The story is told of an automaton constructed in such a way that it could play a winning game of chess, answering each move of an opponent with a countermove. A puppet in Turkish attire and with a hookah in its mouth sat before a chessboard placed on a large table. A system of mirrors created the illusion that this table was transparent from all sides. Actually, a little hunchback who was an expert chess player sat inside and guided the puppet’s hand by means of strings. One can imagine a philosophical counterpart to this device. The puppet called ‘historical materialism’ is to win all the time. It can easily be a match for anyone if it enlists the services of theology, which today, as we know, is wizened and has to keep out of sight.
Walter Benjamin
aula no espaço T0/Transforma, para os alunos da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha (fotografia: Luís Firmo)
NOTA ZERO
materiais introdutórios
Alunos. Mesa e cadeiras. Quadro e giz. Caderno de apontamentos. Caneta. Retroprojector apontado a uma parede branca projectando um acetato que diz: “se no início da aula um retroprojector é ligado, no final ele terá que projectar alguma coisa”. Entrevista em audio (suporte: mini-disc ligado a colunas de computador) à dupla Parasitas, subordinada ao tema “A Paródia Moderna”. Reprodução de L.H.O.O.Q. (1919), de Marcel Duchamp (série “pequena” da Taschen). Fotocópias de “Para uma Teoria da Paródia”, de Linda Hutcheon (excertos) e “Behind the Times: the Decline and Fall of the Twentieth-Century Avant-Gardes”, de Eric Hobsbawm (excertos), distribuídas pelos alunos. Pesquisas google feitas com os termos “post-modern”, “post-modernism”, “post-modern skepticism”, “post-modernism crisis”, “death of art” e “teatro praga”. Documentos em adobe pdf: “A Outra Resposta de Tirésias. Sátira, Paródia e Caricatura”, de Carlos de Miguel Mora (Universidade de Aveiro) e “Intertextualidade e Plágio – Questões de Linguagem e Autoria”, de Liliane Christoff (tese de doutoramento, em Português do Brasil). O calhamaço “Art In Theory. 1900-2000”, para o que der e vier. Aulas de Método com Marlon Brando (conseguidas através de metodologias ouija).
aula na Escola Secundária Henriques Nogueira, Torres Vedras (fotografia: Ana Rita Canavarro/Transforma)
NOTA UM
juste une image
Por altura da estreia nos cinemas de Matrix Revolutions, o Prof. Bragança de Miranda escrevia no Jornal de Letras que aquilo que caracteriza a pós-história é essa “leviandade” no uso das imagens. A leviandade de EUROVISION começa com a justeza de um início extremamente simples: uma imagem justa, à qual justamente falta (e por isso é justa) a outra face, ou o seu negativo: por outras palavras, a legenda. O espectáculo é sobre fazer a imagem, criar a imagem, mostrar a imagem, fabricar a imagem, produzir a imagem, desenhar a imagem, reproduzir a imagem, copiar a imagem, confiscar a imagem, multiplicar a imagem, transmitir a imagem, projectar a imagem, plagiar a imagem, roubar a imagem, imprimir a imagem, inverter a imagem, retro-verter a imagem, traduzir a imagem, descodificar a imagem, interpretar a imagem, ler a imagem, escrever a imagem. Ou seja, legendá-la. É um espectáculo leviano porque acredita que as imagens valem pela sua reprodutibilidade técnica e são intocáveis porque substituem mil palavras. E é leviano porque faz da “legendagem” teatro (já lá vamos...). Há um fato de treino colado com fita-cola à parede que não chega a passar da fase de ensaios, por fazer lembrar demasiado uma legenda chamada La Ribot. Legendagem implica exame crítico... A espingarda (imagem) é intocável. Da legenda que a acompanha (Tchekov/retroprojector), faz-se uso e abuso: é mais importante o sublinhado do que aquilo que se sublinha. “Se no início entrei numa sala curiosa, no final tenho de sair esclarecida” (Liliana Silva, Torres Vedras). E então legenda-se. A minha “aula preparatória” é uma legenda em segundo grau, uma legenda daquilo que se legenda, um ready-made aidé. Une chose très duchampienne, portanto.
ensaio na “Loja Praga”, A8 LAB, Torres Vedras (fotografia: Rogério Nuno Costa)
NOTA DOIS
à procura da língua perfeita
“Nós, Portugueses, valorizamos muito a nossa língua, mas o que é verdade é que há mais línguas na Europa e até no Mundo” (Ana Filipa Moreira Gonçalves, Torres Vedras). A sequência multi-lingue de Pedro Penim é muito mais uma “manta de retalhos” (imagem sem legenda), do que uma representação filosófica (retalhos referenciais excessivamente legendados). É uma coisa plástica. O Matrix (filme) também é uma coisa plástica. As implicações elitistas, historicistas e individualistas de um retalho des-legendado são outras (conferir as teorias do triângulo desigual de Kandinsky): o fim da história (Fukuyama), a não-infinitude do gesto artístico, a repetição da tragédia que é sempre uma comédia (Marx), a “despressurização” do Ocidente, e etc. Como é que se sai deste túnel? Comendo a merda que herdamos do Pai Nosso Século XX. “No fundo, continuo a ser um fazedor de arranjos, cujo máximo prazer literário é pegar numa melodia recebida – um velho poema narrativo, um mito clássico, uma convenção literária enxovalhada, um pedaço da minha experiência, uma série da New York Times Book Review – e, improvisando como um jazzman dentro das suas restrições, reorquestrá-la para o propósito presente” (John Barth). A língua perfeita jamais poderá ser uma imagem (fabricação); será quando muito uma realidade em segundo grau (legendagem), uma coisa utópica (foi perfeita que disse?), uma coisa duchampiana, uma coisa retalhada. Leviana. Qualquer coisa como: no quadro “Nu descendo as escadas” (Duchamp, 1912), é mais importante o título que o quadro. Pronto, é isso.
ensaio na “Loja Praga”, A8 LAB, Torres Vedras (fotografia: Rogério Nuno Costa)
NOTA TRÊS
definição do lugar
EUROVISION acontece num espaço pictórico, muito antes de ser um espaço teatral. Os grandes intérpretes das geometrias transcendentais (Picasso e Duchamp) estão lá, na justa imagem inicial, debaixo das lápides. A tal imagem-copo: meia vazia, meia cheia. Tanto faz. Não interessa saber quem nasceu primeiro, se o ovo, se a galinha. Interessa, apenas e só, que se formule a pergunta. E se faça a imagem: formalmente, o lugar é o dos neos, dos pós e dos retros (José-Augusto França); conceptualmente, é o lugar da paragem cardíaca (Rogério Nuno Costa) que corresponde aos anos 90, a tal da suspensão céptica que se fez para se (poder) pensar. As mochilas do EUROVISION carregam o peso de cerca de 100 anos de história, qualquer coisa que começa na estética do innovatio (‘bora foder o humanismo) dos anos 10 e acaba na estética do collapsus (‘bora foder o modernismo) do final do século. Qualquer coisa que se inicia com o “Nu descendo as escadas” (por exemplo, e outra vez) e acaba no “Precarious Construction” ou no “Altar to Raymond Carver” (Thomas Hirschhorn, 1997/1999, exemplos óbvios, mas justos). Ainda não podemos falar de teatro (ligar Beckett a Forced Entertainment é lixado), mas já lá vamos. “Também acho que o espaço vazio não significa morte, porque o vazio pode representar o nascimento de algo; talvez a conversa da morte fosse para assustar, mas não resultou” (Rui do Rosário Ribeiro, Torres Vedras). Como fazer teatro não é sinónimo de fazer a história da literatura dramática (como julga a Associação Portuguesa de Críticos de Teatro), façamos o seguinte Kramer contra Kramer:
pormenor de “Precarious Construction” (Thomas Hirschhorn, 1997)
pormenor de “Eurovision” (Teatro Praga, 2005) (fotografia: Rogério Nuno Costa)
NOTA QUATRO
organismo microscópico
E fabricado. Talvez aqui já possamos falar de teatro. Comecemos pelo cliché do “não-lugar”: o viajante utópico Raphael sobrepõe duas imagens da Utopia, das quais uma é a de um lugar, a outra a de um protótipo. A primeira é o retrato que pinta os traços espaciais da individualidade geográfica e histórica; a segunda é o modelo que retém da mesma os traços espaciais que dependem da ordem humana e do sistema das normas culturais. EUROVISION, delimitado espacialmente num quase-quadrado, recusa o lugar a favor do protótipo. A capital da Utopia era “quase” quadrada, assemelhando-se à Jerusalém celeste, cidade cujo comprimento era exactamente igual à largura. Estudando o mapeamento da cidade utópica, conclui-se que “o branco, que cobre os locais políticos no mapa da Utopia, marca precisamente o lugar, vazio, de um nó de conceitos então informuláveis” (Choay). Há na concepção da cidade utópica uma certa espiritualidade, que privilegia a vida, por oposição à morte. A leviandade utópica de EUROVISION existe na construção de um espectáculo que quer parecer um mundo fechado de ligações vívidas e dinâmicas; fora dele estaria a morte, o esquecimento. Um resumo trágico (muito malevitchiano, muito “Quadrado Preto Sobre Fundo Branco”’iano), do jogo de forças interior-exterior, da racionalidade, do espírito concentracionário, da impossibilidade de fuga e do espelhamento. E uma linha que divide as duas faces da mesma moeda (foi Matrix que disse?). Trata-se de um modelo espacial, que não pode assumir uma infinidade de formas, mas uma única apenas, que é “perfeita” (foi utópico que disse?). Essa forma perfeita, porque não existe, só pode tornar-se operacionalizável quando transformada em “instrumento”: e por isso as utopias fabricam-se, ao contrário das sociedades reais. No espectáculo, os “actores” (aqueles que actuam e que são em número de dois, sem ser por acaso...), fabricam, desconfiados, uma utopia teatral, desesperançada. “Ambos os actores são mutuamente cépticos, mas no fim não chegam a conclusão alguma” (Ana Margarida Barata, Torres Vedras). Quem haveria de supor que o fio não representava o muro de Berlim, mas a ligação entre duas cidades? E quem disse que o muro de Berlim não representa a ligação entre duas cidades? Um organismo microscópico é um texto escrito num sítio inaudito. Uma fraqueza feita força (Bragança de Miranda). Um pormenor que é tudo.
ensaio na “Loja Praga”, A8 LAB, Torres Vedras (fotografia: Rogério Nuno Costa)
1 comentário:
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