terça-feira, junho 20, 2006

Balanços do Alkantara (II): teatro

Demagogia

Foi nas propostas de teatro apresentadas neste festival que encontrámos os mais gritantes exemplos de demagogia performática. Uma demagogia que se fez sentir ao nível das estratégias de representação do eu em relação ao contexto (Isabella’s room, de Jan Lauwers/Needcompany); enquanto ferramenta para explorar uma dimensão fetichista do teatro (Tragedia Engonidia #4, de Romeo Castelluci) como espaço para um discurso político parcial e auto-legitimado (Who’s afraid of representation?, de Rabih Mroué). Lauwers e Mroué ficam como exemplos evidentes de como pode falhar um discurso sobre o multiculturalismo ou a miscigenação: o olhar neo-colonialista embrulhado na habitual fórmula belga de cruzamento de disciplinas de Isabella’s room, e o perigoso jogo de manipulação história disfarçado de reflexão teórica sobre o corpo em Who’s afraid of representation? serviram mais para para épater le bourgeuois e deliciar plateias ávidas de uma provocaçãozinha do que para reflectir sobre o teatro enquanto grande palco de discussão do mundo. Do um mundo trágico de Castelluci na orgia retórica de Br#4, fica o ridículo da exposição da imagem crente de uma contaminação meramente simbólica. Em suma, festas para as quais não fomos (ou não devíamos ter sido) convidados.

Narrativa

Questionar o mais evidente mecanismo teatral foi o que propuseram Tim Crouch (An oak tree), Forced Entertainment (The World in Pictures) e Teatro Praga (Discotheater). Em Discotheater assentando numa relação com o espectador e a própria organização teatral os Praga faziam depender o espectáculo de uma crença que ultrapassasse o habitual papel que desempenham. Tanto aqui como em An oak tree e The World in Pictures a narrativa (quando a houve) procurou justificar-se pela forma do espectáculo, transformando-os em exercícios sobre a escrita teatral. Mas se o efeito teatral (quase felliniano) de dar espaço a outro intérprete expunha, de forma indelével, as fragilidades do texto de Tim Crouch, em The World in Pictures, os Forced Entertainment disfarçaram um comprometimento político e social na graça e na hiper-representação de ideias feitas da história, mesmo que resgatassem da ideia de entretenimento um espectáculo que evoca toda uma memória da comédia (do slapstick aos Monthy Piton). Em comum os três espectáculos propuseram uma abertura de fronteiras para a função da narrativa no jogo cénico, mesmo se nem sempre o resultado tivesse sido atingido. E depois há Patrícia Portela, com Trilogia Flatland, ovni na paisagem portuguesa e que neste festival se deslocou, finalmente da área da dança para a do teatro, fruto de um confronto directo com os espectáculos apresentados por coreógrafos e encenadores. Que o erro de foco tenha partido da própria realidade nacional diz muito do facilitismo e do encantamento pelo qual se deixam levar grande parte dos agentes culturais.

Transgressão

Não se pode falar de uma verdadeira transgressão nos espectáculos apresentados pelo festival. Nem nos temas nem na forma. Se a imagem do bebé a chorar de medo no início de Tragedia Engonidia #4 pode causar arrepios, não é menos verdade que causa mais arrepios a apresentação de espectáculos que acreditam ser possível perpetuar códigos de linguagem e representação só porque as fórmulas funcionam. A verdadeira transgressão está então no desmascarar de mitos que este festival proporcionou. Resta saber se em nome dessa ideia de ruptura se vai continuar a insistir na subalternização de criadores nacionais perante o brilho dos nomes internacionais.

2 comentários:

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

Keep up the good work » »