Dançar Bigonzetti, Kylián e Duato
Companhia Nacional de Bailado
Teatro Camões, Lisboa
18 Março, 21h00
Sala quase cheia
Não é inocente a nota no programa que a CNB estreou recentemente. Dançar é “uma homenagem implícita ao Ballet Gulbenkian”. A direcção da CNB responde assim em palco (onde deve ser) às críticas e dúvidas acerca do seu papel no pós-Ballet Gulbenkian (BG). A apresentação de coreografias de nomes recorrentes do repertório da extinta companhia visa não só chamar à CNB um público educado pelo BG, mas também re-inscrever o BG como espaço de memória fundamental para a história da dança em Portugal, e a CNB como companhia de repertório contemporâneo que tem (deve) de ser e que a sombra do BG deixava escondida. Não é pouco e é, sobretudo, ambicioso. A orfandade tem um preço e não há substituições, mas sim evoluções. Por isso, ao querer funcionar como garante de uma história da dança viva e pública, a CNB deve estar atenta ao modo como evita a comparação, aproveita o legado e re-inventa o papel de única companhia de repertório com possibilidade de dar ao público as bases e fundamentos de uma história da dança contemporânea.
Companhia Nacional de Bailado
Teatro Camões, Lisboa
18 Março, 21h00
Sala quase cheia
Não é inocente a nota no programa que a CNB estreou recentemente. Dançar é “uma homenagem implícita ao Ballet Gulbenkian”. A direcção da CNB responde assim em palco (onde deve ser) às críticas e dúvidas acerca do seu papel no pós-Ballet Gulbenkian (BG). A apresentação de coreografias de nomes recorrentes do repertório da extinta companhia visa não só chamar à CNB um público educado pelo BG, mas também re-inscrever o BG como espaço de memória fundamental para a história da dança em Portugal, e a CNB como companhia de repertório contemporâneo que tem (deve) de ser e que a sombra do BG deixava escondida. Não é pouco e é, sobretudo, ambicioso. A orfandade tem um preço e não há substituições, mas sim evoluções. Por isso, ao querer funcionar como garante de uma história da dança viva e pública, a CNB deve estar atenta ao modo como evita a comparação, aproveita o legado e re-inventa o papel de única companhia de repertório com possibilidade de dar ao público as bases e fundamentos de uma história da dança contemporânea.
Este programa de homenagem apresenta três coreografias também elas a remeter para outras homenagens. Mauro Bigonzetti lembra o pintor russo Malevitch em Kazimir’s Colours, Jirí Kylian recorda o legado de um outro coreógrafo, John Cranko, na peça fúnebre Return to a strange land, e Nacho Duato metaforiza a partir do universo do Século de Ouro espanhol em Por vos muero. É neste macro-universo de referências, símbolos, metáforas e evocações que se constrói um programa equilibrado e consentâneo com o papel de uma companhia de repertório pública. As peças, se não são surpreendentes, valem por aquilo que transmitem do discurso criativo dos coreógrafos: o humor de Bigonzetti a partir de duetos e coros que descontroem o movimento clássico, a emoção como eixo central de um corpo ascético em Kylián, e a combinação entre o movimento plástico e a narrativa simbólica de Duato.
Está no modo como os corpos dos bailarinos recriam estes universos a uniformidade do programa. A extrema segurança e delicadeza com que interpretam o fraseado colorido de Kazimir’s Colours, as metamorfoses de Return… ou não carregam na caricatura do universo barroco de Por vos muero são exemplos de uma organicidade certamente dependente do lugar que a CNB agora, mais do que nunca, ocupa. De destacar, pela positiva a coerência interpretativa de Barbora Hruskova e Ediz Ergüç, sobretudo no primeiro movimento da peça de Bigonzetti, de Carlos Pinillos e Alba Tapia no “dueto castanho” do requiem de Kylián e Rui Alexandre e Paulina Santos no conjunto criado por Duato.
É certo que, das três peças, a de Duato é a mais ostensiva e até aquela que cria mais anti-corpos. O coreógrafo espanhol insiste na promoção de uma narrativa e linearidade que constrange a potencial dimensão onírica da proposta. Apostada num equilíbrio entre a música espanhola dos séculos XV e XVI, e os versos de Garcilaso de Vega (ditos por um sempre erótico Miguel Bosé), esta é uma peça na qual as intrigas e desencontros de corte são estilizados em diálogos coreográficos amplamente ilustrativos. No final, feita a imagem dos amantes perdidos, lamentamos que não tenha sabido encontrar o tom dramático de Kylián, já que queria fixar essa imagem. Rendida a dramaturgia ao símbolo, perde-se o mérito da evocação e o sentido do poema: “tornar a água em vinho/e a dança em riso”.
Em resumo
Programa equilibrado feito de evocações.
2 comentários:
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