de Amir Reza Koohestani
pelo Meth Theatrical Group (Irão)
Centro Cultural de Belém
05 Novembro 2005, 21h30
Sala cheia
Os copos a que o título, Dance on Glasses, se refere estão dispostos numa base de vidro e representam o difícil equilíbrio que é a vida e as opções que necessitamos fazer ao longo dela. A dança sobre os copos representa as opções que tomamos. E, entre o par, fica uma mesa, território comum e de conflito. Fica assim estabelecido, para as personagens e para os espectadores, o duelo acção/consequência em que se vai sustentar esta peça do iraniano Amir Reza Koohestani.
Foroud e Shiva, o par que se confronta, funcionam como uma metáfora para questões universais como o lidar “com o corpo humano, com os homens e as mulheres, com as relações humanas, com o risco e tradição, com o tempo e a sociedade”, lê-se na sinopse do espectáculo. Um programa demasiado ambicioso para uma proposta que tem dificuldade em equilibrar códigos de representação ocidentais facilmente reconhecíveis, como o modelo Stanislavkiano, e a vontade de servir de espelho para realidades locais. Se podemos considerar que o teatro é uma arte universal, é na ‘especificidade local’ que encontramos os modos de sobrevivência cénica, e a resistência a pressões sociais e políticas que possam enublar uma prática artística genuína. Logo, a individualidade que sustenta o teatro como prática cultural desde que ‘foi inventado’ deve ser reconhecível quando está em causa a representação de um universo, também ele, próprio. Porque dessa genuinidade virá a possibilidade de autonomização da própria sociedade.
Um espectáculo como Dance on Glasses confunde humanismo com subserviência através de métodos performáticos que desvalorizam a proposta, transformando-a num melting pot referencial e auto-justificativo. Há no discurso tenso e em loop das duas personagens uma vontade de ultrapassagem que não se concretiza no conjunto da proposta. Ao procurar-se um confronto entre este professor de dança opressivo e manipulador, e uma mulher que ele vê como representação de Shiva, a deusa da destruição (mas uma destruição que chega dançando), sujeita-se o espectáculo a uma forma concentracionária e nada evolutiva.
Espectáculo mono-cromático, Dance on Glasses sustenta-se num trabalho dramatúrgico limitado, com personagens planas e intenções ambíguas. Não há ao longo da representação uma vontade explícita de envolver o espectador no drama daquela mulher, antes procurando-se fazer do homem a vítima da incompreensão feminina. A recusa dela impede-o de se concretizar. Por isso mesmo, este espectáculo, insiste numa perspectiva machista para se construir. É esse o seu maior erro. E a razão pela qual mulheres como a que Shiva representa procuram o suicídio.
A maior falha deste espectáculo está exactamente em recusar assumir a influência do ocidente, para assim poder contribuir para um alterar do estado das coisas. Se a arte, quando se propõe a pensar as relações entre homens e mulheres a partir de um ponto de vista consciente das falhas da sociedade de onde provêm, não apresenta alternativas, de nada serve.
Aqui as referências ao e as influências do ocidente sobrepõem-se, encontrando-se tanto na estrutura clássica da mise-en-scéne, como na utilização de músicas (Metallica, Dead can Dance e Sting), no uso de objectos como cigarros (o tabaco pode ainda funcionar como símbolo da globalização?), e, sobretudo, na manipulação de regras clássicas da tragédia. A pressão do homem resultará no suicídio da mulher e a culpa será um mal com o qual ele jamais saberá conviver.
O ‘problema’ não está exactamente nas referências/influências, mas antes num não assumir dessa faceta da criação, impedindo o espectáculo de se autonomizar em direcção a um exercício de reflexão sobre o modo como a opção nem sempre significa o fim. Menos ainda quando representa uma recusa de modelos impostos por leis divinas. E, sobretudo, quando há uma consciência da morte como território livre.
1 comentário:
1. «o homem a vítima da incompreensão feminina.» eu não vi ali a incompreensão feminina. vi mais a incompreensão de um face à irrazoabilidade, e até mesmo irracionalidade, do outro
2.«A maior falha deste espectáculo está exactamente em recusar assumir a influência do ocidente», não vi nenhuma recusa. de qualquer das formas uma influência é isso mesmo influencia não tem de ser a coisa mais poderosa do objecto, muitas vezes ela é subtil, mas não me parece que seja este o caso
3.«Se a arte (...)não apresenta alternativas, de nada serve.», não cabe à arte dar respostas ao que quer que seja
4.«Menos ainda quando representa uma recusa de modelos impostos por leis divinas.» não percebi o que queres dizer...
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