quarta-feira, junho 14, 2006

Abordagens ao Alkantara (X): Isabel Torres + Pichet Klunchun & Myself

Crítica de dança

Isabel Torres
São Luiz – Teatro Municipal, 06 Junho, 21h,

Pichet Klunchun & Myself
CCB, 11 Junho, 21h

Coreografias de Jérôme Bel
Lotações esgotadas






Let’s dance… maybe

No quadro de um festival que também reflecte sobre a multiculturalidade, Jérôme Bel desloca o seu olhar europeu e ocidental para outros dois corpos, um brasileiro e outro tailandês. Mas nada condiciona mais a recepção destas propostas que a expectativa enviesada pela miscigenação imposta (maior parte das vezes à revelia) aos espectáculos pós-11 de Setembro. Estes são encontros onde a dança existe como ponto de partida para uma discussão sobre a própria dança.

Em Isabel Torres a bailarina do corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro tem espaço, tempo e oportunidade para discorrer sobre a sua praxis. É o auto-retrato pungente de alguém sem ambições de estrela, onde o hermetismo de Bel desaparece na empatia imediata que Torres estabelece com o público. Fala da carreira, filhos, oportunidades perdidas, experiências enriquecedoras e das meias-verdades que sustentam a ilusão dos espectáculos, nunca cede à crítica negativa nem força a revanche. Serena e discreta, faz de uma proposta pessoal um processo de identificação, relegando para segundo plano essa ausência do contexto social e artístico.

Em Pichet Klunchun & Myself, Bel ocupa o palco com o bailarino de danças tradicionais da Tailândia, o Khon, para afirmar que a dança não é universal. Códigos, símbolos e referências contextualizam e condicionam o modo como é desenvolvida, praticada e reflectida. No encontro, que pode ser visto como uma conferência mas não é precisamente porque depende da representação, fala-se de religião, morte, cânone, tradição, entretenimento e responsabilidade. Procura-se conhecer o outro e chegar mais perto do indivíduo, seja através de exemplos práticos ou teóricos. É um exercício meta-performático onde se prova que dança não é só corpo e tempo, mas espaço e consciência.

Porque já está tudo feito ou, precisamente por isso, é necessário começar do zero, Bel propõe espectáculos que colocam no centro do palco a dança que se quer pensada. Não procura uma justificação ou enquadramento do movimento mas uma reflexão sobre a necessidade do movimento. Torres, Klunchun e Bel sabem de cor o que fazer com o corpo, a questão está em perceber até onde se pode ir em nome da definição. A pesquisa de um conceito que permita o regresso à origem do movimento impõe-se à necessidade de encontrar uma fórmula que valide as expectativas contemporâneas. Torres força com um confronto entre o prazer de quem vê e o horror de quem faz. Klunchun quer resgatar do entretenimento o khon para o transformar em dança contemporânea. Bel defende que a dança a existir só pode representar a sociedade na qual se insere.

Para quem (ou para o que) se dirige Jérôme Bel? Para uma dança reflectida e não executada? Ao apresentar espectáculos-tese questiona o modo como a dança é só uma ferramenta de observação do mundo, não devendo (não podendo) apresentar respostas para as perguntas ainda por formular. Recentemente afirmou que se não dominasse o público temia que este o matasse, preferindo assumir uma posição de domínio que o obrigasse a reagir. Parece assim colocar a responsabilidade da definição nesse anónimo que pode condicionar o próprio processo de trabalho. Se entretanto alguém dançar, que seja intuitivamente e não porque alguém lho pediram.

Em resumo
Jérôme Bel prova que a dança, sendo corpo, não é efémera.

[texto publicado hoje no jornal PÚBLICO]

Contexto:
Será publicada dentro de dias no blog uma conversa exclusiva com Jérôme Bel

2 comentários:

Anónimo disse...

"Jerôme, entertainer de Sábado à noite!"

Pois eu achei a conversa de Jerôme com Pichet, paternalista e redundante e a linguagem que ele usa pouco interessante, muito parecida com a de um TV live show de Sábado à noite.

Há coisas neste trabalho que me interessam e não aplaudi sem vontade, mas depois senti-me vítima da sua pedagogia que prefiro dispensar.


Um bailarino maravilhoso de dança “tradicional” convertida em dança turística, explica a Jerôme o que faz. Ele já não está a explicar ao Jerôme, porque já teve oportunidade de o explicar no primeiro encontro que tiveram, está a explicar ao público. E o público agradece, a malta gosta de conhecer tipos de dança “novos” e aprecia o movimento e graça do bailarino. Irritantemente também se riem com as anuências de cabeça de master Jerôme.
Nesta farsa, Jerôme sabe neste momento o que é a dança do seu interlocutor, e este já compreende perfeitamente a Arte Contemporânea, insistem num tom pedagógico em explicar ao público o que é que os distingue.
Jerôme diz-se o anti-entertainer, mas cai, na falácia de adoptar o estilo Jay Leno, da forma mais paternalista possível. Não há-de o público saber o que é a Arte Contemporânea? Não há-de o público ter lido os mesmos livros que master Jerôme?
Mesmo assim, o público dá umas risadinhas, as piadas pseudo-intelectuais são giras e a malta percebe tão bem a linguagem da entrevista à la Jay Leno!
Porque não gravar esta peça e mandar para as escolas de Artes? A versão de Jerôme do que é a Arte Contemporânea pode sempre interessar aos alunos. Estava capaz de a encenar com alunos do 2º ciclo.
Quando um artista dito conceptual tem necessidade de explicar o que faz, alguma coisa soa a muito redundante.
Já que leu uns livros, talvez deva ler mais, se quer falar, ou então, continuar a encenar performances/dança, etc, para nos fazer pensar (ou entreter com as suas private jokes intelectuais).
Preferia não o ter visto em palco a encenar a sua própria realidade.

Anónimo disse...

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