolocado o problema nestes termos, reivindicar identidade pode ter o sentido conservador de resistência a embarcar em tais processos.
No pólo oposto, está a assim chamada “síndrome do pânico”. Ela acontece quando a desestabilização atual é levada a um tal ponto de exacerbação que se ultrapassa um limiar de suportabilidade. Esta experiência traz a ameaça imaginária de descontrole das forças, que parecem prestes a precipitar-se em qualquer direção, promovendo um caos psíquico, moral, social, e antes de tudo orgânico. É a impressão de que o próprio corpo biológico pode de repente deixar de sustentar-se em sua organicidade e enlouquecer, levando as funções a ganharem autonomia: o coração que dispara, correndo o risco de explodir a qualquer momento; o controle psicomotor que se perde, perigando detonar gestos gratuitamente agressivos; o pulmão que se nega a respirar, anunciando a asfixia, etc. Neste estado de pânico, não basta mais apenas anestesiar a vibratibilidade do corpo, tamanha a violência de invasão das forças. Imobiliza-se então o próprio corpo, que só se deslocará acompanhado. A simbiose funciona aqui como uma droga: o outro torna-se um corpo-prótese que substitui as funções do corpo próprio, caso sua organicidade venha a faltar, dilacerada pelas forças enfurecidas. Todas estas estratégias, tanto as que visam a volta às identidades locais, quanto as que visam a sustentação das identidades globais, têm uma mesma meta: domesticar as forças. Em todas elas, tal tentativa malogra necessariamente. Mas o estrago está feito: neutraliza-se a tensão contínua entre figura e forças, despotencializa-se o poder disruptivo e criador desta tensão, brecam-se os processos de subjetivação. Quando isto acontece, vence a resistência ao contemporâneo.
Fruir da riqueza da atualidade, depende das subjevidades enfrentarem os vazios de sentido provocados pelas dissoluções das figuras em que se reconhecem a cada momento. Só assim poderão investir a rica densidade de universos que as povoam, de modo a pensar o impensável e inventar possibilidades de vida. Estes novos sintomas, constituídos no contexto problemático de formação de um novo modo de subjetivação parecem traumatizar o saber psicanalítico, como a histeria traumatizou o saber psiquiátrico do século XIX, e fêz com que deste trauma nascesse a psicanálise. Se a psicanálise não puder suportar os efeitos disruptivos da desestabilização no grau de intensidade com que ela vem ocorrendo neste final de século, com certeza outros métodos serão capazes de fazê-lo, como foi o caso da psicanálise em relação à psiquiatria no final do século passado, e como, aliás, já está sendo o caso com a psiquiatria biológica e as terapias mágicas de toda espécie. O que preocupa não é a perda de um lugar, mas de uma ética: o caráter disruptivo do dispositivo analítico, “a peste” como o chamava Freud, que consiste em abrir as subjetividades às irrupções do contemporâneo. Quanto mais este dispositivo sucumbir ao poder hegemônico de outros tipos de dispositivos que se inserem no mercado das drogas da ilusão, mais sua ética estará correndo o risco de desaparecer: nesse caso, é em nosso próprio campo que estarão vencendo as forças de resistência à emergência do novo. Urge inventar respostas teóricas e pragmáticas para a nova situação que estamos vivendo, respostas que nos curem de seus efeitos traumáticos. A leitura clínica de alguns aspectos do cenário subjetivo atual aqui apresentada é uma tentativa nesta direção.

Abstract



São problematizados aqui certos efeitos da globalização e da invenção de novas tecnologias - especialmente as eletrônicas - nos processos de subjetivação. Destacam-se entre tais efeitos: a pulverização das identidades locais relativamente estáveis, acompanhada de uma tendência a conformar as subjetividades assim desparametradas segundo “identidades globalizadas flexíveis”. Estas são “figuras prêt-à-porter” que se formam e se desfazem ao sabor das novas órbitas do mercado. Para além da aceitação a-crítica de tais identidades globalizadas flexíveis, diversas formas de resistência se esboçam, que vão da apologia da pulverização (o fascínio niilista pelo caos) à defesa de identidades locais fixas (as chamadas “minorias”).
Propõe-se a idéia de que todas estas formas de resistência tem em comum a manutenção de um regime identitário na constituição das subjetividades. Isto as coloca em estado de falta permanente e promove uma verdadeira toxicomania de identidade, sustentada e produzida por um variadíssimo mercado de drogas. Romper com tal regime identitário seria uma condição essencial para que possa afirmar-se o imenso potencial de criação na existência individual e coletiva, de que é portadora a atualidade.
A psicanálise é convocada a reafirmar sua vocação originária de enfrentamento das questões que se colocam para a subjetividade em cada contexto histórico-cultural, através da invenção renovada de dispositivos pragmáticos e teóricos."

Anónimo disse...

É enternecedora a vontade de ser prestável a algumas pessoas e detestável a outras. Quase sentimos os sussurros de alguém nos ouvidos do crítico. Sopros Diversos...