Crítica a Product
de e com Mark Ravenhill
encenação de Lucy Morrison
Culturgest, 29 Abril 2006

Neste esquema, o texto divide a acção em duas narrativas paralelas, a do produtor que conta uma história e a história em si. A própria ideia de produto também se altera em cada nível. Sentados, frente um ao outro, separados por uma mesa baixa empilhada de guiões, o produtor tenta vender um produto à actriz, o guião. Para isso serve-se de uma série de estratagemas de sedução, ameaça e elogio para convencê-la a integrar-se no produto final. Na história que é contada o produto é… o amor? os preconceitos? ou outra coisa que envolve a primeira história?
O guião, e o núcleo do discurso do espectáculo, narra a tragicómica história de amor entre uma inglesa e um islâmico. Conheceram-se no avião, ela apaixonou-se por ele, leva-o até casa, fazem amor, trocam juras e, pouco a pouco, ela vê-se envolvida numa célula terrorista que planeia um atentado na Disneyworld-Paris. Apesar de o seu ex-namorado, Troy, americano, ter morrido nas Torres Gémeas saltando da janela («the fall of Troy»), ela apaixona-se por Mohamed e decide acompanhá-lo na missão (nas palavras do autor: «Bridget Jones junta-se à Jihad»). Mas é um sonho. Ela acorda, apavorada, e alerta a polícia para o terrorista que dorme ao seu lado. A partir daqui a narrativa de Ravenhill, a do guião, inicia uma sequência de cenas hollywoodescas, inverosímeis e disparatas, desde a auto-imolação de Mohamed à libertação dos presos de Guantanamo em modo-Rambo.
O guião é um péssimo guião, recheado de estereótipos culturais, sobre os islâmicos, e visuais, na descrição das cenas. O resultado é um comentário irónico sobre as imagens que criamos dos islâmicos, cuja presença é antecedida pelo medo, e a forma como dispomos essas imagens num produto de consumo, neste caso, o guião de um filme. Deste modo, o texto organiza um gabinete de amador. O gabinete de amador é um espaço onde se dispõem vários quadros sem ordem de exposição, sem sentido definido, como o quarto privado de um coleccionador com as paredes cobertas de pinturas. O que resulta desta disposição é um mosaico de imagens dispersas, flutuantes. No texto de Ravenhill, as imagens que mediam as relações entre islâmicos e ocidentais cruzam-se num guião de cinema, o produto final que emoldura a ambiguidade dos pré-juízos. As imagens são associadas na lógica de um filme comercial, cheio de acção e romance. Mas é a situação entre o produtor e a actriz que coloca estas imagens na qualidade irónica de produto. Por outro lado, o texto permite uma oscilação entre a descrição e acção, sendo que as imagens passam a ser descritas, e não realizadas, e a acção dramática resume-se a uma situação. A acção está na descrição.
É sempre bom assistir à interpretação que um autor faz do seu próprio texto e, sobretudo, quando o próprio o interpreta. Entre nós, tivemos oportunidade de assistir a uma estratégia semelhante com Ascanio Celestini – pese embora a radical diferença de conteúdo e estilo -, onde a teatralidade é reduzida à simples narração de uma história e à encenação dessa narração e, no caso de Product, numa encenação subtil e compreensiva do registo natural do actor e da redução da acção à situação (com Celestini, até a situação é ultrapassada pela narração).
Referenciado como um dos nomes de uma corrente literária/ teatral que se afirmou na Grã Bretanha nos anos 90, o teatro in-yer-face, Mark “Shopping-and-fucking” Ravenhill contrapõe a ironia à superfície decandente e grunge que se associa às temáticas desses textos e, em Product, o in-yer-face é o de uma comunicação descomplexada e bem-humorada que não ataca mas sugere.
Pedro Manuel
1 comentário:
best regards, nice info 336064 34548 aid asp category catid com drugstore prozac onset durationn Air conditionersair Viagra genetic Topamax also affordable business health insurance small
Enviar um comentário