Casa Conveniente, Lisboa
até 22 de Abril (5ª a Sábado às 22h00)
com Ana Ribeiro, Martim Pedroso e Victor Gonçalves
Três figuras encontram-se inesperadamente numa sala suspeita. O que está em causa é um negócio ilícito, estritamente controlado e que só é permitido fazer-se a dois. Há um terceiro que não faz parte da misteriosa rede comercial e que se apresenta como uma ameaça ao "trânsito" de valores. As questões que se levantam são: qual é a peça falsa deste jogo e por que motivo ela foi jogada? Martim Pedroso, a partir de Na solidão dos campos de algodão de Bernard-Marie Koltès, e em colaboração com Ana Ribeiro e Victor Gonçalves, aventura-se na escrita de um texto dramático a três vozes que explora o estado emocional da dúvida. [IMPASSE] é ainda um campo de batalha obscuro onde se convida à percepção das estratégias bélicas. Um jogo perigoso e dissimulado, profundamente teatral, onde se têm de "dar os sinais certos na altura certa sem nunca serem demasiado evidentes".
Da estranha melancolia daquele que procura
[texto de minha autoria publicado na folha de sala]
- Um cigarro?
- Não.
- Não?
- Sim. Um cigarro.
Não é importante saber o que é que estas personagens querem trocar. Como também não é importante saber que Impasse partiu do texto de Bernard-Marie Koltés, «Na Solidão dos Campos de Algodão», ou imediatamente perceber que todo o ambiente evoca o universo noir dos filmes norte-americanos. Isso é o mais evidente e por isso o mais descartável. Dizer que é um exercício de escrita a partir do texto negro de Koltés é só dizer qual foi o ponto de partida para esta abordagem (também negra) a uma realidade intemporal. O que importa saber é como nos comportamos quando precisamos mais de uma coisa que de nós mesmos. O que importa saber é como vamos manipular o outro para obter essa coisa. A coisa pode ser o corpo, a droga, o sexo, um órgão humano, um abrigo, um cigarro, uma bebida, uma palavra. A coisa pode não ser nada e interessar apenas a troca. Se eu te der, tu dás-me o quê? Não há trocas directas. Ninguém ganha, ninguém perde.
Fixar ou limitar qualquer uma das acções ou intenções deste jogo duplo (triplo?) impede que percebamos que não estamos a falar de algo desconhecido. Basta fazer o exercício de fechar os olhos e deixar que os sons da rua passem a porta de ferro para depressa nos apercebermos que há uma deslocação do exterior para o interior desta sala (de espera?) húmida. Há um universo reconhecível (propositadamente reconhecível) que na escuridão do “lugar do crime” pode ser o Cais do Sodré mas também um parque de estacionamento, um beco escuro, os fundos de um bar, o porão de um navio, a casa de banho de uma estação de comboios… a tua casa.
É muito provável que a situação se assemelhe a algo que já tenhamos vivido. Passamos os dias a trocar. Mas isso é só o início de um delicado e atento jogo de xadrez, com um jogador a mais. Um jogador que tanto pode ser aquele que não se identifica como aquele sentado a observar tudo. A sedução, a violência, a sexualidade, as trocas de olhares e os diálogos secos, os corpos tensos destas personagens meio vagabundas podem ser só pose, podem ser só teatro, podem ser falsas. Despudoradamente falsas.
E é por isso que Impasse tem tanto a ver com troca como tem a ver com teatro, com o acto de ficcionar, ser “o outro”, convencer “o outro” de que o que ele vê é que é a verdade. Isto até pode ser a repetição do óbvio, mas todo o dispositivo é por demais falso. Cada um deles é uma personagem, nós espectadores somos mais do que voyeurs, o material de troca permite especulações. Se é teatro, se é vida, se é morte não importa. Se estás aqui a esta hora e neste lugar é porque queres alguma coisa que não tens. E essa coisa eu posso…
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