domingo, junho 18, 2006

Abordagens ao Alkantara (XIII): An oak tree

Crítica de teatro

An oak tree
15 Junho, Culturgest, 19h


Crer para ver
por Pedro Manuel

Tim Crouch apresentou um dos melhores espectáculos de teatro do Alkantara. Um espectáculo de construção simples, na senda do performativo e do minimal, mas com uma inteligente elaboração dos conceitos em torno da retórica do teatro, sobretudo no que toca à relação de confiança e fé entre actores e espectadores, base de comunicação e de sensibilidade.

O pressuposto é a obra de Michael Craig-Martin, an oak tree, na qual se diz que um copo de água é um carvalho. E se alguém o diz – sobretudo o artista da sua própria obra – é porque é. Podemos não acreditar, mas se acreditarmos no que nos é dito, podemos ver, por dentro, por um instante, compreender. No programa do Alkantara, o espectáculo é descrito como «uma projecção de uma representação, dada por um actor a outro, por um hipnotizador ao seu paciente, por um público a uma pessoa». Tomemos esta descrição como linha de análise do espectáculo: projecção de um actor a outro, projecção de um hipnotizador ao seu paciente, projecção do público ao actor.

No programa da Culturgest, Tim Crouch refere os quatro exemplos de crença que trabalha no espectáculo: em an oak tree, de Craig-Martin o copo de água torna-se um carvalho e não um símbolo do carvalho; um hipnotizador transforma os voluntários em macacos e não em símbolos de macacos; os actores de um teatro incorporam as personagens, não são símbolos; um homem reconhece um carvalho como sendo a sua filha morta, e não um símbolo. Deste modo, a operação do espectáculo consiste em escapar ao processo de simbolização que está implicado em toda a representação. Através de uma estrutura performativa e minimal reduz-se o carácter simbólico da premissa de crença: uma coisa é outra coisa, porque alguém o diz e outro acredita.

Um actor (Tim Crouch) convida outro actor (neste dia, Beatriz Batarda) a participar no espectáculo mas sem que este prepare nada, sem ensaiar, partindo do mesmo ponto que o espectador. A sua presença é funcional. O actor convidado é um instrumento nas mãos do autor/ encenador/ actor/ hipnotizador (dito desta forma, lembra aquela clássica sucessão de tarefas que compõem um processo teatral, do autor à personagem). Tim Crouch dirige o actor em cena com indicações técnicas: come here, say this, say yes (sobretudo diz sempre que sim). É ainda desta forma, que surge o carácter de entretenimento no espectáculo, figurado pela personagem de um hipnotizador que, na verdade, simboliza a relação de crença entre espectador e actor. Através deste esquema conhecemos a história do encontro entre um hipnotizador que tinha atropelado uma criança e o pai da criança (o actor convidado) que vem ao espectáculo para se submeter à hipnotização para, precisamente, levarem-no a acreditar noutra coisa. Mais tarde, o pai vai acreditar que a sua filha se transformou no carvalho. A mulher encontra-o abraçado à árvore.

A noção de projecção de representação indica bem a qualidade sugestiva da relação de crença. É acreditar para ver, e não ver para crer. A representação aproxima-se mais dos processos simbólicos de síntese e transfiguração, mas é a projecção que devolve a representação como acto, e não apenas como figura estável de correspondências. A sugestão funciona por projecção de representação, projecção simultânea entre actor e espectador. Ao fazê-lo em palco, através de um actor que está no mesmo grau de conhecimento do público, Tim Crouch expõe essa dinâmica de projecção através de três níveis de sugestão (o actor, a ficção, o público), e essa exposição serve-se da linguagem performativa (no que tem de minimal e de entretenimento) mantendo a sugestão no plano indicativo, através da simples enunciação: isto não é isto e outra coisa, é outra coisa mesmo, está a ver?

Mas o espectáculo de Tim Crouch não é apenas uma abordagem às condições de recepção e comunicação do acontecimento teatral. Não é só sobre como dirigir actores e como dirigir espectadores. De facto, talvez seja mais sobre afectos do que retórica. Afectos reais criados no teatro, o fingimento que transforma a realidade. Afectos reais que transformam a nossa representação do mundo. O amor. A saudade. E é um sentimento religioso, este de acreditar para ver, como Tomé veio a descobrir.


Contexto:

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